Musa Impassível - Francisca Julia da Silva Munster.
Francisca Júlia da Silva Munster. (1871-1920)
MUSA IMPASSÍVEL I
Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho, e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.
Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave o idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante;
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.
Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;
A rima cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;
Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.
(Mármores-1895)
Bem, já que estamos falando em São Paulo e todos acreditam que é o Estado mais Cultural do Brasil - o que prova que a maioria das pessoas não conhecem a História de seu próprio país - resolvi falar de uma escritora paulista.
Nascida em Xiririca, no conhecido, hoje, como Eldorado Paulista, a poeta Francisca Julia tem sua História marcada por sucessos e dramas. Dramas estes que aos outros poderiam ser comuns, mas para ela, com sua alma parnasiana, tornaram-se monstros gregos e marmóreos.
Fugindo de uma desilusão amorosa, devido a um noivado desfeito, ela saiu de Cabreúva, vindo morar na Zona Leste de São Paulo, trazia consigo as marcas do amor destruído e um vício terrível - o alcoolismo - que a seguiu até perto de sua morte.
Na verdade a História desta mulher compositora, professora de piano e poeta, que passeava do simbolismo ao parnasianismo com muita precisão e qualidade, afinal também escreveu poemas místicos de fundo moral, passa por um bairro comumente esquecido pelos governantes de nosso Estado - pelo menos fora do tempo eleitoral - Guaianases.
Foi em Guaianases - quando ainda era conhecido por Lajeado - que ela casou-se, em 1909, com o telegrafista, Filadelfo Edmundo Munster, funcionário da Estrada de Ferro Central do Brasil.
Ela foi uma esposa perfeita, cuidando do esposo com desvelo e carinho durante todo o seu processo de enfermidade. Ele adquiriu Tuberculose e sofreu muito, mas teve o apoio da esposa até o último dia de sua vida.
Muitos atribuem ao casamento o seu afastamento do Universo Literário, mas ela já estava afastada deste desde 1903, 6 anos antes de casar.
Na sua juventude, Francisca Júlia da Silva Munster colaborava com a Imprensa paulistana e carioca. Segundo os historiadores iniciou por volta dos seus 20 anos, em 1891. Alcançou prestígio como escritora enquanto escrevia “A Semana”, sendo elogiada por grandes críticos da época e admirada pelos poetas de então. Seu primeiro livro, “Mármores”, foi lançado em 1895 e com ele conseguiu a admiração de todos os círculos literários do país.
A história de Francisca Júlia da Silva Munster e Guaianases entrelaça-se em 1908, quando a jovem veio de Cabreúva com sua mãe, professora primária, foi transferida para o Lajeado. Foi no ano seguinte, aos 38 anos, que ela se casou com o senhor Munster, tendo por padrinho o poeta Vicente de Carvalho.
Ao casar-se recolheu-se a vida familiar, mas não foi a única vez que agiu assim. Por diversas vezes ela recolheu-se a sua vida particular, sem dar maiores razões a quem quer que seja.
Uma curiosidade sobre esta mulher notável foi que se recusou a fazer parte da Academia Paulista de Letras. Dizem que por não aceitar que chegasse a ela sem a companhia de seu irmão Júlio Cesar da Silva.
Francisca Júlia amava a Língua Portuguesa e a usava com maestria, como instrumento de construção poética, obedecendo às normas exigidas por sua Poesia e pela linguística de nosso Idioma.
Fotos e relatos dão conta de que era uma mulher de olhar triste e modos reflexivos, mas era de uma beleza espetacular.
Segundo os estudiosos da Poesia, Francisca Júlia Munster é a única no Brasil, entre os poetas de seu estilo que conseguiu administrar com grandeza todas as características do Parnasianismo, afinal, ela conseguiu manter a sonoridade necessária para moldar seus versos de forma e rigor dos padrões franceses.
O casamento persistiu até a morte de seu esposo, um dia antes de sua própria morte, em novembro de 1920. Mas desde o ano de 1916, ela tornara-se depressiva e um tanto quanto mística, justo quando descobriu-se a enfermidade de seu esposo - a tuberculose.
Filadelfo morreu em 1920 - no dia 31 de outubro, logo depois de pedir que ela fosse buscar água para ele. No dia 1 de novembro do mesmo ano - um dia depois - ela tomou calmantes para dormir e não mais acordou - alguns atribuem a ela o suicídio, outros acreditam que tenha sido apenas um acidente, dado os últimos acontecimentos, afinal o fato se deu logo depois dela chegar do enterro do seu marido. Segundo registros da época, sabe-se que ao seu funeral compareceu grandes ícones da intelectualidade, tais como: Oswald de Andrade, Paulo Setúbal, Mário de Andrade - um grande crítico de sua poesia-, Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti entre outros.
