Maria de Fátima Venutti ou simplesmente Fátima Venutti
.
Paulistana
de Osasco (1965). Reside em Blumenau desde dezembro de 2002. Formada em Letras,
escreve desde os 11 anos.
Participou do grupo Constelação
de Poetas, em Osasco/ SP e em 2004 associou-se à
Sociedade Escritores de Blumenau- SEB. Possui textos premiados em concursos
literários, destacando entre eles “Mulheres em Prosa e Verso” (2005) Ed. Hoje,
Casca/RS e 2º Prêmio Ebrhaim Ramadan, Ed. THS Arantes – S. José Rio Preto/SP.
É membro da Academia
Catarinense de Letras e Artes (ACLASC), ocupando a cadeira
nº 11, cujo patrono é o poeta Lindolf Bell.
Faz parte da Câmara
Catarinense de Livro – CCL com link individual:
Em 2007, presidiu a Sociedade
Escritores de Blumenau- SEB - gestão
anual (www.seblumenau.org) ;
Membro fundadora do Instituto
Ame Suas Rugas:
TRABALHOS LITERÁRIOS QUE
PARTICIPOU:
- Antologias e Concursos
Literários
Antologia de Poesias “Frei Constâncio Nogara”, organizada pela ASES
(Associação de Escritores de Bragança Paulista/SP)- 2005
Concurso Internacional Mulheres em Prosa e Verso – Ed. Hoje,
Casca/RS (2005), participando com 4 textos selecionados
Revista Palavras Azuis (coord. escritora Terezinha Manczack. Participou do Vl. 3, nov/2005, cuja
temática era o Surrealismo na Cultura.
Coleção Prosa&Verso, Vol. 4 Projeto Palavras Azuis), Ed.
Nova Letra, Blumenau/SC -2005
Antologia Um Rio de Letras, Vol. III- Organizadora, em
parceria de Neida Wobeto e Rosane Magaly Martins, e co-autora nesta obra
que destaca o trabalho dos literatos da Sociedade Escritores de Blumenau- SEB,
com apresentação de Celestino Sachet. Ed. Nova Letra, Blumenau/SC, 2006.
2º Prêmio Ebraim Ramadan, Ed.
THS Arantes- S.José Rio Preto/SP (2006) - Poesia
Último Beijo. Premiação que resultou na publicação da obra individual (bilíngüe) Último beijo/ Último Beso (poemas)
- I Concurso Nacional de Poesias da Academia Catarinense de
Letras e Artes –
ACLASC (2006) www.aclasc.com.br – 5 º Lugar: Poesia “Sombras da Memória”
- Projeto Jóias Literárias – (2007) Estúdio Criação- Blumenau/SC, com ilustrações de Eugênio Colonesse; Participam
10 poetas selecionados da Sociedade Escritores de Blumenau. A obra integra o
projeto Troque Lixo por Livro, de Cristina Marques (Prêmio Nacional SEBRAE de Empreendedorismo-
2006).
- Projeto “Pão e Poesia” – Vol. 3 (2007) Ed. Cultura em Movimento/ FCB; Projeto da Editora Cultura em
Movimento, da Fundação Cultural de Blumenau que há 10 anos divulga a literatura
impressa em saquinhos de pão, distribuídos nas padarias de Blumenau/ SC ,Vale
do Itajaí e oeste catarinense.
- “Blumenauaçu na ponta dos dedos- Vol. 2”, em Braile (2007)(Ed.
Cultura em
Movimento/FCB, Blumenau/ SC). Obra em comemoração a 5 anos do Centro
Braille de Blumenau. Poesias selecionadas impressas em Braille.
- Histórias de Natal – Contos & Crônicas ( (Ed. Nova Letra, 2006, Blumenau/SC - Sociedade Escritores de
Blumenau SEB; Organizadora, em parceria de Neida Wobeto e Rosane Magaly
Martins, e co-autora nesta obra
que destaca o trabalho dos literatos da Sociedade Escritores de Blumenau- SEB
sobre o tema do Natal.
- Gente Que É! – contos e crônicas (Ed. Nova Letra – Blumenau/ SC- 2007) Organizadora, partícipe do Conselho Editorial e co-autora nesta que é a 1ª obra bilingüe (português- alemão) da Sociedade
Escritores de Blumenau- SEB, destaca o trabalho dos literatos da entidade que
em prosa trazem personalidades relevantes da cidade. Lançado no Encontro Brasil-Alemanha, nov./2007
em Blumenau/SC
- II Concurso Literário SEB – contos, crônicas e poemas – (News
Print Graf. Editora, Xanxerê/ SC, 2007). Organizadora, apresenta
o trabalho de escritores
de várias cidades do Brasil, participantes do Concurso.
