A descoberta de novos talentos
Nunca encontrei alguém que discordasse da afirmação de que o mundo literário é bastante fechado. Falando genericamente, essa percepção me parece bastante correta, não há como negar que estamos falando de um clube com um número limitado de sócios. No entanto, menos assertivos me parecem os argumentos que justificam esse cenário. Uma teoria bastante comum, por exemplo, é a de que os originais só são devidamente avaliados se o autor conhece alguém do meio. Como consequência, deixaríamos passar escritores talentosos que operam no anonimato e enviam seus livros pelo correio.
Essa seria uma ótima notícia se fosse verdade, porque a essa altura já teríamos percebido essa falha e estaríamos publicando uma quantidade muito maior de novos autores. Por outro lado, o atalho pela via da indicação é uma regra universal que diz respeito à lógica dos relacionamentos, e não apenas ao mercado editorial. Conhecer alguém que trabalha na área de seu interesse pode ajudar em um primeiro momento, mas não garante que o seu objetivo será alcançado. Na Companhia das Letras, e acredito que em todas as editoras sérias, a indicação de um manuscrito por quem quer que seja não soma pontos na hora de bater o martelo sobre a sua eventual publicação. O livro, no momento da avaliação, está absolutamente só e deve dar conta de resolver as questões literárias a que se propôs. Poucos sabem que não é nada raro recusarmos originais de amigos e conhecidos, e posso garantir que é uma situação difícil para os dois lados.
Outro motivo que me parece crucial e justifica em boa parte a não abundância de novos autores diz respeito ao ofício do escritor. A literatura talvez seja a manifestação artística que tenha os laços mais estreitos com a boa formação intelectual. A experiência nos diz que é impossível ser um escritor sem ser um leitor contumaz, alguém que lê muito, por muitos anos, a vida toda. Se ainda estamos penando para tirar a educação básica do país do nível vexatório, não é difícil imaginar por que não temos craques da literatura surgindo aos borbotões como vemos surgir no futebol e na música.
Diante desse argumento da origem versus talento, as pessoas sempre citam Machado de Assis, porque o modelo de escritor bem-sucedido de origem humilde, imagino, nos enche de esperança. Ao que tudo indica, porém, o nosso grande autor não levou uma vida tão humilde assim. Antonio Candido, em seu ensaio “Esquema de Machado de Assis”, diz que os sofrimentos do escritor “não parecem ter excedido aos de toda gente”. “Tipógrafo, repórter, funcionário modesto, finalmente alto funcionário, a sua carreira foi plácida. A cor parece não ter sido motivo de desprestígio, e talvez só tenha servido de contratempo num momento brevemente superado, quando casou com uma senhora portuguesa.”
Além do mais, estamos falando de um gênio e, como tal, tanto faz a sua origem ou cor da pele, pois mais cedo ou mais tarde ele seria reconhecido e admirado, como de fato aconteceu. Aos cinquenta anos, ele já era considerado o maior escritor do país.
Estar atento aos novos talentos é uma das obrigações de todo bom editor, e a descoberta de um escritor é um dos maiores prazeres desse trabalho. Eu e os meus colegas editores passamos o ano inteiro lendo originais de autores desconhecidos e de vez em quando somos recompensados. No ano que vem, só na minha editoria, teremos dois escritores estreantes, Mauricio Lyrio e Alberto Reis. Quem me viu feliz pelos corredores da editora com essas descobertas duvidaria das teorias conspiratórias a respeito da má vontade das casas editoriais em descobrir novos livros. E o sucesso de Michel Laub e Daniel Galera na Feira de Frankfurt é prova de que se a nova geração nos frustra em quantidade, não deixa nada a desejar em qualidade.
Vanessa Ferrari é editora assistente da Penguin-Companhia e mediadora do clube de leitura na Penitenciária Feminina de Sant’Ana. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.
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Um comentário
Os editores, de modo geral preferem optar pelos famosos, ou mais conhecidos, por acharem que são retorno certo. Os novos autores, mesmo os que já têm vários anos, e livros editados precisam arcar do próprio bolso para conseguirem publicar alguma coisa, e venderem por conta própria, pois as editoras, mesmo temdo sido pagas para editar fazem pouco ou nenhum esforço para vender.
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