Sponsor

AD BANNER

Últimas Postagens

Wuldson Marcelo [Escritor Brasileiro]

Wuldson Marcelo, cuiabano, nascido em 1979. Graduado em Filosofia pela UFMT e pós-graduando em Estudos de Cultura Contemporânea – Mestrado ECCO\UFMT. Editor do “Caos Sophia”, jornal dos alunos de Filosofia, de 2003 a 2005. Possui artigos e contos publicados em jornais e sites de Mato Grosso e demais estados brasileiros, entre eles contos no site Releituras, no jornal “Bom Dia” de circulação em cidades do interior de São Paulo e no Grande ABC e na Revista Contemporartes  Disponibiliza contos no site Overmundo. Autor do livro de contos Obscuro-shi (no prelo, Editora A Fábrika, a Santa Casa da Criação-MT).
http://www.overmundo.com.br/perfis/wuldson-marcelo

Uma Quase Crônica Sobre Bebel

 A moça morena de resplandecentes olhos castanhos lembrava para alguns, por causa de sua vitalidade e exuberância carnal, a atriz italiana Claudia Cardinali. Essa garota de nome Bebel era prostituta nas ruas de... Dizia ser do Nordeste, mas não dava certeza. Lembrava-se de uma fuga. Ou foi uma expulsão, despejo? Será que foi isso? Chegou a... meio sem querer. Pretendia ir para a capital do Estado vizinho. Terminou por, aos doze anos, ser estuprada por um caminhoneiro que lhe ofereceu carona no interior de São Paulo e ser largada em... Interior de São Paulo? O que foi fazer por lá? Bebel era assim. Um dia estava em uma cidade, no outro já percorria o lado oposto. Até que parou em...
 Bebel começou a se alcoolizar aos treze anos. Foi quando começou a se prostituir. Na verdade, ela havia se cansado de roubar. O furto era um ato de extremo risco. Recordava-se de ter levado uma surra de um policial quando mal havia completado seus quatorze anos, logo após roubar uma quitanda. Para sua total falta de sorte um homem de farda passava pelo cenário do crime. Apanhou num beco próximo ao estabelecimento. O proprietário da quitanda estava presente, rindo e pagou o PM pelo serviço, comentando que dessa maneira a menina aprenderia a lição, e indo além, tornando a situação mais execrável proferiu:
 - Olha, Tenente, essa garota aí, tem uma bunda gostosa, hein. Se a vendesse fazia dinheiro. Eu pagava muito só pra enrabar.
Ambos saíram rindo. Bebel ficou ali, estática, perdida entre lágrimas e sangue. Porém, as palavras daquele que promoveu a sua vergonha, ressoavam na sua cabeça. Bebel, afinal, era uma menina de atributos físicos elogiáveis. Seu cabelo castanho-escuro, seu nariz levemente arrebitado, seus lábios voluptuosos, seu ventre liso e suas pernas torneadas formavam um belo conjunto. Bebel tinha a pele trigueira. Era bronzeada naturalmente. Um dia, na rua, decidiu aceitar o convite de um sujeito que ocupava o volante de um Civic. 100 Reais ganhos num motel ralé. Bebel sabia que aqueles senhores com belos automóveis dariam o que ela desejava: uma residência própria. Nada mais de dormir ao relento, ou correr para abrigos, ou suplicar estadia em casa de conhecidos. Não precisaria mais transar por comida e teto fingindo que essa troca não era prostituição. Bebel começou a faturar o seu sustento. Gastava em bebidas, hotéis baratos e jogos de fliperama. Aos dezesseis anos a sua exuberância não passava mais despercebida. Nesse tempo conheceu um escritor decadente. Ele um alcoólatra inveterado, agradou sobremaneira Bebel. Também, nessa época, já alugava uma quitinete e atendia empresários e casais excêntricos. Um dia Marco Toledo Alves, o escritor que se abalou para... após se divorciar da esposa quando morava na Cidade Maravilhosa, disse à Bebel que ela lembrava a estonteante Claudia Cardinali. A garota adorou o elogio apesar de não saber quem era a atriz italiana. Marco, então, as apresentou. Assistiram a “A Pantera Cor-de-Rosa”. Encontrou depois de perambular e garimpar pelas locadoras, “O Leopardo” de Luchino Visconti. Bebel ficou deslumbrada com a beleza de Cardinali, mas não encontrou muitas semelhanças entre elas. Marco, autor de três livros publicados e obscuros, ex-professor de Literatura, insistiu na parecença. Enfim, Bebel cedeu.
 - Você, minha flor, deveria aproveitar esta similaridade e imitá-la. Você não assistiu “Los Angeles - Cidade Proibida?”.
Não. Bebel não havia assistido ao filme. Via poucas produções cinematográficas e ia esporadicamente ao cinema. Não sabia quem era Christiane F. quando o escritor falou sobre ela. Bebel não conhecia figuras públicas, nomes históricos ou algo sobre artes. Nem fatos ou acontecimentos que construíram a idéia que temos de mundo. Bebel somente considerava métodos de sobrevivência, preocupava-se com a sua subsistência e uma vez ou outra em como obter prazer, podendo ser através de sexo, consumo material ou etílico.
Aos dezessete anos uma tragédia veio alterar os rumos da vida de Bebel. O assassinato de Marco Toledo num barzinho localizado na cidade vizinha. Segundo as testemunhas, ele havia ingerido altas doses de vodka e saiu em companhia de uma prostituta. Quando voltou ao bar estava desacompanhado. Então, um cafetão apareceu acusando-o de dar calote nele. E, por fim, após uma discussão bastante ríspida, ele foi morto com três tiros na cabeça. Uma dessas balas o atingiu logo em seguida a queda. Morto a sangue frio. Bebel ficou transtornada e se afundou no álcool. Muitas vezes, ela encontrava os seus clientes ricos completamente bêbada. As suas companheiras de profissão lamentavam a sua condição. Mas a consideravam tola por se deixar abater e se “estragar” devido a uma paixão por um viciado como “aquele escritorzinho fuleira”. É o que elas declaravam.  
Aos dezenove anos aquela figura estonteante à semelhança de Claudia Cardinali não passava de uma doce e pálida lembrança. Bebel, um dia, encontrou um rapaz que vivia de assaltar pequenas lanchonetes em bairros periféricos da cidade. Ela se encantou pelo rapaz, que na verdade, apesar de conseguir gratuitamente aquilo cujo preço já não era tão elevado, a achava repulsiva. Bebel, a ex-bela, morreu pelo punhal desse garoto. Assim como apareceu do nada deixou o palco da vida. Quem ela era, de onde ela veio, ninguém soube. O seu corpo foi encontrado em um hotel reles. Não na cama, mas no chão. O rapaz confessou o assassinato. Responsabilizou o asco que sentiu defronte aquela imagem repugnante sempre e sempre o embriagava. O delegado, que havia desfrutado dos melhores dias do corpo de Bebel, permaneceu calado como já era de se esperar sobre a sua relação com a vítima.
Bebel morreu. Tinha um cognome, Bebel. Fugitiva de um orfanato (provavelmente, pois mentira sobre a sua procedência várias vezes) morreu sem documentos em... Foi enterrada como indigente sem nunca dissera seu nome a ninguém. Talvez, somente o seu “escritorzinho” soubesse como foi batizada a adolescente Bebel. Algumas prostitutas escreveram com batom vermelho na cruz de madeira fincada no cemitério o nome Bebel.
Bebel que não possuía conta no banco, que não continha na polícia um arquivo sobre seus feitos, apesar dos roubos e da prostituição. Bebel epifenômeno impresso nos relatos-devaneios de um biógrafo perdido e insone, afetado pelos depoimentos de indivíduos que a viram, falaram com ela, mas nada sabiam de concreto a respeito da mulher. Situação insólita na qual a vida de uma pessoa se torna uma lenda urbana.  