I Concurso de Literatura ART-MANHAS – 2007. “Prêmio Luis
Antônio Pimentel” – 3º lugar (medalha de bronze) para o conto “Azeitonas Pretas”, site:
http://www.artimanhas.com/literatura.html
E-BOOK: I
Concurso Nacional De Literatura Arti-Manhas – 2007 (são 25 contos selecionados dentre 214 inscritos em todas as regiões
do país) I http://www.artimanhas.com/obras_escolhidas.html
Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus, edição 2007. Participante
da
Antologia com o poema “Meu
cais, minha morada”. - Edição 2008: Participante da Antologia com o poema “Três Tempos e Uma Manhã””.
ReCitando Blumenau (AW Vídeo Produtora, Blumenau/ SC). Projeto de vídeo arte provado
pelo Fundo Municipal de Apoio à Cultura de Blumenau/SC em 2007. Participa com o
poema “O Vento”.
O conto “Menina de Trem” que faz parte da obra Terceiro
Apito, recebeu Menção Honrosa no XIII Concurso de Prosa (2008) - Prêmio Jornalista José
Carlos Chiarion – organizado pela Associação de Escritores de Bragança Paulista/ SP. O concurso prevê a publicação em uma Antologia.
Concurso de Contos, Crônicas e Poemas – Antonio Roberto – Academia Campista de Letras/ RJ. Edição
2009. 7º Lugar para o Poema “Tempestade”
SITE
VARAL DO BRASIL:
http://www.varaldobrasil.ch/156521/170748.html
TRABALHO LITERÁRIO E DE
DIVULGAÇÃO DIVERSA:
Rádio Bandeirantes – São Paulo. Especial
Crônica do Ouvinte (MAIO/2007) –
“Ele era verde mesmo!!
www.radiobandeirantes.com.br
- Colabora com textos poéticos no Jornal Santa Catarina – coluna
Almanaque
http://www.clicrbs.com.br/jornais/
-Colabora com textos no site OVERMUNDO:
http://www.overmundo.com.br/perfis/fatima-venutti
- Colabora com artigos sobre literatura no Jornal de Santa Catarina
- Painel Literário da Sociedade
Escritores de Blumenau espalhados em vários
pontos da cidade e Painel
da Poesia da Biblioteca Pública Dr. Fritz Muller- em Blumenau/ SC.
- Participação constante no Projeto
Pão&Poesia, Ed. Cultura em Movimento
(Fundação Cultural de Blumenau) com a publicação de seus poemas em
saquinhos de pão das padarias conveniadas do projeto, inicialmente em Blumenau
e atualmente em várias cidades de SC e RS (média de 45.000 saquinhos/ mês)
- Projeto Poesia em Movimento (2007) – Edit. Cultura em Movimento em parceria com a Sociedade Escritores
de Blumenau e SETERB – Poemas impressos e divulgados nos seis terminais urbanos
de Blumenau/SC.
- Projeto Poesia no Túnel (2010) – Shopping Neumarkt – Blumenau/ SC mostra de poesias no túnel, para pedestres, que atravessa a Rua 7 de
Setembro e liga o centro ao shopping. Participam da mostra escritores da
Academia de Letras Blumenauense e da Sociedade de Escritores de Blumenau. Poema selecionado “O Tempo”,
de Fátima Venutti.
- Cronista Interina Jornal de Santa Catarina – substitui o
Cronista Mailcon Tenfen, às terças-feiras do mês de maio/2011.
- Participações e lançamentos em Feiras de Livros : Pomerode/ SC-
2006,
Blumenau/SC- 2007, São José/SC- 2007, Porto Alegre/RS- 2007,
Alfândega
(Florianópolis) 2008 – estande da Câmara Catarinense do Livro- CCL
- Jurada no Concurso de discursos sob o tema “Brasil, Pátria Amada” promovido pela OAB (Ordem DEMOLAY) (Fazendo
História) para todos os colégios municipais e estaduais de Blumenau, 2009.
- Jurada no II Concurso de Redação Fazendo História promovido
pela OAB (Ordem Demolay, Capitulo Vale do Itajaí) para todos os colégios
municipais e estaduais de Blumenau, 2011.
- Jurada no Concurso de poemas sob o tema “A Morada da Poesia”
promovido pela Fundação Cultural de Timbó/ SC, para a 5ª. Feira de Rua do Livro
de Timbó, 2009.
- Jurada no Concurso de poemas
promovido pela Fundação Cultural de Timbó/ SC, para a 6ª. Feira de Rua
do Livro de Timbó, 2010.
CURSOS DE ATUALIZAÇÃO:
- Oficina
de Formação de Escritores – SESC Blumenau:
- Caderno de Autorias
ministrada por Carlos Schroeder – 21 e
22/02/2009
- Oficina
de Poesia, ministrada por Rubens da Cunha - 20
e 27 de junho e 04 de julho
- Caderno de Autorias, ministrada
por Tabajara Ruas e Roziliane
Oesterreich Freitas – 05, 06, 12, 13, 26 e 27/03/2009
-
Festival Nacional de Contos de Jaraguá do Sul – Oficina de Contos com o
escritor Nelson de Oliveira- dias 20 e 21/08/2011
Obra individual:
“ÚLTIMO BEIJO/ ÚLTIMO BESO”, Ed. THS Arantes, S. José Rio Preto/ SP, 96 págs,
2007. Obra bilíngüe (português/ espanhol), com poemas que elucidam a paixão.
“Terceiro Apito“, Ed. Nova Letra, Blumenau/SC, 96 págs, 2007– Contos e Crônicas,
“ESTAÇÃO CATARINA: o trem passou por aqui”,
Ed. Nova Letra, 128 págs, 2009. Organizadora e coautora.
