Carlos Parrini.
Nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1959. Filho de família pobre, com seis irmãos, Carlos teve que trabalhar desde cedo para ajudar na renda da família. Quando jovem, serviu como Missionário Mórmon no Sul do país, onde viveu por dois anos. Ao retornar ao Rio, com 21 anos foi admitido pela Embratel, emprego através do qual Carlos viajou todo o Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste do país, instalando telefonia pública DDD nas cidades destas regiões, por mais de duas décadas de sua vida. Com formação em Redes de Telecomunicações, continua viajando por todo o Brasil como consultor de empresas.
Vítima de um trágico acidente, que o deixou entre a vida e a morte, Carlos aproveita esta sua história para compor o seu primeiro livro, "Volta ao Planeta Vida", que já é um Best Seller.
Perfil no Orkut:
Comunidade de debates polêmicos:
Blog de denuncias de corrupção:
Perfil no Facebook:
Perfis no Twitter com 300 mil seguidores:
@CarlinhosVP @CarlosParrini @BlogdoParrini @CappX e @CappX
Capítulo 3 do Livro Volta ao Planeta Vida!
- Capítulo III -
Um Dia De Outono
"Sempre fiz o bem e a muitos carentes ajudei"
Vento frio e cortante, folhas secas caindo, o conforto da fogueira de lenha e das roupas de lã...
Minha mente já me oferecia sensações junto às recordações. E estas de frio, um frio de outono, quase inverno, estavam muito longe do calor úmido e sufocante amazônico. Clima tão diferente, paisagem também. E as cores... As cores vivas da Selva Amazônica, o verde florescente das plantas e o vermelho gritante das aves cediam lugar à cores mais sóbrias, amenas, tons opacos, tudo anestesiado pelo ar denso do clima frio, o brilho e o choque das cores naturais sendo contidos pela geada noturna e a serração matutina. O único que ainda chocava era o contraste entre as paisagens. E entre os climas.
Mudavam as cores, as plantas, as roupas e as pessoas. A arquitetura também. E a cultura. Mas uma coisa não muda: a pobreza. Onde existe, a pobreza é a mesma. E nesse país, um país pobre, a pobreza está em toda parte a flagelar nosso povo. Uma grande tristeza, num país tão belo.
No sul, quando eu era bem jovem, mal tendo passado a adolescência, eu quis levar conforto às pessoas que dele necessitavam. Para isso alistei-me na Missão Mórmon, onde servi por dois anos inteiros. Deixei para trás minha família, meus amigos, minha cidade - a belíssima Rio de Janeiro - e um emprego promissor que tinha na Light do Rio, tudo para atender esta tarefa divina de ensinar e difundir o Evangelho e levar calor humano e conforto aos que dele precisavam.
Eu não tinha salário, não ganhava nada por isso. A Missão supria minhas necessidades básicas, roupas, comida e moradia, mas era só. O que eu fazia, então, vinha de coração. E o que residia neste coração era o desejo de ajudar às pessoas. Ajudar como pudesse, levando palavras de paz e amor, a mensagem do Senhor às pessoas, dando sempre o melhor de mim para isso. Era um presente a Deus, um dízimo que eu pagava alegremente.
Em questão de segundos, minha mente me transferiu da Amazônia à cidade de Alegrete, no interior do Rio Grande do Sul. A transferência fora um choque. O frio fez-me arrepiar. Encolhi o corpo todo por dentro da blusa de lã que eu tinha por baixo da camisa branca e gravata que usava, meu uniforme de missionário. Eu ainda sentia-me deslocado, e olhei aos lados para me localizar no tempo e espaço. Vi Alberto, um jovem da Igreja local, que me acompanhava em seus momentos de folga, também se encolher de frio.
Ele me esticou a mão em despedida, o que queria dizer que eu deveria voltar pra casa. Os missionários devem andar sempre em dupla em seus trabalhos, e eu fazia dupla com Alberto. Como Alberto estudava a noite, ele devia retornar dos trabalhos mais cedo, e assim eu o fazia também. Recordei o local e a época. Pronto! Estou localizado.
