Lúcia Constantino - [Poeta Brasileira]
O meu espírito revolta-se na carne.
E os meus ossos são galhos cansados
dobrados às chuvas argilosas
dos anoiteceres.
Estou com sono sobre os abismos.
Talvez tenha que cair, pra me existir
e aterrar o fundo de mim mesma.
Para repensar o abrigo das sementes
que se dispersaram nos umbrais.
E destruir a petrificação dos pensamentos
sobre as flores do caminho.
Meus monossílabos são o saldo do verbo
que Deus me deu por direito
como dobre de sinos em tempos de ressurreição,
ecoando pelas colunas de mim mesma,
e, às vezes, na treliça que separa os dois reinos:
o das águas dos olhos
e o da aurora inexorável.
DESSE SILENCIO
Desse silêncio
nasceu essa flor vazada
na cor da tua alma,
onde pousou o pássaro selvagem
em migração, emplumado de céu
buscando atravessar as nebulosas
de tua consciência.
Se perfumas os caminhos,
quando choram as roupas sobre a pele
e nos teus olhos repousam as solidões
das eras,
é porque a esperança e a saudade
em ti construiram seu templo
onde a vida ainda respira
apesar de todos os pós
precipitados sobre o teu rosto.
Ainda refloresço-me a cada dia
nos vales claros dos teus olhos.
DENTRO DA NOITE
Fui lançada e revelada
diante das quatro faces do sol
quando em meus olhos esse mar morto
dedilhou sua efêmera canção
nas águas das profundezas de minha alma.
A candeia oscilou, mas ainda estou aqui.
Doze mil pensamentos peregrinos
preparam-me um jardim lá fora
sob estrelas pastoras.
Nada direi aos cães (anjos) e aos profetas (deuses)
porque nem perto nem longe está a luz verdadeira.
Tudo é uma consciência de nuvem à procura
de sua pousada na terra
para dispersar a saliva de Deus
que se deixa harpear
em rostos, raízes e flores.
ROSTO
Em cada raio de luz
um pensamento que ascende.
Em cada palavra escrita
uma fonte que jorra
nascendo dos olhos.
Em cada sorriso
a inocência das asas.
E a alma é essa carregadora de silêncios
forjando nascentes e poentes
para eternizar suas raízes
num solo incognoscível.
CAMINHOS
Uma paisagem, uma via?
Um caminho a percorrer?
Não há uma rósea lua
em cada anoitecer?
Quero minha alma num só caminho
nos mesmos lugares
onde passam os séculos,
sem que de mistérios ou vinhos
eu precise
ou de qualquer séquito.
Sou pássaro em confidência
de asas molhadas,
nas tardes necessitadas
de presenças.
E para onde o céu me grita
-humana és mas de força infinita!
irei, em passos lentos,
levando unicamente o que herdei
das leis dos meus moinhos de vento.
Lúcia Constantino
Todos os Direitos Autorais Reservados a Autora
Nenhum comentário
Postar um comentário