VERBO AMAR
Proscrevo
o verbo amar
Traçando
respostas
sem
endereço
Batizo
todo os avessos
dando
nome ao que não tem
clamando
pelo que não
vem
Proclamo
o verbo amar
desavisando
o desdém
Desvairada
entre desapreços
não
sou ninguém
além
de um afeto vago
além
do meu claro amor de
ninguém.
Uma
cicatriz na vala
faz
florirem palavras
Uma
fenda na fala faz
brotarem
metáforas
A
fala voa feito as
lendas
nas bocas e baila
feito
avisos na voz
A
fala mancha o silêncio
das
palavras.
MEUS DARDOS
Jogo
meu olhar sobre
o
horizonte como quem
lança
pratos
refazendo
minhas contas
na
ponta do lápis
Mesmo
em paz
deslizo
meus dardos
sobre
o ao longe
onde
nem a saudade banca
praça
e
vejo, cada vez mais claro
o dia
como
quem conta barcos.
A TRAVESSIA DO
GRITO
A
travessia de um grito
inaugura
lembranças
e
dança como capim
fino
dentro do
calor
da tarde
fincando
filetes de voz
e
medo ao redor das
entranhas
da tarde
Um
grito na tarde
faz
parar a viagem
da
voz sobre o tempo.
A ABUNDÂNCIA DOS
COLOSSOS
Sorriso
mudo como
um
prato vazio
mendigo
a abundância
dos
colossos
Vejo
a placidez como
quem
batiza a fria viração
interesseira
das razões
Saúdo
o tempo
Beijo
esse velho amigo como
quem
revira vísceras
e
penso.
ALENTO
O
papel branco me seduz
inventando
murmúrios de
pensamento
falando
absurdos que só
sua
placidez branca de
papel
engendra
Sou
passageira do papel
branco
timbrando
falas
inventando
alento.
SEIOS DE TERRA
A
tinta azul da caneta
não
escreve os caminhos
do
mar
Tão
longe o mar
Lá no
distante dos olhos
Minas
é um caminho sem
mar
escrito nas montanhas
Minas
é um mar de
seios
de terra.
O AR
Gravo
no ar a giz a
palavra
exata
cravando
nas arestas
da
paisagem minha
assinatura
incerta
Só os
loucos têm a baliza
fatídica
da espera
Muito
poucos sabem ao
sabor
do alento
beijando
as faces
das
feras.
As
palavras respiram
arfando
sentidos
Os
sentidos sangram
nomeando
a inessencial
mutabilidade
do verbo
a
necessária lapidação
do
verso
Um
verso é como um cristal
plagiando
os alaridos da fala
O
verso é um plágio que
cala.
A NOITE
A
noite entrando nas grades
da
minha janela
entra
jorrando com um
silêncio
sagrado
sacolão
de estrelas mudas
boiando
no céu
Reverencio
a noite como
quem
borda um enxoval de noiva
tecendo
pedaços de vida
futura
beijando a menina
que se
fará mulher.
GEMIDO
Gemendo
um sorriso avaro
danço
em teclas de falas
declarando
sulcos de vento
em
pedaços de palavras
Meu
sorriso antes claro
se
resume nesses pedaços
que
contam os caminhos das
ladeiras
e os
becos das valas
Gemo
e falo
com
avareza ou em luz clara
a
litania das rezas nas casas
o
assobio das ruas
e a
manhã clara
Mesmo
gemendo
batizo
a manhã
com
as arestas da palavra.
DEGLUTIÇÃO
Engoli
a noite em
um
susto e fiquei
grávida
de lua
Pari
três ruas
lunares,
metálicas
Em
uma ancoro meu grito
em
outra meu sono
na
terceira rua meu canto.
O PENSAMENTO DO FIM
Encontrei
uma felicidade anciã
nas
despedidas
O
teorema de quem vai nos
exponsais
da morte se consome
inteiro
nas falas e nas rezas
É bom
ir como é bom ficar
É bom
morrer como é bom viver
A
anatomia da graça reside
nessa
ciência
Morrer
a cada instante retocando
a
vida
Viver
a cada instante retocando
a
morte.