***
Refusar

Naquela tarde, a chuva foi o meu único problema. Eu tinha o discurso ensaiado, e o desfecho seria a deflagração dos insultos proferidos pela plateia que consagram um polemista. Eu deveria ser subversivo. Ditar as normas que extinguirão qualquer tipo de preceito para uma composição artística. Eu deveria recusar a aquiescência dos jurados. A chuva impediu o triunfo de um artista talhado para os debates calorosos acerca da autenticidade e originalidade das vanguardas. Assim que ouvi o chapinhar no telhado, soube que o teatro não se encontraria com as palavras que seriam expelidas da minha garganta com todo o atrevimento possível. Eu deveria negar a minha inclusão na lista dos mais vendidos. “Se sou lido é por pura incompreensão daqueles que buscam as minhas letras impressas no papel.” Eu diria com ênfase que recusar leitores banais, vulgares, e desprezar à bajulação fazem parte do arcabouço intelectual de um legítimo literato-contraventor ou um ousado contraventor-literato.
Mesmo que os assistentes daquela noite atirassem seus insultos, seus celulares, seus sapatos ou estojos de maquiagem, eu seria inflexível. Eu iria recusar as homenagens. Em meu discurso deixaria bem explícito os motivos; a minha pouca inclinação em aceitar honrarias fúteis; essa coisa de indicar e laurear alguém como o melhor não passa de uma bazófia abjeta; cretinices de pseudo-especialistas e de um público inapto para dissertar sobre seu próprio gosto.
Tudo estava pronto. O problema foi a chuva que insistiu em cair sem piedade e que me proporcionou tempo para refletir e aceitar o Prêmio ---------- de melhor romance do ano com o qual eu havia sido agraciado. No final do meu agradecimento desmanchei-me em lágrimas, lembrando que realizava naquela noite sonhos acalentados desde a adolescência, e testemunhava como é inexplicável o sabor do reconhecimento e que essas coisas pertencem à confirmação das possibilidades.