Alberto deveria voltar pra casa, se preparar pra aula, e eu deveria retornar aos meus alojamentos. Estávamos na periferia da cidade, um lugar muito pobre, e como não usávamos de carro, deveríamos seguir de ônibus aos nossos destinos. Após a despedida, Alberto embarcou no dele. E eu permaneci de pé, sozinho no ponto, esperando o meu. Fiquei admirando seu ônibus até ele desaparecer na rua. Depois voltei meu olhar ao outro lado, esperei surgir o meu. Ainda era cedo, o dia ainda estava claro e eu não estava com pressa.
Pressa nenhuma, aliás. Exceto pelo frio. A idéia de poder me aquecer dentro de uma casa me tentava muito. Encostando no muro, eu fechei os olhos por um minuto e imaginei-me dentro do alojamento da Missão, uma cama macia, aqueles cobertores peludos do sul em cima de mim. Ah, que preguiça deliciosa eu senti.
Mas um vento frio açoitou-me as faces, fazendo-me abrir os olhos e retornar à realidade. "Com é que é, você acha que vai descansar hoje?", perguntou a brisa com os seus açoites.
Eu sorri em resposta: nada de trabalhos podia fazer na rua sozinho. E se nada houvesse a ser feito na Missão também - doce ilusão, sempre havia trabalho por lá - eu poderia me deitar, certo?
- Errado - murmurou a brisa, rindo às gargalhadas. Era cedo demais para eu dormir.
Daí, divertida, a brisa sacudiu com força os galhos das árvores, algo que eu gostava muito de vê-la fazer. Primeiro porque a cena era bonita, o barulho era relaxante. Depois porque, naquele frio, eu me sentia melhor ao vê-la sacudir galhos de árvores do que senti-la esfriar-me as orelhas.
Como era outono, várias folhas secas caíram ao chão com a sacudida. Deus não faz nada por acaso. As folhas se juntaram e acumularam na calçada, e, com o vento, começaram a voar pela rua, produzindo redemoinhos ao se movimentar.
Era tão bonito que gostei. Ri sozinho, como um bobo, da tentativa da brisa de fazer eu me mexer, e ri outra vez quando constatei que ela funcionara: eu estava de fato seguindo as folhas e os redemoinhos de vento, deixando o ponto de ônibus para trás. Ora, pra que ônibus, se eu posso voltar a pé, pensei naquele momento. E, com a brisa brincando e fazendo troça ao meu redor, aquela prometia ser uma viagem interessante.
Imagino hoje o que deveriam ter pensado de mim, um homem bem arrumado, usando camisa social e gravata no coração dos bairros pobres da cidade, a se divertir como um bobo, rindo e brincando com folhas carregadas pelo vento. Ainda bem que estas noções de realidade só vêm a nós depois, posteriores aos fatos. É tão bom voltar a ser criança e poder brincar novamente, vez por outra. Mais que compensa a ridicularização a que nos submetemos por isso.
Mas nem todos me olhavam assim, com olhares de censura. Seguindo a brisa e suas folhas secas, eu dobrei várias esquinas, fui levado a uma parte do bairro que não conhecia antes. E foi aí que vi a pobreza de fato. Como nas aldeias de palafitas, da Amazônia, ou nas favelas do Rio. As casas eram feitas de tábua de madeira finas, as ruas de barro. Não havia árvores, sequer havia elevação nas calçadas separando-as das ruas, do tráfego de carros. Apenas casinhas e mais casinhas, enfileiradas, parecendo que iam desmoronar com o vento, com a ação da mais fraca brisa...
Mas a brisa era amiga. Se ela trouxe a mim e suas folhas secas até aqui, não seria para derrubar casas. E sim por outro motivo. Segui-a como quem segue o coração. E sigo-a sempre deste modo, sabendo que estarei certo ao segui-la. Talvez seja este o modo com que Deus fale comigo.
Minhas feições deixaram de ser alegres ao entrar naquela rua. Senti um profundo aperto no coração. Tanta pobreza ali. Dor. A brisa já não era mais brincalhona, também. Deixava suas folhas caírem ao chão, então levantava algumas delas, uma de cada vez, numa lufada brusca. Via-as cair mais adiante, e as erguia de novo. Fui seguindo este seu movimento monótono, um marasmo cansativo, até que o vento mudou de direção sem aviso, ergueu todas as suas folhas numa altura considerável e as levou embora, para cima e para trás de mim, para bem longe.