“TEMPESTADE”,
Ed. Nova Letra, Blumenau/SC, 96 págs, 2010– Poemas
Site: http: / fatimavenutti/blogspot.com/
Contatos com a autora:
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Textos de Fátima Venutti
SEM
DESPEDIDA
As
borras do café mal passado bailavam no interior da xícara sem demora, sem
pensar. Ela olhou as horas, fechou os olhos e o choro não veio. O som do
trombone desafinado em poropopós invadiu sua mente em lembranças.
Parábolas de sua pobre infância.
A
garrafa de cachaça envelhecida com raízes e sementes desconhecidas, pousada no
chão, ao lado da geladeira; o vestido de missa, único, com o babado sujo de
lama do último passeio ao parque; a barraca na quermesse anual com suas prendas
e guloseimas sem igual; as discussões entre os pais sobre orçamento doméstico e
as mágoas jogadas na cara, tudo arrebatou ainda mais sua dor de perda. Não. Não
tinha perdido um indício de identidade, de sobrenome, de vida beirando à
miséria e ao pecado de desejar um futuro que não poderia lhe pertencer.
Respirou muito fundo, mesmo assim o choro não veio.
Buscou mais um café na simbiose do corpo com o tempo sem sentido. Pensou
em renegar a aritmética dos anos em comunhão com uma alma que respingava os
odores, brigas vespertinas e invernos calados com uma única sopa. Dias
seguintes incógnitas. Conformou-se em seu presente.
Distância. Eram mais de mil quilômetros que a separavam do despedir e de
vê-lo pela última vez (última vez?) inerte, prostrado sob as flores imaginárias
que costumava trazer-lhe aos 7 anos. A última vez que o vira foi em um natal
(não se lembrava há quantos anos). Ceia, frutas, parentes e um parênteses na
fartura invertida da metáfora familiar. Dos três dias, reservou 15 minutos para
uma visita. Com as mãos trêmulas, presenteou-o com um livro. Ele nem sabia que
ela escrevia.
Olhou as horas, o borrão de café na xícara e respirou bem fundo. Tanto
quanto desejaria estar e ter que viver aquele momento. Não se arrependeu do
vazio, da ausência ao velório, do adeus que acreditava não existir. O relógio
marcava 16 horas. O caixão estava sendo fechado.
O FAMOSO CAUSO DA
BORDADEIRA
As tardes sempre eram vazias quando
Madalena não bordava. Já fazia parte do cenário da pacata Vila de Coronel
Feliciano do Araçá a presença religiosa de Madalena, bordadeira das mais
requisitadas, emoldurada pelos roliços pilares de Jequitibá da varanda de sua
casa, vespertinamente de segunda a segunda, chovesse ou fizesse sol.
Aprendera a domar as linhas, esticar
o tecido nos bastidores e a compor belíssimos e perfeitos desenhos desde menina
moça. No início, era a mais pura obrigação, imposta pela mãe, para montar seu
enxoval de núpcias. Com o passar dos anos, precisaram construir um “puxadinho”
nos fundos do quintal pra guardar tantas e tantas peças bordadas, pois Madalena
e o enxoval não conseguiam mais ocupar o mesmo espaço no quarto. Bordar acabou
se tornando um vício em sua vida. Vez por outra um vizinho, saindo pra roçar
logo cedo, a avistava já na varanda de agulhas e tecidos em punho, em plena 5
da manhã.
Enquanto Madalena bordava, o tempo
passava à sua volta com uma rapidez cruel. Uma noite, durante o jantar,
enquanto molhava o pão numa água com três batatas cozidas, seu pai levantou os
olhos pra ela e declarou:
- Hoje vais conhecer teu noivo. Teje
aprumada e não me faça passar vergonha.
Espantada, virou seu lindo par de
olhos azuis pra mãe, pedindo socorro. De nada valeu. Noite dos infernos seria
aquela. Já moça passada (como cochichavam na vila), Madalena teve um desarranjo
nervoso que não conseguia se levantar da patente do banheiro. As batidas na
porta e o ranger dos dentes de seu pai podiam ser ouvidos quase que no
quarteirão inteiro. O desarranjo custou-lhe um marido, além da oportunidade de
finalmente inaugurar as peças do enxoval, ao invés de somente aumentar as
dúzias dos bordados. E como em qualquer vila pequena, o causo do desarranjo
ganhou fronteiras além do território de sua casa. Pior. O pai ficou tão
desgostoso da situação que não conseguia mais pretendente pra Madalena. Ter uma
filha encalhada numa família era pior que praguejar por mais de sete gerações.