***
Todos Querem a Cabeça do “Compadre” Matias Reis


1. Gritos de horror

Hotel Paraíso. Três e trinta e oito da tarde. “Compadre” Matias Reis está no saguão. Vicente “Cara-de-Cão” Lopes, o agiota psicótico, sai do elevador em direção à porta giratória. Matias Reis alveja o agiota e seus dois seguranças. Tiros certeiros nas cabeças e nos peitos dos desavisados contraventores. Matias Reis em disparada pela metrópole cinzenta. No saguão do hotel gritos de medo ecoam pela tarde manchada de sangue. Matias Reis, já sereno, guia seu automóvel com perícia sobrenatural.

2. Sinal fechado

Cena 1 - Externa - Tarde de um dia da semana na metrópole cinzenta - Trânsito (sinal vermelho).
Matias Reis em seu automóvel manuseia um CD (rosto transparece paz de espírito).
FadeOut.

Sinal verde. “Compadre” Matias Reis avança pela avenida. Uma bala calibre 38 estraçalha o vidro do seu automóvel. O Civic encontra o poste pela frente. Um corte superficial no supercílio do olho esquerdo de Matias Reis. O atirador oculto dispara novamente. A bala penetra no ombro esquerdo de uma moça loira que passava. A transeunte despenca no chão enquanto Matias Reis escapa por uma Pet Shop. Ileso e confuso. “Querem me matar? O Dr. Palácios vai ter que me proteger.”

3. Descoberta insólita, mas previsível

Matias Reis telefonou para Helena Cruz, a intermediária.
- Helena querem me apagar. Eu completei o serviço. Eliminei o delator. Aquele não canta mais. Na saída um puto tentou me matar.
- Eu sei.
- Sabe? Como?
- Foi o Dr. Palácios.
- Como assim? O chefe quer me matar? O que? Queima de arquivo?
- Sim. Você matou o homem que sabia os segredos do Dr. Palácios antes que ele pudesse fechar o acordo com a polícia, certo? Então, o seu principal assassino passa a ser agora o seu principal problema.
- Por que está me contando isso? Por que me ajudar?
- Ajudar? Não! Somente estou avisando. Morrer ignorando a causa da morte deve ser como morrer igual a um animal sendo abatido sem defesa. Não me procure.

4. Ressentimento
Matias foi procurar à ex-esposa. Lá soube que não teria auxílio. Ela o odiava. Viviane era uma mulher voluptuosa, porém amarga. Matias Reis casou-se com ela para desfilar uma morena de olhos castanhos claros e seios fartos. Muitas vezes ele foi infiel e a agredia fisicamente também. Matias Reis tentou dialogar. Não houve acordo. Ela somente recomendou-lhe cuidado. Viviane havia contratado um assassino profissional para exterminá-lo. Jogou-lhe a confissão no rosto. O sangue de Matias ferveu. O revólver chegou a ser tateado. Mas, ele se conteve e num impulso esbofeteou Viviane. Matias partiu planejando voltar logo para acertar as contas. A mulher ficou sentada no chão sorrindo. Finalmente havia conseguido se livrar de seu estigma.

5. Jornada de sangue

Dr. Palácios mandou matar Tião Bicho-Grilo. O tal Tião era o melhor amigo de Matias Reis. Esse tal Bicho-Grilo agia como se fosse um samurai hippie ou um hippie samurai. Aquele tal Tião era mortífero. Morreu almoçando, antes do assassinato do agiota Vicente “Cara-de-Cão” Lopes. O executor de Tião Bicho-Grilo apagou também a filhinha deste sem piedade ou remorso. Serviço, afinal, é serviço. Não tem aparência ou história. Luana, a filhinha do samurai hippie era afilhada de Matias Reis. O mortífero Tião foi morto almoçando com a filha. Um tiro na tez negra e amiga. O Dr. Palácios sabia que assim que “Bicho Grilo” soubesse da ordem de execução sumária contra Matias viria à procura dele para acertar as contas. Amizade é amizade. Vingança foi o desejo do “Compadre” assim que soube dos assassinatos.

