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Fotografia: Rodrigo Rocha |
Fabrício Carpinejar: ‘A
lealdade é amar quando o outro não está nos enxergando’.
Foram algumas tentativas até
conseguir me encontrar com ele. Telefonemas, e-mails e uma dose de
perseverança. Culpa da agenda sempre lotada com compromissos que variam entre
gravações, palestras e lançamentos. Depois de uma verdadeira maratona de
trabalho, finalmente conseguimos marcar um almoço num restaurante mexicano em
São Paulo, em plena segunda-feira. Uma pequena pausa antes de pegar o voo de
volta à Porto Alegre, depois de inúmeros e incansáveis compromissos
profissionais. Foi nesse clima de decatlo que o poeta, apresentador, cronista e
provocador sentimental Fabrício Carpinejar (43 anos) concedeu entrevista
exclusiva à CONTI outra.
Quando cheguei, ele e sua
esposa, a advogada mineira Beatriz Reys, já me esperavam. Não foi difícil
acha-los, já que eram as únicas pessoas no local. Alguns minutos depois, eram
quatro os sotaques à mesa. O mineiro de Beatriz; o gaúcho de Fabrício; o meu,
que é uma mistura de nada com coisa nenhuma; e o pernambucano de Duda, amiga do
casal que chegou pouco depois. Enquanto minha pessoa física bebia algumas
cervejas e aproveitava o tempo entre amigos, a jurídica tentava prestar atenção
nos detalhes e procurava não perder pontos importantes da conversa informal.
Todo repórter é meio esquizofrênico em ocasiões como essa.
Bia e Fabrício estão
passando pelo turbilhão do casamento recém firmado. Muitos compromissos, planos
de viagens e as angústias que envolvem todo relacionamento. “Não tem
relacionamento sem angústia. Porque esperança já é uma angústia, só que a
esperança é uma angústia feliz”, explica Carpinejar.
Os dois vivem uma vida
conjugal bem madura, onde medos e apreensões são expostos sem cerimônias, bem
como desconfortos referentes à vida a dois. Ao que parece, o segredo deles é o
contraste. “O amor é oposição criativa, é adversidade bem-humorada. A gente
acaba se aproximando daquela pessoa que teríamos dificuldade de dominar. Por
isso que casamos: quando fracassamos no domínio, quando fracassamos em
comandar, quando fracassamos em dar as ordens. O amor é um despoder”, justifica.
A primeira coisa que você
vai notar ao sentar-se com Fabrício é o fato de que é muito fácil sentir-se
amigo dele. Não por fofura ou meiguice, mas por certa cumplicidade humana. Por
ele estimular o interlocutor a pensar por caminhos nada convencionais,
questionando a seu modo o discurso hegemônico sobre qualquer coisa.
Como exemplo dessa
facilidade de estabelecer contato, cito a forte amizade que tem com o cantor e
compositor Renato Godá. “Nos conhecemos durante a gravação de um programa de
televisão em Porto Alegre. Era um programa ao vivo com outros convidados e
quando o apresentador falou meu nome ele interrompeu aos berros – ‘Bah!!! Não
acredito, te ouvi no rádio hoje e tentei comprar seu disco, mas não
encontrei!’”, lembra Renato. “Achei engraçado ele atropelar o apresentador e
sair falando no meio da gravação como se estivéssemos num bar, como tantos que
frequentamos depois deste dia”. O músico menciona outra paixão em comum que os
uniu: o futebol. “Na noite seguinte ele apareceu no meu show, era um dia de
clássico entre Grêmio e Internacional, ele é fanático pelo Inter, mas abriu mão
dos ingressos já comprados e apareceu no show com a família. Também sou
torcedor fanático e entendi aquilo como uma prova de amor”. Os dois acabaram
virando parceiros musicais e algumas dessas composições farão parte do próximo
álbum de Renato Godá.
Outra pessoa que sabe bem
desse poder de conquista pela espontaneidade, é o escritor Marcelino Freire.
“Já bebemos, juntos algumas vezes, para afogar mágoas, revigorar almas. E rir
muito. Carpinejar é um dos caras mais espirituosos que conheço. Em viagens que
fizemos juntos pelo Brasil, é contagiante, inclusive, vê-lo fazer os outros
rirem. Ele gosta de, por onde passa, abrir sorrisos represados. É o poeta do
sorriso”. A tirar pelos depoimentos de Marcelino e Renato, o bar teve papel
fundamental no desenvolvimento fraternal entre eles. Parafraseando
vagabundamente o americano Jack London (1876-1916), não se pode esperar pela
inspiração, deve-se procurar por ela no bar. Pelo visto, o mesmo método pode
funcionar igualmente com amizades.