A vergonha só aumentava seu desejo de morrer. Até que um dia, o sino da igreja
badalou fora de hora. Era a notícia que o pai de Madalena tinha ido desta pra
melhor por puro desgosto.
Mesmo durante o velório, Madalena não
largava o bastidor, as linhas e agulhas. Rezou o Terço inteirinho (sabia todos
os Mistérios de cor) terminando um “caminho de mesa” de linho vermelho. Em um
dos beirais, escreveu com perfeição: Só
Jesus salva. Quando fecharam o caixão, deu um jeito de colocar a peça
bordada dentro. Cumpriu o luto somente nos trajes. Continuou seus afazeres e
alimentava seu vício com mais alegria de viver que antes. Era até de se
estranhar. O tempo passou mais rápido ainda depois da morte do pai. Jamais se ouviu
falar na redondeza de algum novo pretendente. Mas ela continuava a bordar um
enxoval que nunca terminava (e nunca iria usar). O espaço no “puxadinho” já não
era mais suficiente. A mãe, já pensava em abrir uma lojinha, um bazar pra
vender as peças e ajudar nas despesas da casa e de gastos com mais linhas, mais
tecidos e agulhas. E assim o fez.
A fama da riqueza, qualidade e
perfeição dos bordados de Madalena correu mundo. Recebia encomendas de várias
cidades da região, alguns estados e até do exterior. Bordava cada dia mais
rápido, mais perfeito e tinha uma variedade de desenhos que impressionava
qualquer um que chegasse à sua lojinha. Aumentou o puxadinho, tornando-o um
galpão. A mãe teve que aprender a dirigir e Madalena presenteou-a com uma Caravan 1980 muito conservada. Assim,
ficava mais prático e rápido de fazer as entregas.
Um dia, acordou com um mal estar e febre
muito alta e depois da visita do médico, ganhou o diagnóstico de Dengue.
Pronto. A cidade não falava em outra coisa senão na ausência de Madalena na
varanda, bordando. Foram quase 15 dias de furdunço de gente frente ao portão da
casa. A mãe acabou acostumando a servir um café com bolo de laranja todas as
tardes pra aquele povaréu. Acreditava que estavam orando pelo restabelecimento
de Madalena. Que nada! Sem Madalena na varanda da casa, bordando, a cidade ficava
sem graça, perdia seu prestígio de Capital do Bordado (e olha que era só
Madalena que bordava ali).
Por fim, ficou encalhada mesmo. Na
vida, um único pretendente e ainda posto à prova pelo desarranjo nervoso da
futura noiva. Quando fez 40 anos, perdeu a mãe (que já passava dos 80) por
conta de uma pneumonia mal curada. Continuou bordando, mas como não dirigia,
não entregava mais as encomendas. O galpão ia se enchendo a cada semana, a cada
mês, a cada ano com mais e mais peças bordadas. Mas Madalena começou a se
recusar a vender sequer uma toalhinha de mão.
Um dia, a cidade acordou mais cedo.
Um clarão enorme cobria o céu naquele início de manhã. Fogo! Fogo! Gritavam os
vizinhos assustados. O galpão da bordadeira queimava e labaredas vermelhas
gritavam com o estouro de algumas pedras dos bordados. Precisaram chamar
caminhão pipa de duas cidades vizinhas pra conter o fogo e não deixar que
tomasse uma proporção maior e um estrago mais incalculável ainda. Foi então que
se lembraram da bordadeira: Onde está Madalena? Procuraram-na pela casa inteira
meio a fumaça e fuligem que trafegava com o vento. Encontraram-na sentada em
sua cadeira na varanda, olhos esbugalhados e o corpo balançando pra frente e
pra trás sem cessar. As mãos tinham o movimento do bordar, só que sem bastidor,
sem linhas e agulhas.
Nunca mais Madalena segurou com
firmeza uma de suas agulhas. Nunca mais bordou seu vício num caminho de linho.
Encalhada e solitária, terminou seus dias arqueada na cadeira da varanda de sua
casa, emoldurada pelos roliços pilares de Jequitibá. A cidade nunca mais teve o título de Capital
do Bordado.
A IDENTIDADE DA FÉ
Ele era um homem sem fé. Na verdade, nem sabia o que era isso. A vida o
tinha moldado com migalhas e constantemente mergulhava no álcool para fugir
deste mundo.
Na infância, a primeira e única notícia de seu pai veio com os palavrões
da mãe, praguejando-o por infinitas gerações. Nunca teve Certidão de
Nascimento, pois sua mãe dizia que dava muito trabalho e “pra quê? Não sei o nome do seu pai mesmo...”
