As aparências enganam
Vivemos a época da pose.
Sem pose não somos nada. Ninguém. A pose é nossa personalidade. Ela nos dá
segurança, conforto. Espécie de traje indispensável, tipo couraça inexpugnável
a nos proteger e nos fazer brilhar. Andamos por ai como se fossemos um general
vergado pelo peso das medalhas, no olhar um brilho varonil, de quem sabe cantar
o Hino Nacional de trás para frente.
Se o amigo leitor chegou
até aqui deve estar se perguntando o porquê disso tudo? Explico: o Brasil é o
país da aparência. Aparentar é tudo. Parecer o que não somos virou missão
evangélica. Se formos pobres, temos de parecer classe média: acaso sejamos
classe média, temos de parecer rico. E se formos ricos sonhamos ser podres de
rico.
É uma compulsão que passa
de pai para filho. Nelson Rodrigues já dizia que o brasileiro,
inconscientemente, pensa ser um vira-lata. Para ele tudo o que é de fora é
melhor. Por isso a necessidade de parecer o que não é. E aqui entra a necessidade da pose.
Representar o que não somos é a estratégia da sobrevivência entre maldosos,
entre corvos, prontos a devorar-nos.
Costumamos agir como se
estivéssemos diante de um estrangeiro melhor, mais rico e inteligente. E diante
do estrangeiro temos de parecer importante, temos de parecer inteligente –
ainda que a cultura seja pífia. E a sensação que a necessidade de parecer
provoca é a certeza, duramente disfarçada, de estarmos constantemente em débito
conosco, levando-nos a querer representar, mais e mais, aquilo que,
dificilmente, seremos.
E tudo acaba em teatro. Um grande
teatro onde não há palco e nem platéia. Tudo é uma coisa só. Atores e público
se misturam, sem saber quem é quem. Todos representam. A verdade vira artigo de luxo. E quem ousa
dizer a verdade vira Judas, cujo destino é ser apedrejado na sexta-feira santa.
Está no ar uma propaganda
de televisão emblemática. É de um banco. O cenário à beira de paradisíaca
praia. Dois personagens conversam. Um é pescador e o outro um empresário que
apareceu por ali e não sabemos como (até por que isso não é importante). O
narrador do comercial é Nelson Motta, jornalista, compositor, escritor e
letrista brasileiro. Ouve-se o recém chegado, através da locução de Nelson,
recomendar o pescador a fazer da pesca um negócio, um grande negócio, para
ficar rico, e ai sim desfrutar daquela praia, rico e feliz. O pescador, após um tempo em meditação, põe
os óculos escuros, dá uma risadinha sarcástica, pegando sua carteira recheada.
Dela tira um cartão, oferecendo-o ao seu interlocutor. Oferece-lhe um cartão,
sugerindo que vá falar com seu gerente do banco. O outro, evidentemente, fica
estupefato. O pescador, em seguida, ergue-se e caminha lentamente em direção à
linha do horizonte.
Eis, amigos, um comercial
de alguém que tem pose (o sujeito que tenta convencer o outro a ser um pescador
de sucesso), e de um sujeito que atingiu seu objetivo e não tem necessidade de
usar máscara. E o interessante da propaganda é o cara de sucesso viver numa
praia deserta, sem necessidade de se mostrar. Revela quem é apenas por ter sido
provocado. O estrangeiro, que vive na cidade, portanto com necessidade de
representar (e continua representando à beira da praia) leva a pior.
Realmente as aparências
enganam.
Manoel Magalhães- Jornalista, Escritor e Pintor Cinco livros publicados: Guerra
Silenciosa – livro-reportagem; Dois Textos Marginais – contos; O Abismo na
Gaveta – romance; O Homem que Brigava com Deus – romance; Vampiros - romance.
Também escreve para teatro e cinema.Como jornalista trabalhou no Diário
Popular, Pelotas; no Diário Catarinense, Florianópolis; e Correio Braziliense,
Brasília. Presta consultoria online acerca de técnicas narrativas - conto,
crônica, romance, roteiro cinematográfico e texto para teatro. Email:
manoelsmagalhaes@gmail.com
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