6. Notícias de Jornal

“Um dia violento na metrópole”.
“Quinze assassinatos registrados pela polícia”.
“Crimes bárbaros aterrorizam os cidadãos de bem”.
“A criminalidade é a vergonha nacional”.
“ONU denuncia a ineficiência da prevenção à violência no Brasil”.
“Morreu hoje o temido agiota e notório sanguinário ‘Cara-de-Cão’”.

7. Um a menos

No bar da avenida central Matias Reis encontrou o matador de aluguel que estava a serviço de Viviane. O sujeito era amador. Deu várias indicações que o seguia e vigiava. Observava e depois, quando percebido por Matias, tentava disfarçar. Quando o “Compadre” foi ao banheiro o matador seguiu lhe sem nenhum cuidado. Matias entrou no toalete e se escondeu de imediato atrás da porta. O homem apareceu em seguida e Matias, após uma luta rápida, matou-o com o próprio revólver deste. Aquele já não poderia fazer-lhe mal. Depois resolveria a traição de Viviane.

8. A morte ingênua de um suposto matador tarimbado

Como Matias planejava a vingança das mortes de seu melhor e único amigo e de sua doce e querida afilhada Luana? Ele não tinha nenhum plano, somente o desejo. Na sua mansão o Dr. Palácios era inacessível. Ele possuía quarenta e sete capangas e um sistema de segurança impenetrável. Invadir seria morrer. Não tinha como driblar os alarmes e câmeras instaladas pela residência. Matias, então, decidiu por aquilo que mais abominava, a delação. Foi à delegacia procurar o Vieira, o ícone da justiça legal e da intolerância à corrupção. Ao entrar Matias perguntou pelo delegado, se identificou e foi detido com truculência, o que o deixou com hematomas. O delegado Vieira chegou para abrandar a situação. Vieira era um modelo de força moral, um incorruptível agente da lei. Propina para ele era como um hóspede indesejado deixou ficar se instala para sempre. O depoimento de Matias foi tenso. Ele confessou seu crime no Hotel Paraíso. Dr. Palácios iria cair. O “Compadre” seria testemunha no processo contra o maior mafioso da metrópole cinzenta. O delegado Vieira sugeriu que Matias convidasse um advogado para a festa. Os policiais saíram para buscar um telefone. Foi num piscar de olhos. O crânio de Matias Reis espalhou-se pelo chão e paredes da sala de interrogatório. Vieira chamou de volta os policias... Não, não foi assim. Os policias deixaram a sala. Vieira, então teve a ideia de levar Matias para uma cela onde havia um único detento. Este recebeu um estilete. O detento arrumou uma discussão com Matias. Disse-lhe que era do conhecimento de todos que ele, Juarez “Mil Moedinhas”, mantinha um caso com Tião Bicho-Grilo e que esse lunático do Tião era mesmo um pederasta. Matias deu-lhe um soco e o preso revidou com uma perfuração no estômago do “Compadre”. Morreu vinte minutos depois, ainda na cela, sem atendimento. O Vieira sempre soube proteger o seu compadre Palácios.

9. Notícia de jornal

“A polícia em uma operação muito bem executada prendeu de madrugada o matador do Hotel Paraíso. Porém, na cela, em uma discussão com um dos presos, o assassino Matias Reis, conhecido pela alcunha de ‘Compadre’, foi esfaqueado e faleceu minutos depois na enfermaria do... Distrito de Polícia. O responsável pela prisão o delegado Altemar Vieira...”
 
10. Sorrisos

Dr. Palácios bebeu vinho francês, no dia seguinte, com amigos políticos e alguns fazendeiros. Viviane respirava aliviada, porque, podia viver agora uma existência que não estava em suspense por causa do medo. Helena Cruz foi à única pessoa que compareceu ao enterro de Matias Reis. Depois ela fugiu para o Equador. Matias Reis não morreu como um animal. No instante que o estilete penetrou em sua carne tudo ficou claro para ele.

Wudson Marcelo
Todos os direitos autorais reservados ao autor

Um comentário

marcio mendes disse...

Gostei muito do estilo. Bastante original.Seja bem vindo a Revista Biografia - Um abraço deste Poeta - Márcio Mendes - www.marciomendesmt.com.br.