Até completar oito anos dormia durante o dia com a mãe numa cama de
casal que rangia toda vez que virava para o outro lado. Ela trabalhava a noite,
madrugada dentro e chegava pela manhã, trazendo a primeira fornada de pães da
padaria da esquina. As noites, enquanto D. Jurema, uma senhora cega de um olho
e que era paga pra cuidar do menino, esparramava sua gordura pelo velho e
remendado sofá da sala, ele se perdia nas horas debruçando seu queixo no
peitoril da janela, controlando o céu, as estrelas e o movimento barulhento dos
carros e pessoas na vida noturna. Era o terceiro andar de um velho prédio de
paredes sem reboco na Rua Mauá. Mal sabia que já aprendia a ser só.
Aos nove, mesmo não sabendo ler e escrever, já conhecia as notas de
dinheiro e todas as moedas, seu valor e se orgulhava de brincar de “dar troco”
com D. Jurema, essa a única forma que ela sabia de ensiná-lo a viver por aí.
Foi então que numa manhã chuvosa de janeiro sua mãe chegou do trabalho com uma
caixa de drops Garoto e outra de
chocolate Chokito. O menino arregalou
os olhos, começou a esboçar um largo sorriso de surpresa e felicidade quando,
imediatamente, sua mãe mandou-o tirar a alegria da face, pois a partir do dia
seguinte ia vender as guloseimas na sinaleira. Enfim, não eram pra ele degustar
e se lambuzar.
Começou no dia seguinte, num cruzamento próximo do prédio onde morava.
Levou muito xingamento, desaforo e
foi aprendendo a se defender dos garotos mais velhos e maiores que vez por outra
vinham roubar seu objeto de trabalho. Já não cruzava a madrugada avistando
estrelas de sua janela. Trocou o sono do dia pelo da noite e D. Jurema sentia
falta de “ensiná o minino a contá”.
Um dia, sua mãe não voltou do trabalho pela manhã, como de costume. Ele
saiu com as últimas unidades de chocolate pra vender, voltou pra casa mais
cedo, cochilou no velho sofá e foi acordado por D. Jurema com a notícia de que
sua mãe tinha sido levada pelo Menino Jesus. Nem sabia quem era esse tal e de
onde ele tinha aparecido pra levar a mãe embora dele. Esbravejava perguntando o
endereço do tal Menino pra D. Jurema, que calmamente, mas com os olhos
marejados de lágrimas, tentava explicar-lhe um mundo, um universo que ele
desconhecia.
- Mas tia Ju, se esse tal de Deus não aparece, ele não existe. Como é
que a senhora quer que eu acredite numa coisa assim?
Uma semana após o enterro, a velha Jurema juntou os poucos trapos que o
menino vestia, embolou tudo numa trouxa de lençol sujo e levou, junto com
menino, pro seu quarto e cozinha na zona leste da cidade.
Não vendia mais guloseima na sinaleira. Ano seguinte, começou a
freqüentar a escola. Era o último da fila, pois os demais colegas só tinham
sete anos. Mas aprendia com rapidez as letras, e se orgulhava de já conhecer os
números e de fazer conta de somar e dividir. Gabava-se em dizer que era por
causa da experiência com as balas.
Aos quatorze, tia Ju colocou-o pra trabalhar de embalador num mercadinho
do bairro. Teve que aprender a andar de bicicleta, pois algumas madames queriam
a entrega em casa. No começo, ganhou arranhões e batizou-se com uma cicatriz de
6 pontos no joelho esquerdo, tombo feio num bueiro aberto.
Tia Jurema passou a ser a “véia Ju”. Ensinou o menino a rezar antes
de dormir e das refeições, mas não o levava à igreja. Dizia “os padres são todos tarados por crianças”.
Um dia o menino acordou, olhou pro despertador e
viu que estava atrasado pra escola. Olhou pro outro lado da cama e viu a “veia Ju” ainda dormindo. Chamou, chamou
e chamou. Não se mexia, não respirava mais. Percebeu então que aquele tal
Menino Jesus tinha de novo levado alguém que ele gostava. E sentiu um ódio
imenso. Chorou pela primeira vez uma perda e engoliu em seco o golpe certeiro
da vida de que estava definitivamente sozinho.
Não concluiu a quarta série. Certa manhã foi chamado no escritório do
dono do mercadinho. Nunca tinha entrado lá. Disseram que ele não podia mais
trabalhar ali, pois não tinha documentos e nem “responsável”. Caso ele conseguisse os tais RG e Carteira de
Trabalho, poderia voltar sem problema.
Ficou mais de um mês sem sair de
casa. Abria as janelas do quarto só pra sair aquele cheiro de mofo. Não tinha
vontade de acordar, de tomar banho, de ver pessoas do lado de fora de seu mundo
sem identidade. A comida acabou e numa tarde a Senhoria veio cobrar o aluguel.