O JUÍZO
Como
um tigre de seda
meu
brio deságua
numa
mansidão feroz
Com
minhas garras de
seda
arranho a cegueira
da
justiça
Clamo
dos dias a ausência
de
gozo que vivi
e
batizo as cinzas do
meu
fogo antigo
Sou o
reverso do Juízo
ardendo
agora em
pira
fria.
O MEU MANSO AMOR
Eu
quero o meu amor
fiel
como um encanto
Leve
como um aceno
Ameno
e permanente
Eu
quero o meu amor brando
como
um murmúrio
mudo
como o mistério
manso
e de
tudo me faça amante
o
lento trilho do tempo
e de
amor mesmo seja
a
minha vida e morte.
A RAPIDEZ DOS
SUSTOS
Com a
rapidez dos sustos
desvendo
um retrato frio
debaixo
das rendas
Revelação
rude da
presença
de uma ausência
Meu
pai morto sorri mais
vivo
que nunca
e
afinal me aprova
sua
benção imortal
O
gelo do passado esconde um
sorriso
denso
marcando
em cicatriz de imagem
recente
presença.
A BENÇÃO DOS MORTOS
A
benção dos mortos
configura
os meus dias
Meu
pai, minha tia,
minhas
fortes avós
visível
presença do
que
foi um tempo bom
Tenho
mãe, tenho irmãos
e a
voragem dos minutos,
dos
segundos me estendendo
a mão
A voz
do tempo predirá
o
molde da minha maldição
ou
bem aventurança.
UM DESEJO DE PANO
Um
desejo de pano trafega
minhas
trincheiras
Forte
como algodão e tenro
feito
renda de bilro
invade
minhas secretas
salas
da imaginação
e
cobre minhas mazelas
Tão
belas as artes do desejo
Lambendo
bêbado as
inseguranças
do meu amado.
PLÁCIDO ALENTO
Plácido
alento
varrendo
voltas de segredos
tecendo
enredos
molhando
medos
Vejo
no cristal dos olhos alheios
miragens
e espelhos
Vozes
nuas
e
cruas carícias
de amantes
beijando a noite.
A BRANCURA DO VERBO
A brancura
de um verbo
manso
me corta as
entranhas
dissecando
minha
estranha vocação
de
grito
Urro
a disciplina dessa
mansidão
Feito
leoa aprisionada
desdigo
essa benção
amaldiçoando
meu chão
urrando
meus ritos.
O PAPEL
O
papel corta as
minhas
frágeis expectativas
de um
verso exato
Prefiro
o lado obscuro das falas
Prefiguro
a sua voz calada
na
incerteza dos meus
nãos
Bendigo
a tua mão na minha
pele
me calando toda
Loba
em rendição.
DOR
Eu me
calei sobre o seu grito
e
hoje colho o seu silêncio
Eu
escondi o seu cadáver
e
hoje me escondo
das
suas entranhas
Eu
não falei sobre o
seu
medo
e
hoje percorro suas estradas
Perdoa,
amado, amigo,
confidente
a
minha ira tardia.
DENTRO DOS MEUS
OLHOS
Vejo
dentro dos meus olhos
plataformas
passam
nelas mulheres e
homens
nus
de
uma nudez generosa
cheia
de tramas
O
drama da nudez desfila
inteiro
crestado
de ventos
batizado
de esperas.
AINDA A DOR
A dor
engendra cismas
de
tremor e sombra
quando
balbucio meu amor
A
espinha da minha mãe
baliza
minha existência
Nós
de dor
insisto
em amar o alarido
dos
pardais
e
sonho.
BATISMO
Batizo
meu passo de
chão
Minhas
horas são certas
Predigo
o rumo das estradas
em
quem semeia e volta
sobre
a semeadura
Tão
alvissareiras as semeaduras
Bem
aventurados os estrategistas
do grão.
A NOITE DA
CANDELÁRIA
Punhais
ferindo várzeas
os
gritos nus das crianças
nas
praças rasgam
o
ventre da tarde
dilaceram
a luz do sol
A
Candelária jaz para
sempre
Rio
de Janeiro, das ruas e das
valas
saúda
o riso dos garotos
Os
que vão nascer
te
batizam.
