Sponsor

AD BANNER

Últimas Postagens

Nota sobre um amor que durou uma noite só.[Cinthia Andressa de Lima]

Nota sobre um amor que durou uma noite só.

Virei para o lado e contemplei a parede branca. Na cabeça, alguns pensamentos impróprios. Escutava o barulho do chuveiro, sabia que a porta estava semi aberta, mas não quis virar e ver a silhueta do seu corpo pelo box do banheiro. Puxei a coberta e cobri metade do meu corpo nu, abracei um pouco o travesseiro e na cabeça ainda os mesmos pensamentos impróprios. Logo amanheceria eu ainda não havia decidido se dormia ali ou se me arrumava e voltava para casa. Lembrei-me de alguns detalhas da noite: do barulho insistente de um telefone no quarto ao lado que nos incomodou por algumas horas a você esfregar um pé no outro quando ficou deitado de lado depois de tudo. Tudo tão calmo, sem pressa e sem escândalos. Assustei-me um pouco e acho que isso também justifica os pensamentos. Coloquei a mão na parede, estava gelada. Minhas roupas estavam espalhadas pelo chão, as suas num montinho na mesa do lado do frigobar. Talvez, se eu ligasse a TV, nos pouparia a conversa habitual desses encontros. Não quero, de fato, saber quem você é além do seu nome e do poder de alcance da sua mão, ou do sorriso fora de hora que me fez terminar a noite aqui. A sua demora no chuveiro me faz pensar que talvez espere que eu vá tomar esse banho com você. Não posso. Qualquer coisa compartilhada além da cama de um quarto já é intimidade demais para mim. Mas espero que volte. Imagino que vai me beijar cobrir o resto do meu corpo, ligar a TV e perguntar se eu quero alguma coisa. Vou sorrir, dizer que não, que só quero ficar assim um pouco antes de dormir. Talvez retribua o abraço ou o beijo e alguns carinhos e dormíssemos assim. Ou não. Pode ser que você volte mais animado e queira recomeçar os jogos. O que me assustaria, pois se acontecesse, agora seria mais calmo que antes, já ia saber onde colocar as minhas mãos, onde provocar em você mais arrepios e isso seria um perigo tamanho, faria você imaginar: “talvez essa seja a mulher certa”. E não é que eu não possa ser, mas não podemos pagar um preço tão caro por causa da metade de uma noite. Saberia te provocar além disso. Sei que minhas costas nuas são mais bonitas nessa quase luz de um quarto escuro, poderia levantar e andar nua por aí enquanto você refazia a cama para nós dois. Sei que qualquer corpo nu nessa quase luz é tentador. Poderia fazer você sorrir e isso seria minha perdição. Assim como você começar a conversar ou colocar uma música e essa música ser qualquer coisa sediciosa do Jimi Hendrix. Sei exatamente o que provoca paixão. E sua esquisitice já me é o suficiente. Essa sua roupa arrumadinha num canto, esse seu banho demorado, sua calmaria para tirar a minha roupa. E logicamente sua voz sussurrada me dizendo “temos tempo...”. Deus, que parede mais branca. Já sinto frio e não me cubro, permaneço quieta e finalmente escuto você sair do banheiro. O cheiro de sabonete invade o quarto antes de qualquer outra coisa, seus passos em direção a todos os lugares me fazem imaginar que queira ir embora, e, nesse segundo, percebo que não quero. Vou fingir que estou dormindo para você ficar. Vou tomar a iniciativa, dizer que quero beber, que podemos conversar sobre qualquer coisa. Mas, por fim, sei que minha coragem não chega a nada. E esse pequeno querer não é para tanto. Sua movimentação não acaba, me incomoda você não voltar para cama, me incomoda seu silêncio e não ligar a TV de uma vez por todas. Por fim você apaga as luzes, é minha deixa: viro-me, espero um pouco, imagino que vai deitar vestido, falar que posso dormir, se cobrir e me dar um beijo no pescoço. Mas sinto suas mãos em meus pés, o pânico me tira todas as probabilidades da mente, não consigo pensar em nada. Não vejo nada, o quarto agora é um breu total. Deus, como eu desejo agora que ele vá embora ou que ele me tome em seus braços. Não, não sente na cama e me fale para relaxar. Então, controlo esse pequeno desespero, puxo os pés, o convido para deitar do meu lado, você ainda nu me abraça por cima do lençol, arruma meus cabelos e me dá um beijo de boa noite. Logo adormeci no seu abraço apertado. Quando acordei senti o calor invadir o quarto e você dormindo profundamente. Levanto, vejo que arrumou minhas roupas do lado da sua, mas isso não me comove. Arrumo-me, abro a porta, saio sem que ninguém me veja. Na rua, ninguém em lugar nenhum, caminho silenciosamente, procuro no celular qualquer música que me faça esquecer essa noite. Talvez eu nunca mais te veja e essa seja a solução pra nossa vida. E esse papel amassado na mesinha do lado da sua cama, nesse hotel suspeito, é meu telefone que deixei antes de sair. Espero que nunca me ligue, seria legal, pois talvez não nos falte nada além de amor.
 
Cinthia Andressa de Lima. Nasci em maio de 1988. Sou mãe de Malu, a menina mais esperta do condado. Acumulo livros, escritos, desenhos nas paredes e quadros inacabados num pequeno apartamento cheio de amor em Cuiabá. Estudante de Literatura na faculdade de Letras da UFMT, com publicação no livro “Da Ilha dos Livres” da Sociedade dos Jovens Escritores da UFMT. Também atendo no Casa 11: blog quase falido, mas muito estimado (http://www.acasa11.blogspot.com.br/) . Um dia fugirei para Jericoacoara.

Nenhum comentário