Sem documento, sem trabalho e sem dinheiro, teve que juntar poucas peças de
roupa, um par de tênis e um retrato de tia Ju, quando era moça, dentro de uma
mochila velha e sair do quarto e cozinha, sem olhar pra trás e sem destino. Na
rua, passou fome, frio e foi agredido. Virou andarilho sem rumo por meses, anos
até. Vez por outra fazia um serviço, um “bico” pra comprar uma cachaça e
esquentar a noite em seu colchão de cimento. Fazia um esforço na mente pra
lembrar seu próprio nome e idade. Sabia
que mês era pelas vitrines das lojas quando anunciavam Dia das Mães, Namorados,
Dias dos Pais, Das Crianças e Natal.
Devia ser dezembro, pois havia muita iluminação nas ruas à noite, o que
atrapalhava até pra dormir, e os postes estavam decorados com aquele velho
gordo de barbas e vestindo um terno vermelho em pleno verão (isso ele nunca
entendeu). Numa dessas noites, perambulando pela calçada da estação de trem
Julio Prestes ouviu uma cantoria diferente vindo de dentro da estação. Ele nunca
tinha ouvido algo parecido, pois o que conhecia vinha do que escutava na rua e
quando ficava próximo de alguma loja de CDs. Umas diziam que era sertanejo e
outras pagode. E tinha aquelas estrangeiras também que ele nunca entendia nada
do que cantavam.
Caminhou até a entrada principal da estação, de onde poderia ouvir
aquela música e viu, bem ao fundo, algumas pessoas em pé, grudadas umas nas
outras vestindo uma capa branca e segurando uma pasta. Era a primeira vez que
ele via e ouvia um coral. Ficou ali, recostado num dos pilares centenários da
entrada. O local estava cheio de gente sentada, ouvindo atentamente aquelas
vozes cuja melodia entrava em seu ouvido com uma calma, uma paz, sentia como se
fosse remédio, um bálsamo mesmo pra suas dores no corpo. Quando a música
acabava, um homem que estava à frente e de costas para a platéia se virava e
todos aplaudiam. Observando isso, ele os acompanhou. Num desses intervalos foi que o avistei.
Havia naquele olhar de vislumbramento algo de muito triste e solitário. Eu via
uma criança num corpo de homem descobrindo a beleza da música sacra numa noite
de dezembro, comemorando o Natal. Havia um lugar vago na minha frente. Tive que
chamá-lo por três vezes para se sentar ali, antes de começar a próxima música.
Duvidoso, aceitou o convite e timidamente pousou seus trapos sujos sobre a
cadeira colonial estofada de vermelho. Do meu acento, eu observava e imaginava
o que se passava em sua mente ao ouvir aquelas vozes tão angelicais ressonando
melodias que tinham mais de cinco séculos de existência. Cabelos escuros,
despenteados e empoeirados sem corte definido, vestia uma camisa pólo azul
escuro com um rasgo do lado esquerdo da barra; bermuda de sarja marrom e tênis
sem cor definida, mas devia ser branco ao sair de fábrica. Ele não se movia,
por um momento inclinei minha cabeça para observar sua expressão facial. Estava
completamente embriagado pela música e esboçava um sorriso inconsciente de
prazer e satisfação. A audição durou
mais trinta minutos e a cada intervalo, aquele homem aplaudia efusivamente, vez
por outra virava a cabeça pra trás e me encontrava sorrindo com ele.
Quando finalmente terminou e ele viu que todas as pessoas se levantaram
pra aplaudir, imitou-as, olhando novamente para mim como se a pedir minha
permissão. Na seqüência, as pessoas foram saindo calmamente e eu não pude
deixar de desejar conhecer mais sobre aquele homem tão pobre fisicamente, mas
com uma riqueza de pureza humana impressionantes. Puxei assunto, perguntando se
gostara do que vira.
- Moça, nunca ouvi uma música tão linda e que me deixasse tão feliz.
- É. Realmente a música sacra nos aproxima muito mais de Deus –
respondi.
Foi então que ele arregalou os olhos com uma aparência tão raivosa que
imediatamente senti-me em perigo. Mas a feição no rosto foi acalmando, abaixou
o queixo e me pediu com uma voz de criança para falasse pra ele sobre esse tal
Deus. Sentamo-nos num dos bancos da praça em frente à estação, emoldurados pela
claridade da iluminação daquele monumento. Iniciei meu contato perguntado sobre
a vida dele, da qual em meia dúzia de frases resumiu sem prazer algum. Mas
ouviu-me falar sobre o que desconhecia com o mesmo vislumbramento com que
ouvira há pouco o coral natalino. Estava realmente interessado em saber sobre o
lado espiritual que movia as pessoas em dezembro, os porquês, como e quando. As
horas se passaram e eu me sentia numa profunda paz por ter conhecido aquele ser
humano tão sofrido e chagueado pela vida e, mesmo que singelamente, ter levado
algo de bom ao seu coração. Ao despedir-me, perguntei se iria ficar bem aquela
noite, já que morava na rua, debaixo de uma marquise próxima à Rua Mauá.
Respondeu balançando a cabeça positivamente e sorriu deixando escapar uma luz
especial em seu olhar. Estava feliz e nem sabia.