Doença Incurável
“O amor é uma doença
sexualmente transmissível”, escreveu sabiamente Marçal Aquino. Fabrício
Carpinejar concorda. “Eu gosto dessa frase do Marçal, porque traz o quanto que
o sexo realmente tem essa vocação de endoidecer almas, de desentortar almas. O
amor talvez seja uma ingenuidade readquirida na vida adulta. É quando a gente
deixa de enxergar as restrições e os preconceitos e os pré-requisitos para
viver inteiramente uma inocência”.
Concorda também que homens e
mulheres possuem maneiras distintas de embarcar em uma relação. “Para o homem,
o sexo é o princípio do amor”, explica. “A porta da percepção do amor para a
ala masculina, é o sexo. Ou seja, ele ficará com quem ele realmente amou se
relacionar. Já a mulher pode dar o maior voto de confiança e se apaixonar, não
através do sexo, mas pela gentileza, pelo cuidado, pela amizade, pelas outras
demandas emocionais”. Instigador que é,
faz questão de dinamitar o mito do homem sexualmente adaptável. “O que uma
mulher precisa saber é que o homem não tem arma secreta. Tudo o que ele fez na
primeira noite, ele fará nas seguintes. Se ele foi ruim, ele é realmente ruim.
Não tem como converter um homem ruim de cama em um bom de cama”, ri.
Hortifrúti Pós-Moderno
O sociólogo Zygmunt Bauman,
em seu livro Vida Para Consumo (ZAHAR, 2008), defende que com a avanço da
tecnologia, veio o impulso de nos colocarmos voluntariamente em prateleiras
virtuais. Comércio regulamentado pelo desejo desenfreado de exposição.
Trabalha-se o rótulo enquanto o conteúdo empobrece. Em tempos assim, é fácil se
deixar levar pelo superficial e não cuidar do essencial. Sobre o assunto,
Carpinejar diz que o que costuma acontecer é o cultivo do próximo marido ou da
próxima esposa no facebook. “Tu estás numa relação já mirando a próxima, já
trabalhando possíveis candidatos para um outro relacionamento”. Enxerga essa
facilidade desmedida como “um desgaste à intimidade, porque sempre tem
concorrências imaginárias e invisíveis nas redes sociais”.
Em tempos de extrema pressa
e desatenção, “precisamos reaprender a segurar a mãozinha, a olhar nos olhos, a
não atropelar o silêncio, a fazer cafuné. Pouquíssimos realizam bom cafuné”,
avalia.“Tem casais que não sabem fazer massagens nos pés; tem casais que não
sabem coçar as costas um do outro. Podemos fazer uma Universidade do Amor, com
essas pequenas técnicas domésticas, abandonadas pela virtualidade”.
Seja nos biscoitos da sorte,
nas frases de facebook ou nas linhas tortas da palma da mão que a cigana da
esquina traduz com seu braile místico, a fidelidade é assunto em alta. Mas
quase sempre a lealdade acaba ficando de fora da conversa. Será medo de saber
realmente o que o outro pensa? De exercitar o ato de ouvir o outro,
principalmente quando as notícias e confissões tendem a não ser tão animadoras
quanto esperamos? A impressão que fica é de que a fidelidade é seletiva em seus
parâmetros.
“As pessoas não colocam a
lealdade junto da fidelidade porque a lealdade é muito mais difícil de ser
exercida. A lealdade é dizer o que está pensando, o que está querendo, onde
quer ir, se está feliz ou não”, pondera, antes de continuar. “Lealdade é expor nossas
intenções. A fidelidade é apenas proteger as nossas intenções a dois. Ou seja,
de repente alguém não trai, mas passa a relação inteira sendo desleal. Lealdade
é prestar contas diariamente, do que somos, do que queremos ser e nunca abdicar
das confidências, dos segredos, da conversa permanente”, conta.
Fabrício gosta de usar a
metáfora fidelidade como jardim, como fachada da casa. Já a lealdade seria como
o fundo dela, algo que não se vê. “A lealdade é amar quando o outro não está
nos enxergando”, resume. Em suma, com toda a problemática que envolve os
romances virtuais e práticos, o sincero gaúcho constata que “é preciso ser fiel
e leal na vida real e na vida virtual”.
Sobre a grande popularidade
do seu trabalho como cronista, grande parte conquistada justamente na internet,
defende que escreve crônica para preparar o público para mais poesia. Já sobre
o papel de guru do coração que o sucesso parece querer lhe impor, ele é bem
enfático. “Não sou guru do amor. Eu sou um poeta e o poeta mora na dúvida. A
dúvida traz muito mais experiência do que a certeza”.
O que mais posso dizer?
Apenas que estou na fila de matrículas para a Universidade do Amor, proposta
por ele. E ninguém tem dúvidas de quem seria o professor mais requisitado dela.
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