Voltei-me pra trás para vê-las, sentindo-me perdido ali, sem elas. E reparei em outra coisa, um choro de mulher, distante ainda, baixo, mas audível, e muito melancólico. Choro de quem precisava ouvir algo agradável, ter conforto, uma palavra de Deus.
Seria isto? O choro foi trazido a mim, carregado pela brisa amiga, quando o vento mudou a direção. Ele vinha de longe, mas não muito, à minha frente. Querendo investigar, adiantei-me, pus-me em marcha, e fui em sua direção. Passos lentos e receosos, não sabia o que me aguardava por lá. E logo avistei uma jovem sentada na porta de madeira de sua casa, as pernas encolhidas, a cabeça sobre os joelhos escondendo as lágrimas, os cabelos longos caídos aos lados do corpo, suas costas comprimindo-se em espasmos com o choro.
Olhei-a por um breve instante. E não apenas por ser missionário, mas por ser um ser humano, a cena tocou-me. Como poderia alguém ficar indiferente a tamanha dor? Eu não pude.
Aproximei-me em passos curtos, sem pressa, fui com calma até poder depositar minha mão em seu ombro. Não quis assustá-la. E ela não se assustou comigo. Sua dor era tanta que ela sequer se moveu.
- Moça, fale comigo - eu disse. - O que aconteceu?
Ainda sem me olhar, de rosto escondido, ela meneou sua cabeça entre os soluços de choro.
- Talvez eu possa ajudar - eu ofereci. Ela fez que não de novo.
- É meu bebê, moço. É meu bebê...
Eu sentei ao lado dela para ouvir sua estória, minha mão a confortá-la, pousada em seu ombro. Em convulsões de choro desesperado, a dona daqueles belos e longos cabelos negros me contou que seu bebê estava doente e que os médicos nada podiam fazer por ele. Ele não comia há dias e ainda vomitava o mingau. Os poucos recursos do pronto socorro local já haviam sido gastos na tentativa de reverter seu quadro, mas nada dera resultado. E ela, com o bebê, tiveram que voltar pra casa, a espera de um milagre.
A mulher continuou chorando de cabeça baixa, escondendo seu rosto, e eu também chorava. Era difícil me conter diante de uma situação assim. Olhei para o outro lado, em busca de auxílio. Eu queria tanto ajudar esta família, que já sofria tanto por ser pobre. Mas que apenas confortar a moça, quis ajudar seu bebê, uma criança inocente que nenhum mal havia causado neste mundo...
Mas eu não era médico, não sabia o que fazer. Me senti impotente e completamente perdido ali.
Mas nem por isso iria abandonar aquela família. Não apenas como missionário, mas como pessoa, era minha obrigação permanecer ali. E assim fiquei sentado ao lado da mulher que chorava, minha mão dando carinho a seu ombro, meu rosto voltado pra rua, para o lado de onde vim.
Peço iluminação a Deus. E com os olhos vermelhos e marejados, vejo uma folha seca descer a meus pés. Da brisa vem a confirmação de que era exatamente este o local que eu deveria estar.
Eu olhei para aquela folha, peguei-a nas mãos, aquele verde misturado com marrom, uma cor seca, apagada, uma consistência quebradiça. Tão frágil. Como somos frágeis diante do divino. Mas das folhas vêm a vida. Das sementes, que voam no vento. Frágeis, mas vivas. Como nós. Tão frágeis diante de Deus. Mas vivos, por Ele.
Guardei a folha no bolso da camisa.
- Quero ver seu bebê - eu disse. - Eu acho que posso ajudar.
A mulher levantou seu rosto, tamanho foi seu espanto. Olhou-me com olhos de choro, espantados, sim, mas com esperança. E a emoção foi tão forte que aquele olhar partiu meu coração. Ela viu que eu também chorava e nada disse. Eu pedi de novo, minha cabeça sacudindo toda a falar para evitar engasgar-me com as lágrimas.
- Eu quero ver seu bebê - eu pedi novamente. Ela levantou e abriu a porta da casa.
Entramos.
Que casa pequena. Havia apenas um cômodo, que era a cozinha, sala, quarto e quarto do bebê. O banheiro eu concluí que fosse externo. Não avistei qualquer divisória por lá.