OS MEUS SENTIDOS
TRAÍDOS
Os
meus sentidos traídos
me
declaram inerme
Enfim
a baliza do dia
solene
incógnita de silêncio
e
Sol
Hoje
o dia singrou solteiro
sem o
casamento dos parentes
que
aparecem para o café
Prá
sempre a ausência da tia
a
suave presença da mãe
e o
sol manso.
UMA PANTERA
Uma
pantera voa fora da
minha
janela rasgando o
céu
Ela
rasga o azul e arranha
as
estrelas
Quem
vê panteras constrói
quimeras
entre estrelas e
azuis
Quem
gosta delas e
ama
as feras não morre
antes
do beijo delas.
O DIA
O dia
passou, passou
p’rá
sempre
Hão
de passar as manhãs,
Hão
de passar as tardes
e as
noites.
Minha
carne lassa lamenta
essa
passagem e lança
um
enigma:
Quem
batiza as tardes
e o tempo?
A PRECE INAUGURAL
A
prece inaugural é aquela
que
bendiz as lembranças
Mendigo
a permanência
do
que não vive colado
à
minha retina
Bendigo
a ausência do
que
sofri na minha mágoa
Veja,
você, o dia
segue
mudo o seu ritmo
sem
perguntar se
morri
ou vivi hoje
Pertenço
ao dia como
quem prediz as
horas
e hoje, por exemplo
sorrio.
OS SACRAMENTOS
De
todos os sacramentos
o que
mais me fascina é
o
batismo
Dar
nome é dar existência
desdizer
a dor de não se saber
a
quem chamar
De
todos os sacramentos é o
mais
fino
Mesmo
assim não identifica o
ser a
que se destina.
DESAMARRO PALAVRAS
Desamarro
palavras
batizando
sentidos
e
proclamo:
amanhã
serei livre
Hoje
falsos amores torturam
minhas
esperanças
ofendendo
meu riso manso
Alcanço
o fim das ruas
destoando
nua dessas
ânsias
vãs
desses
amores bobos.
DAS ALVÍSSARAS AO
DESTERRO
Das
alvíssaras ao desterro
navego
o verbo dos absurdos
e
mereço uma comenda.
Ninguém
me disse dos
apreços
ou me fez a
carícia
sonhada
Ainda
assim não lanço
dardos
e sim beijos
à
minha passagem
e me
deleito
A rua
canta.
A VIAGEM DOS MANSOS
A
viagem dos mansos
inaugura
travessias brancas
tremulando
paz nos
flancos
do tempo.
Vento,
vento, vento, traz
de
volta o claro alento
da
palavra franca
das
sentenças nuas e batiza
a
terra com o riso claro
das
crianças.
VELHOS GEMIDOS
A
poesia aguça meus velhos
gemidos
Busco
o amigo, encontro o
ar
silencioso das esquinas.
O
vinho antigo não fecunda
minhas
vísceras adormecidas
de
silêncio
Minha
irmã, às vezes fala
comigo
as
vezes, não
Meu
irmão mora do lado
calado
como quem dorme e
não sonha.
ALEGRIAS
PROVINCIANAS
Tenho
alegrias provincianas
e
hasteio gritos nos
antigos
porões do entendimento
Tenho
o desvelo das tias
em
festa de quinze anos
Amo a
mansidão das
montanhas
e sou
só.
Apenas
isto.
AS CASAS DA RUA
O
vento destelhou as
casas
da rua
Pássaros
fizeram ninho
nelas
Minhas
saias boiaram de
ar
preso e ninguém
clamou
ou jogou pragas
A
graça permanece virgem
nos
bancos das praças
e as
ruas
intocadas.
NO FUNDO DO BRANCO
No
fundo do branco mora
um
habitante que hesita
em
aparecer na borda
Desenhando
o grito dos
mansos
convido o estranho
habitante
p’rá dançar.
Ele
responde: não posso,
sou
branco, sou branco, sou branco.
E
morre sem gritar.
MINHA CARNE
Minha
carne em túnel
aberta
se oferta em
festa
e flor
Mesmo
assim tão deiscente
descreio
da forte presença
do
seu amor
Descreio
porque sei da sua pressa
e
conheço essa demora
que
te faz perder a viagem.
