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As aparências enganam [Manoel Magalhães]

As aparências enganam


Vivemos a época da pose. Sem pose não somos nada. Ninguém. A pose é nossa personalidade. Ela nos dá segurança, conforto. Espécie de traje indispensável, tipo couraça inexpugnável a nos proteger e nos fazer brilhar. Andamos por ai como se fossemos um general vergado pelo peso das medalhas, no olhar um brilho varonil, de quem sabe cantar o Hino Nacional de trás para frente.

Se o amigo leitor chegou até aqui deve estar se perguntando o porquê disso tudo? Explico: o Brasil é o país da aparência. Aparentar é tudo. Parecer o que não somos virou missão evangélica. Se formos pobres, temos de parecer classe média: acaso sejamos classe média, temos de parecer rico. E se formos ricos sonhamos ser podres de rico.


É uma compulsão que passa de pai para filho. Nelson Rodrigues já dizia que o brasileiro, inconscientemente, pensa ser um vira-lata. Para ele tudo o que é de fora é melhor. Por isso a necessidade de parecer o que não é.  E aqui entra a necessidade da pose. Representar o que não somos é a estratégia da sobrevivência entre maldosos, entre corvos, prontos a devorar-nos.


Costumamos agir como se estivéssemos diante de um estrangeiro melhor, mais rico e inteligente. E diante do estrangeiro temos de parecer importante, temos de parecer inteligente – ainda que a cultura seja pífia. E a sensação que a necessidade de parecer provoca é a certeza, duramente disfarçada, de estarmos constantemente em débito conosco, levando-nos a querer representar, mais e mais, aquilo que, dificilmente, seremos.

E tudo acaba em teatro. Um grande teatro onde não há palco e nem platéia. Tudo é uma coisa só. Atores e público se misturam, sem saber quem é quem. Todos representam.  A verdade vira artigo de luxo. E quem ousa dizer a verdade vira Judas, cujo destino é ser apedrejado na sexta-feira santa.

Está no ar uma propaganda de televisão emblemática. É de um banco. O cenário à beira de paradisíaca praia. Dois personagens conversam. Um é pescador e o outro um empresário que apareceu por ali e não sabemos como (até por que isso não é importante). O narrador do comercial é Nelson Motta, jornalista, compositor, escritor e letrista brasileiro. Ouve-se o recém chegado, através da locução de Nelson, recomendar o pescador a fazer da pesca um negócio, um grande negócio, para ficar rico, e ai sim desfrutar daquela praia, rico e feliz.  O pescador, após um tempo em meditação, põe os óculos escuros, dá uma risadinha sarcástica, pegando sua carteira recheada. Dela tira um cartão, oferecendo-o ao seu interlocutor. Oferece-lhe um cartão, sugerindo que vá falar com seu gerente do banco. O outro, evidentemente, fica estupefato. O pescador, em seguida, ergue-se e caminha lentamente em direção à linha do horizonte.

Eis, amigos, um comercial de alguém que tem pose (o sujeito que tenta convencer o outro a ser um pescador de sucesso), e de um sujeito que atingiu seu objetivo e não tem necessidade de usar máscara. E o interessante da propaganda é o cara de sucesso viver numa praia deserta, sem necessidade de se mostrar. Revela quem é apenas por ter sido provocado. O estrangeiro, que vive na cidade, portanto com necessidade de representar (e continua representando à beira da praia)  leva a pior.

Realmente as aparências enganam.

Manoel Magalhães- Jornalista, Escritor e Pintor Cinco livros publicados: Guerra Silenciosa – livro-reportagem; Dois Textos Marginais – contos; O Abismo na Gaveta – romance; O Homem que Brigava com Deus – romance; Vampiros - romance. Também escreve para teatro e cinema.Como jornalista trabalhou no Diário Popular, Pelotas; no Diário Catarinense, Florianópolis; e Correio Braziliense, Brasília. Presta consultoria online acerca de técnicas narrativas - conto, crônica, romance, roteiro cinematográfico e texto para teatro. Email: manoelsmagalhaes@gmail.com

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