Estava atolada de quinquilharias. Havia objetos amontoados em toda parte. Muitas coisas eram lixo, objetos quebrados, inúteis, e papéis velhos também. Penso que, mesmo na pobreza, as pessoas precisam acumular posses, mesmo que pequenas. E assim entulham suas casas com quinquilharias encontradas nas ruas, nos cestos de lixo, nos lixões. Aquilo rendeu-me enorme tristeza, uma casa tão pequena e tão lotada, tanta carência.
E era fria a casa. Muito fria. O ar penetrava as frestas na madeira e gelava o ambiente.
No meio das quinquilharias estava um bercinho de madeira bem velho, antigo, a madeira lascada nas bordas. A mulher chegou a ele antes de mim, e, com os olhos tristes, pôs a mão dentro dele, acariciando a criança adormecida lá dentro, dizendo.
- Meu bebê.
Eu caminhei até eles e o que avistei no bercinho me comoveu. Havia lá dentro, metido num macacãozinho azul claro humilde, um menino lindo com poucos meses de vida em suas costas. Cabelinhos pretos ainda crescendo, os fios colados à cabeça, a boca fechada, olhos cerrados, bochechas e mãos magrinhas pra fora do xale de lã amarela. Dormia como um anjo, uma profunda paz, a cabeça tombada de lado, pouco se preocupava com sua doença.
Sendo tão novo, o menino me partiu o coração. Nunca achei que uma criança tão pequena fosse capaz de provocar tamanha dor a um adulto. Eu acariciei a sua testa descoberta com a ponta dos dedos, e esta era tão pequena.
- Prepare uma mamadeira - eu pedi a mulher. - Eu quero tentar alimentá-lo.
- Mas a mamadeira está pronta - ela disse. - Eu acabei de fazer e ele recusou.
- Então traga-a para mim, por favor - eu pedi comovido. A mulher foi pegar a mamadeira, e eu orei. Orei muito com a mão sobre a cabeça daquela criança que me parecia um pequeno anjo dormindo em seu cantinho. Enquanto orava, de olhos fechados, as lágrimas rolavam e caíam ao berço. Uma delas bateu entre os olhos do menino e ele acordou.
Peguei-o no colo como quem segura um pequeno tesouro, ele olhava a sua volta curioso. Bateu palmas, o danado, depois se acalmou. Quando ofereci a mamadeira, ele pegou, e estava mamando.
Olhei sua mãe nos olhos, e desabamos nas lágrimas.
(Por muitas vezes, durante meu tempo na Missão no Sul,
fui ridicularizado e ofendido nas ruas, chamado de espião
ou confundido com vendedor de bugigangas. Mas na verdade
eu não era nada disso. Eu havia largado tudo para realizar
este trabalho e o que eu oferecia às pessoas eu oferecia de
coração, sem ganhar ou cobrar nada por isso.
Centenas de pessoas eu ajudei, mesmo quando tive que escutar
frases ofensivas como "Yankee Go Home!" e tantas outras durante
minha jornada pelo Sul. Estas frases machucavam muito, é verdade,
mas as inúmeras experiências felizes que tive ao ajudar os neces-
sitados apagavam os traços de dor, e eu recebia forças para seguir
em frente. O caso do bebê não foi um caso isolado: outros semelhan-
tes eu vi e vivi no sul. E por causa de todos eles, hoje eu sei
que a Caridade nunca falha: ela faz bem tanto para quem ajuda
quanto para quem é ajudado).
Porque isto estava acontecendo comigo?
Se desde garoto promovi o bem e fui tão amigo?
Te dei minhas mãos como seu instrumento,
Deus Amado, ouça este meu lamento.
Sempre fiz o bem e a muitos carentes ajudei.
Por que isto estava acontecendo comigo?
Perdoai-me, Senhor, se Te perguntei,
Se evitar a pergunta eu não consigo.
Só queria um pouco compreender.
Em outro ser me transformei?
A todos Teus filhos amei.
Te imploro, ajuda-me a crescer!
Carlos Parrini
Todos os direitos autorais reservados ao autor
2 comentários
Todas as minhas narrativas levam um toque poético. Espero que tenham gostado.
Parrini
como nao se pode esquecer dos amigos quero te mandar um abraço que deus continue te iluminando e que voce possa consegui tudo de bom em sua vida pois vc merece um abraço de sua amiga giselle
Postar um comentário