VELHAS IMAGENS
Velhas
imagens banem minhas
ternuras
Não
sou séria nem
clara
porque amo os
abismos
e as valas
nem
sou terna
Quero
das medulas a fala
que
alimenta o verbo
do
verbo, a palavra.
RUDES ROCHAS
Rudes
rochas perpassadas
de
fósseis
o
exílio das espécies lhes
contempla
Pobre
humanidade, massa de
carne
em movimento
alimento
de rochas
e pó.
O AZUL DAS TARDES
O
azul das tardes
me
paralisa
desliza
em minhas certezas
e me
liberta
Todos
os azuis ofertam cismas
batizam
a nudez das coisas
definem
Os
azuis não têm fim
O fim
não tem azuis.
O DESTINO DA
CARÍCIA
O
destino das coisas táteis
é a
carícia
A mão
e o afago atravessam a
superfície
morna
da
distância
penugem
de vidro que não
se
quebra
tensão
transparente de
calma
e tato
Entre
cordões de abismos
atravesso
o caprichoso
caminho
do amor
e
cismo.
TEMPO ROUCO
Trafego
as quinas de um
tempo
rouco alisando
arestas
e balbuciando
litígios
Assim
me desavim
balbuciando
meus gritos
incógnita
Não
penso e não existo
para
desafiar o cógito
desafinando
insisto.
A TARDE E AS
ENTRANHAS
A
tarde corta minhas entranhas
Estranho
barulhos familiares:
o
choro da criança ao lado
o
ronco da minha mãe, a tosse
Queria
estranhar o verbo
com
algo sempre insólito
e
novo batizando as vísceras
da
palavra
Antes
me calo no antes
do
ser dito
maldizendo
as bem aventuranças que
selecionam
os benditos.
O CAMINHO DAS HORAS
Desafio
o caminho das
horas
Ouço
a litania nordestina
da
empregada que
fala
sem pausa
e
bate no filho
Lamento
brasileirinho
sofredor.
Amaldiçôo
os maus bofes
dela
e
sigo
Essa
eterna ausência de
um
destino.
SORRISO
Sorrio
extraditando o
limbo
do passado
ali
onde a memória é
mudez
e o tempo
canta
o exílio
As
horas apunhalam meus
risos
e vejo: não sou
a
simetria dos acontecimentos
e nem
a exatidão
Minhas
mãos já tremem.
O NÃO
A
aridez limpa do
não
banha a inocência
das
urgências
Tudo
é placidez de negação,
esperança
adiada e
silêncio
Não
sei quando vai passar
a
caravana da incerteza
ou se
já passou
Sei
que os nãos
batizam
essa paz que
me
acalma
Nada
tenho
Nada
espero
Nada
me aflige.
A NATUREZA
Divido
a natureza em
várias
partes
Tem a
parte que canta
e a
que grita
Uma
delas dorme
a
outra se agita
O
silêncio da noite adormece
todas
elas.
OS DIAS DA DOR
Sobrevivi
aos avaros
dias
da dor
e
sobrepairei à doméstica
vocação
para a quietude
A
calma bovina de certas
mães
me atribula
Nada
disso o tempo escuta
e passa.
UM HOMEM
Lambendo
os lábios
feito
um boi o homem
agradece
o farnel escasso
Antes
quero a guerra
a
luta
o
grito
a
justa sentença da fome
mas a
tarde me entranha
os
sentidos e
acalma
esse gemido
de
leoa.
OS RECADOS
Aonde
brotam os recados
nascem
os avisos
Das
rendas do meu recato
tiro
meu grito manchando
brancuras
de abismos
Espero
o que já veio
e
atiro risos ao vento
maculando
a nudez
do
meu tempo.
O FOGO
Respirando
fogo um lobo
morde
as vísceras do tempo
O dia
fica amarrotado
de
vento
A
noite engole o lobo
valente.
SENTIDOS NUS
Espremo
a borda
das
significações construindo
sentidos
Navego
várzeas nas
pratas
da palavra
Quem
é de verbo nunca
se
cala
Quem
é de verso tece a
voz
muda da fala.
A LUA BÊBADA
A Lua
nua ri
Sua
pele branca
inunda
a rua
A Lua
imunda canta
bêbada
a viração
do
dia enquanto a
noite
navega as horas.