A noite de Natal chegou e com minha família brindei o aniversário de
nascimento do Menino Jesus. Pensei naquele homem, o andarilho, e em certos
instantes sentia-me aflita pela incerteza de onde e como estaria, se ainda o
veria uma vez mais.
Dia seguinte uma notícia inusitada ilustrava os jornais da cidade. Um
homem havia sido encontrado morto deitado na manjedoura de uma praça pública,
agarrado ao Menino Jesus estilizado. O
detalhe ficava por conta de um bilhete que ele carregava nas mãos com os
dizeres: “O minino Jesus num leva mas ninguém que eu
gostar. Leva eu ouvindo aquelas músicas”.
DIA SEGUINTE
A madrugada chegara ao fim e ela não
tinha conseguido dormir. Seu estômago estava embrulhado. Impulsivamente abriu
as cortinas da janela da sala e de seu mundo e seu rosto rastreou a luz do sol.
Foi quando tomou a decisão: hoje vou matar uma parte do passado.
A solidão veio com o uma foice
abrindo valas em sua mente, com uma fome voraz de procurar todos os momentos e
sentidos que a levavam até ele. A morte seria premeditada. Sem advogados de
defesa, sem pautas discutidas olhou pro computador, ligou-o e começou a
procurar aqueles arquivos que somente ela decifrava suas nomeações. Códigos
secretos de uma vida em segredo. Um amargo breve desceu pela garganta.
Selecionou o primeiro arquivo, pensou, relutou. Por fim, apertou DEL. Entrou num transe de fúria
incontida e foi apagando um a um sarcasticamente. Havia um riso estranho
permeando o canto dos lábios. Quando terminou puxou diretamente o fio da
tomada, recostou-se na cadeira e concluiu: não tem mais volta.
A lingerie vermelha veio à sua mente,
comprada especialmente para aquela noite. Ainda pingava água de sabão no varal
da lavação quando a arrancou num único golpe e foi para o quarto juntando às
demais que se escondiam no fundo da gaveta. No trajeto, o chão tatuou-se de
gotas de tinta vermelha. Buscou a tesoura na lata de costura, sentou no chão em
posição de meditação e foi, uma a uma, picotando as calcinhas, soutiens e tudo
que remetesse àquele passado. Queria poder rasgar sua vida em dois tempos e
permitir a existência somente de um. Mais amargo desceu pela garganta. Engoliu
em seco todas as suas dores. Sua mente fervia em ódio, enganos, desprezo e
mentiras.
Foi quando avistou, dentro do
guarda-roupa, sua caixa de segredos, ao fundo, sob a sombra das roupas penduradas
nos cabides. Esticou-se para frente para alcançá-la e levou-a até a cama. Os
lençóis, ainda revirados daquele pesadelo. Ajoelhou ali mesmo os seus pecados e
como que em câmera lenta foi abrindo, sorvendo suas lembranças, seus
segredinhos, presentes, cheiros, fotos, bilhetes, tudo que queria transformar
em nada. Um a um foi retirando os objetos da caixa e pousando sobre a cama. Sabia que era a última vez que veria
essa cena. Travou os dentes. Não permitiu que seus olhos marejassem. Veio mais
uma respiração pesada, sôfrega, profunda. Olhou tudo como a um sacrifício e
rapidamente devolveu, um a um, para o interior da caixa. Aproveitou o espaço
interno, recolheu as lingeries picadas e soltou-as, encobrindo becos,
trincheiras, caminhos e tudo o que conseguia remeter àquela imagem. Fechou.
Agarrou a caixa junto ao peito e
quase, por um segundo, pensou em se arrepender do que ia fazer. E veio outro
amargo, desta vez, rasgando com mais vontade a garganta. Sentiu o odor fétido
de sua vergonha corroer as paredes da laringe e desaparecer no vácuo de seu
estômago vazio. Ânsia. Sentia-se o próprio nada. Não pensou. Percorreu a casa
até a porta da lavação. Passou pela cozinha, esbarrou no fogão, roubou a caixa
de fósforos. Abriu a porta do armário onde sabia o que pegar. Perdeu-se ali no
tempo do desespero e acordou às voltas com o laranja das chamas. Coisas
começaram a crepitar, as faíscas aumentavam e ela foi refazendo uma pauta
inexistente de sua vida em sua mente. Sua cabeça cozinhava lembranças e lançava
jatos de vergonha alimentando mais as chamas.
