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A primeira vez [Cinthia Andressa de Lima ]

A primeira vez


Você acendeu as luzes e apresentou-me a cozinha. Fez-me sentar no canto de uma mesa grande com mais de dez lugares. Pediu-me para esperar e enquanto abria as portas de um armário, retirando uma infinidade de coisas que ia colocando em cima de outra mesa, ofereceu-me uma refeição.
Sem cerimônia, quando todos dormiam e o relógio badalava às duas horas da madrugada.
Você ofereceu-me um lugar na mesa da sua casa e fez uma refeição para mim. Pediu para que eu comesse com você. Para que eu o acompanhasse.
Sorriu sinceramente como se fôssemos calejados nesses pequenos acontecimentos do cotidiano. Era a nossa primeira vez. Mais uma delas.
Num ritual infinito de pequenas coisas que são grandes marcos. Você sorriu sinceramente e eu senti que era a minha chance de abrir o peito e dizer tudo.
Falar que aceitaria qualquer plano de fuga ou de permanência; que dormiria a noite toda aqui se acaso você me pedisse; que tiraria o calçado para pisar como você com os pés no chão.
Mas eu fiquei quieta. E não era covardia. Eu estava leve. Esperando você sentar do meu lado e respondendo vez ou outra alguma pergunta banal que você ia fazendo enquanto preparava nosso prato.
Eu corria os olhos na parede e via os porta-retratos da família e sem que eu perguntasse você me apresentou cada um deles.
Em um outro ritual. Ver você criança, ver você nos traços da sua mãe, nos negros olhos da sua irmã. Eu poderia abrir o peito ali e sabia que a recíproca seria verdadeira. Mas eu senti uma tranquilidade tamanha em estar onde eu estava e não havia possibilidade de estar em nenhum outro lugar naquele momento.
Eu sorri e nesse sorriso você segurou minha mão em cima da mesa enquanto dividia comigo, num único prato um pedaço de pão e num único copo um refrigerante amanhecido.
E quando terminamos, no silêncio de perguntas monossilábicas e gestos de reconhecimento, você pediu para que apagasse as luzes. Eu apaguei as luzes, você segurou minhas mãos no escuro e no viés da porta deu-me um beijo.
E nesse beijo não havia nada além de sinceridade. Na cozinha ficaram nossos restos, umas dores que já havia passado da hora de se desfazerem.

Cinthia Andressa de Lima. Nasci em maio de 1988. Sou mãe de Malu, a menina mais esperta do condado. Acumulo livros, escritos, desenhos nas paredes e quadros inacabados num pequeno apartamento cheio de amor em Cuiabá. Estudante de Literatura na faculdade de Letras da UFMT, com publicação no livro “Da Ilha dos Livres” da Sociedade dos Jovens Escritores da UFMT. Também atendo no Casa 11: blog quase falido, mas muito estimado (http://www.acasa11.blogspot.com.br/) . Um dia fugirei para Jericoacoara.

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