A ÚLTIMA POESIA
A
próxima poesia sempre
me
cansa porque nunca
alcança
o olor dos acontecimentos.
Vem
fora de hora e desalinhada
Não
alcança o meu tempo nem
a
fabulação dos meus afetos.
A
última poesia é a
síntese
tardia do
meu
cansaço.
O CÓGITO
Não
sei das maquinações
do
verbo
ou do
calor difuso dos
sentidos
Construo
alaridos de falas
repetindo
a voz das esquinas
A
vida escorre mansa
entre
as frestas das palavras
paro
e penso
não
sei se existo.
A PREPOTÊNCIA DO
AÇOITE
Vencer
a prepotência do
açoite
essa
a pretensão dos justos
De
onde vem o grito vem
o
soluço engolindo
a
trituração das feras
Nem
só de mansidão se
faz a
quimérica passagem
dos
dias
O
tempo também urra feroz
o
eterno desfile das horas.
TÚNEIS DE VENTO
Entre
túneis de vento o
claro
riso da manhã se
anuncia
De
cada manhã anunciada a
que
mais me comove batiza
a
própria anunciação
Não é
a manhã do sol
mas o
nascimento do grão,
na
terra, nas mesas, nos corações
É a
multiplicação dos
pães
batizada de milagre
e
cujo nome é pura
matemática.
AS MATEMÁTICAS
As
matemáticas me exaurem
Dou
nome aos lucros,
não
vejo a divisão
Pronuncio
nomes chulos
me
descabelo
e o
imposto me crucifica
Não
vejo os dias e as horas
só a
chuva na janela,
batizando
minha exaustão.
UM POEMA E UM
SEGUNDO
A
data entre um poema
e um
segundo é
quimérica
não
vale o balanço
das
horas
Nos
escondíamos no quintal
da
casa do tio Fares.
Lá
tinha árvores e terra
Isso
vale um poema
e
nada mais.
MINAS
As
alianças defloram o
silêncio
das conspirações
Atravesso
o sinuoso imprevisto
das
escolhas ao acaso
e
grito os murmúrios das
esquinas
onde
tudo é perigo e
cumplicidade
Entre
o punhal e o afago
balanço
meus dias.
A PALAVRA E A
DÚVIDA
A
palavra tinge os humores
transversos
da dúvida,
balança
entre trapézios e
abismos
e mancha o verbo
de
nada.
Cobrindo
a vida de
enigmas
brinca a
babélica
imprecisão das
falas.
MEU OLHAR DE MEDUZA
Meu
olhar de medusa desliza
línguas
ácidas sobre a placidez
da cidade
Lanço
maldições
Os
homens ricos jamais serão
felizes,
sobretudo os patrões
Graças
a Deus minha mãe vive
mas
não tenho filhos
e
bendigo as próximas gerações
com
um enigma
quem
cantará os novos hinos?
CLARALINA
Claralina
vivia sozinha
num
barracão
Vendia
salgados na
cidade
Hoje
Claralina não tem
um
nome no túmulo
Sua
alma batiza as esquinas
nas
ruas
Claralina,
o silêncio das praças
te
beija.
NOSTALGIA
Aonde
andam as velhas falas
das
moças e dos padres nas
tardes
de domingo?
Eu
queria aqueles docinhos
de
festa, quando os anjos amenizam
as
intempéries
Estou
só
como
uma sentença.
NADA MOVE AS
MONTANHAS
Nada
move as montanhas
Nem a
fé, graças a Deus
Ondulando
a linha do
horizonte
as montanhas
amarrotam
a terra
Minas,
minas dos meus
encantos
quem te faz
mais
bela?
Elas
Mar
de terra em
movimento
alento
dos mansos
assinatura
natural dos
conspiradores
corações montanheses.
O SOL DAS HORAS
O sol
das horas invade
meu
quarto
Onde
o gracejo dos
insensatos
feriu meus
cernes?
Na
mansidão forçada
ou no
exagero das
convicções
Amo a
dúvida
a
descoberta e o
silêncio
O
murmúrio perigoso
das
conspirações.
GRITO SILENCIOSO
Meu
grito silencioso
ondula
sobre a calma
muda
e mansa das horas
As
vestes da minha voz
desatam
um soluço antigo
rasgando
um verbo rude
parado
na garganta.