Correu de volta ao quarto e num saco
de lixo jogou perfumes, jóias, livros, algumas peças de roupa, mais fotografias
e poemas inacabados. Por onde seus olhos percorriam e ela encontrasse algo que
a fizesse lembrar, jogava dentro do saco. Quase exausta, num choro seco, voltou
à fogueira no quintal e despejou os objetos recolhidos. O saco de lixo debruçou
devagar sobre a chama, por último, e viu-o enrugar-se antes de derreter. Era
exatamente como a imagem daquele saco que ela se sentia. O tempo das chamas foi
diminuindo e ela permaneceu de plantão, estática observando, confirmando que
não haveria mais volta e nada mais restaria. Cansada, foi se despindo, jogando
cada peça de roupa no chão pelo caminho até o banheiro. Nua, ligou o chuveiro
no frio e mergulhou primeiro a cabeça, depois ombros, membros, enfim. Desligou
sua mente no gélido da água e desejou
lavar sua alma de algum resquício de passado. Agachou-se no box e ali
permaneceu, sem pressa. Quando terminou, passados quase 25 minutos, ela se
secou, vestiu o roupão e foi conferir as horas: 10h40min. Sábado de janeiro
amargo. Registrou isso num Post it e
colou na porta da geladeira.
Nunca mais amou. Negou sua história.
Entregou sua alma aos livros, tornou-se escritora.
Poesias de Fátima Venutti
A PASSAGEM
Bastou um segundo.
Rasguei minha morte
na horizontal.
Não vi os estragos
que minha ausência causou.
Metonímia.
Mas descobri
que a eternidade
era só um ponto final.
Nem vi passar...
SPECTRUM
A morte
é um belo dia
pra se viver
Fantasmas não choram
nem brindam à morte.
E se for súbita, melhor,
pois não haverá tempo
pra escorrer o incógnito.
Melhor é deixar pra trás
o que não se pode levar
pro outro lado
dessa solidão.
A morte
não tem o azul
em seu prisma.
Brindam e desfilam
outros sons, cores e nódoas.
O eterno
é um engano que
construímos do lado de cá.
LANGUIDEZ
Tenho fome da tua pele
dos teus pelos
tenho fome
Tenho sede do teu suor
gotejando lascivo o céu
de minhas bocas
tenho sede
Tenho fome do teu corpo
escopo do meu desejo
ascendente, insano
tenho fome
Tenho sede do teu sal,
raiz de teus beijos,
conjunção pronominal
de meu sexo, eterna sede.
Tenho fome do teu cheiro,
no ciclo do nosso cio,
enviesados corpos em nós.
Tenho sede da tua fome
por mim.
DIA DE PARTIR
Dia
de finados.
A
cama vazia, silêncio virado em saudade.
Pela
janela, o vento empurrava o voil
enquanto
a vida passava em Super 8 pela TV.
Um
pigarro a mais, puxou a bacia
sob a
cama e cuspiu: mais um sonho, menos um dia.
Margaridas
no campo santo.
O
vazio do corpo, saudade alimentando a lápide.
Um
Pai Nosso, três Ave Marias e um Glória a Deus.
Mais
um ano na imensidão do vazio:
da
cama, da carne açoitada, da vida desnecessária.
A chuva calou as velas acesas. Mais um
pigarro...
A
casa vazia, o ruído da placa: vende-se
O
silêncio em nortes, histórias escritas nas paredes,
Chinelos
esquecidos na varanda, a rede, o sofá,
O nó,
a escada, a corda, o vento: saudade.
Sob a
cama, a bacia transborda excrementos.
A
morte é um girassol a se levantar todas as manhãs.
CANÇÃO DE NINAR
Encosta tua alma na minha...
E respira,
o aroma que este amor transpira.
Recolhe o teu espírito ao meu
e adormece,
litúrgico, todos os nossos medos.
Respira neste amor o meu aroma...
E transpira,
tua alma recolhida em mim.
Enamore meu amor, o meu espírito
E contempla,
todos os sorrisos que nesse sonho
sou capaz de te ofertar.
PRAZER EM QUATRO ATOS
Cena I:
Revoada de pássaros
O sangue riscando o céu
Entardecer claustro.
Do outro lado do sol
Pingavam cores
Desbotando luzes
A menina debruçada
Sob o lenço do céu
Adormeceu em azul
Aguardando a última
Cena do espetáculo
Vespertino
E vieram todos
Os cometas
Enquanto ela voava
Com seu Peter Pan
Cena II:
Ela implorou tanto
Que rasguei o invólucro
Do seu gozo
Por fim
Suplicou às lágrimas:
Habita-me por inteira
Eis que agora sou o nada.
Cena III:
Fez-se a noite
Enquanto contava os homens
Que tinha exumado.
Fez-se o dia
E descansou
No caixão do amante
Ato final:
Transou com seu sangue menstrual
Amargo de sua solidão
O lençol bordou-se do orgasmo
Da última virgindade.
Ainda restavam
Quatro dias de prazer.
“Às vezes escrevo fazendo ruídos.
Outras, os ruídos me empurram pra escrever.
Escrever e falar tanto, pra pessoas e lugares que eu nem sei se costumam
ler.
Por vezes, a internet faz o papel do vazio que se acumula dentro de mim
e nunca consegue sair por inteiro.
A cada dia acredito mais que escrever é a mentira que inventaram quando
nasci.”
Fátima Venutti
Todos os direitos autorais reservados a autora.
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