As
asperezas me seduzem
A
eterna atração da equação
dos
fins
Os
homens se odeiam calmamente.
BAILADO SOBRE OS
COMEÇOS
Bailo
sobre os começos
a
eterna inexatidão
Tudo
acontece sobre a
linha
fina dos abismos.
O
grito e o silêncio
O
gemido e o riso
O
certo e o avesso
Espero
o consolo de um endereço
amigo
e recolho as alvíssaras
frias
dos parentes
A
doce acolhida é o limite
das
horas.
NOITE
Noite
que dá nome ao
meu
desatino
abençoa
essa dama
desvairada
que escarra
sobre
o próprio destino
e
geme
Não
tenho homens ou amigos
Tenho
o meu riso sério
e a
minha intuição de
fim.
CANOAS DE TERRA
Canoas
de terra ardem sobre
a
minha íris nua
queimando
as punhaladas
que
atravessam minha
retina
São
crianças nas ruas
cruas
desfolhadas pelo
corte
de metais frios
tombando
inermes sob botas
marciais
A
cidade vive
carnes
de terra gritam queimando
os
corpinhos nos quintais.
UM SOLUÇO DO AR
Um soluço
de ar ressoa
na
minha garganta
bailando
gritos entre o recuo
e o
silêncio
Um
oxigênio difuso inunda
as
minhas vísceras cansadas,
mudas
e inermes
Estou
desarmada e chamo
o
atavio das horas quando
o
cheiro de café batiza o
tempo.
AS LÁGRIMAS
As
lágrimas fazem estradas
em
minha pele sulcando
o
útero da minha incerteza
Não
sei do amor ou da vida
Respiro
a herança dos
muito
sós
Tive
pai, tenho mãe, não
Tenho
marido ou filhos
Guardo
comigo o legado
da
minha dúvida
Carrego
no dorso da
minha
coragem o resto
dos
meus gritos.
LONGA VIAGEM
Essa
longa viagem até
o dia
de hoje merece uma
honraria
Sou
Maria e trago uma
prenda
Quem
quiser casar comigo
que
seja de riso e
ame
as lendas.
A PASSAGEM DO DIA
Um
dia passa como um
rio
atravessa a manhã
Manso,
mudo
cantando
o avesso das horas
A
violência dos homens
sangra
a face muda
dos
dias
O dia
não volta.
ENCARQUILHAR
Eu
achei que ia encarquilhar
como
os seres
que
permanecem longo
tempo
Mas
vejo retalhos do
fim e
me visto de adeus
Amei
as causas perdidas
as
esquinas, os amigos e as
primas
Brindo
meus irmãos com
um
forte abraço
e a
despedida.
MEUS AMIGOS
Cobri
meus amigos de
ritos
Que
coisa solene é a morte
quero
ir como vim, sem
cerimônia,
como quem toma
café
na porta da cozinha
ou
canta
Vou
rever meu pai, meus tios,
conhecer
meus ancestrais
e
tremer um pouco na hora
da
partida.
O WORLD TRADE
CENTER
A paz
desenterra sua
súplica
nos escombros
do
World Trade Center
Para
sempre o fim na
minha
retina
Não
estou à altura da hora
Tenho
medo
Temo
os escombros, o grito
das
vísceras me paralisa
Aonde
o pai, o filho, o
amado,
a amante se
escondem?
No
suor da empresa
que
castra
No
horror do fundamentalismo
que
castra
Os
grandes negócios
prosseguem.
AS ROSAS
O
mundo cai e minha
roseira
permanece intacta
insistindo
em assim ser
ainda
longo tempo
Insiste
no ofício de
ser
roseira e vige
clamando
o clamor
das
rosas que é de
paz,
paz, paz, paz,
ad infinitum.
O MEU CORAÇÃO EM TÚNEL
ABERTO
A você que murmurou
comigo o real deliquescendo minhas miragens na ponte do prazer quando eu nem
sabia do meu desejo, perdida no delírio tanatológico dos tristes, eu, que
amarrada, atada à circunstâncias de uma cama de hospital por suas mãos amantes,
na tentativa de me obrigar à vida enganando thanatos pelos avesso e ao dever de
eros, eu te digo, eu te amo.
A você, que
docemente desceu comigo aos meus abismos inconfessáveis sem me julgar, eu te
declaro, eu te amo.
Porque sou o seu
mais precioso enigma. Eu te amo, mesmo que você não queira. Ciciei gritos
anônimos na sua presença calma e postulei as minhas mais frágeis incógnitas e
você me disse sim. Eu, que sou o seu mais incandescente enigma, sem motivo
algum arquejei um sorriso triste diante da razão. Neste instante a sua mão de
mago me mostrou o meu desejo, recôndito pássaro que mudo estava no ninho
ambíguo da minha lógica vã. Eu te amo. Você me disse que não é o amor mas com a
minha ternura humilde eu te digo. Você é o artesão dele.
A você, que me
banhou nu no cárcere da mais pura inocência naquele banheiro coletivo de
hospital, eu te digo. Eu te amo. Mas eu já estava amarrado quando uma espiral
de desenganos me reduziu à mais plena mansidão que é a da morte. Bastava a sua
ternura de depois desamarrando o grito enterrado nas entranhas desse avesso
emudecido à força dos muitos nãos que assinalaram a minha longa travessia a
você.
Mas mesmo assim eu
te amo. Eu, que me lancei fundo no abismo da minha alteridade, emergi solene e
calma ao som da sua tranqüila autoridade. Eu te amo. Ouça o silêncio que nos
circunda.
Desamarre o nó
górdico da minha existência que se precipita sobre você como uma sentença
invisível, você ouvinte, eu vivente, barqueiros de uma mesma nau voante a
caminho de uma estrada sem fim. Eu amo esse seu estranho silêncio diante da
minha voz sonâmbula e me surpreendo destrinchando saídas. A delicada sombra do
seu próprio medo se articulou junto ao meu desejo como um aviso de morte e
então eu pude sobrepairar thanatos e me vestir de prazer. Não há nada, nem
opressor ou oprimido, nem fantasmas ou gemidos. E você e eu, assujeitados
diante desta libertação, estremecemos.
Eu te amo, seja
você homem ou mulher. Quisera esta artezania do saber dentro das vísceras e
tenho você, estrategista do meu grito, escultor do meu silêncio, me empurrando,
mãe assexuada ofertando a sua cria ao mundo. Eu te amo. E desse amor tiro a
seiva que me faz amante dos vários outros que me beijam a epiderme assinalada
de gritos. Por que você recebe o meu amor com a majestade de uma esfinge e eu
te amo.
E repentinamente
você reparte comigo os seus mistérios e eu percebo toda a humanidade dos seus
segredos mais terríveis. E te juro, me faço Prometeu em sua honra e jamais te
entregarei, mesmo sob tortura.
Quando a multidão
me virou as costas e você caminhou comigo a minha errância clandestina,
destilei o veneno glorioso de ser única na massa inerme de vendidos. Eu te amo.
Você me mostrou suavemente que o objeto do meu crime já havia morrido, então,
porque a morte senão o prazer de desafiar o limbo de nossas existências num
orgasmo múltiplo, cristal que espelha toda a humanidade numa só imagem. E eu
descobri a festa de Dionísio numa noite e já entrando na ancianidade tive o
susto glorioso que irmana todos os mortais. Eu te amo, por tudo que eu imaginei
e que eu vivi do amor.
A você que me
mostrou a miragem nua dos meus sentimentos reais espelhando a minha frágil
ilusão de mim mesmo eu te digo, eu te amo.
A você, que me
declarou solenemente o que eu considero o mais surpreendente dos cógitos
contemporâneos — ama-te a te mesmo — eu te digo, eu te amo.
Porque eu estava
nua no meio da intempérie e você elucidou os critérios da minha dor.
Eu que estava
exausta de desatar os nós do vento sem encontrar carícia ou paz. Eu te digo, eu
te amo. E essa minha catexia que te envolve como um manto se desdobra sobre
vários outros tornando o meu amor sábio, o meu desamor necessário, a minha
solidão povoada de um devir desnudado e calmo.
Helenice Maria Reis Rocha
Todos os direitos autorais reservados a autora.
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