Ela está enterrada no Cemitério do Araçá, em São Paulo - em seu túmulo tem a réplica de bronze de uma estátua elaborada em sua homenagem. Na verdade, Victor Brecheret esculpiu para o túmulo, de mármore de Carrara, a bela Musa Impassível, tema de um dos poemas da Escritora.
Hoje a estátua original encontra-se na Pinacoteca do Estado, restaurada.
Prêmios e Homenagens
Sabe-se que em primeiro de Janeiro de 1904, Francisca Júlia é proclamada membro efetivo do Comitê Central Brasileiro da Societá Internazionale Elleno-Latina, de Roma.
Em sua homenagem há uma importante rua no bairro de Santana, na cidade de São Paulo, com seu nome.
Já em 1923 o Senado aprovou a implantação da estátua "Musa Impassível" sobre o seu túmulo no Cemitério do Araçá, esculpida em mármore carrara por Victor Brecheret.
Sua Obra
“Mármores” não é sua única Obra. Na verdade Francisca Julia deixa diversos livros, entre os quais O Livro da Infância (1899), Esfínges (1903), Alma Infantil (1912) - este escrito quando já se tornara uma esposa aplicada-. Nesta época os jornais e revistas ainda publicavam sua colaboração que era levada a eles através de seus amigos poetas e escritores que costumavam visitá-la sempre.
Seu sonho, por anos, foi escrever um livro voltado ao Universo Infantil, mas que valorizasse a nossa língua, tornando-a agradável à observação da criança.
Além destas obras, Péricles Eugênio da Silva Ramos organizou, em 1962, o livro Poesias, com sonetos e poesias dela.
Deixou sua poesia como herança nós brasileiros, mas esta não é sua única contribuição para a nossa Cultura. Ela foi professora de piano do compositor Erotides Campos e através dele perpetua sua própria obra e qualidade de trabalho, afinal ele tornou-se mais tarde um dos grandes compositores brasileiros.
Talvez o Brasil desconheça a Obra desta grande escritora por causa da birra criada pela Semana de Arte Moderna de 1922, que acabou por despeitar grandes autores e suas Obras. Hoje, com o fim destas implicâncias, pode ser que as Escolas passem a dar aos escritores Parnasianos o merecido respeito e ela possa ser conhecida de todos nós.
Intrigas Literárias
Sua colaboração no Correio Paulistano e no Diário Popular, foi o que a apresentou ao mundo literário e que deu a oportunidade para trabalhar em “O Álbum”, de Artur Azevedo, e, também, em “A Semana, de Valentim Magalhães, no Rio de Janeiro.
No Rio ocorreu uma intriga literária bastante interessante. Nos termos atuais, “um babado". As pessoas não acreditavam que seus versos fossem realmente de uma mulher e muitos críticos levantaram-se contra eles, apesar de perceber a importância destes. Seu mais ferrenho inimigo era o crítico literário João Ribeiro. Este acreditava que Raimundo Correia - na verdade Raimundo da Mota de Azevedo Correia, que em 1897 se tornou sócio fundador da Academia Brasileira de Letras - usava um nome falso e era, na verdade, o escritor por trás do nome de Francisca Júlia. Assim João Ribeiro passou a irritá-lo, ele sim, usando o artifício do pseudônimo - Maria Azevedo.
Este engano persistiu por um tempo, sendo esclarecido por carta enviada ao jornalista e escritor Max Fleiuss, por Júlio César da Silva, irmão de Francisca Júlia e também poeta. Max Fleiuss, que era amigo de Júlio, tornou-se amigo de Francisca Julia.
Ao perceber seu engano, João Ribeiro - na verdade João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes-, crítico literário muito competente e prestigiado da época - admirado de sua obra, interessa-se em lançar suas obras em livros, o que realmente faz.
Max Fleiuss, João Ribeiro, Olavo Bilac e outros poetas foram além de amigos, grandes admiradores da Poesia desta escritora.
Falta de Memória Cultural
Infelizmente as críticas baseadas no pensamento da Poesia Moderna, deixa de dar a importância exata a Obra desta escritora, deixando de observar o seu talento e à qualidade da sua obra.
Há também um preconceito quanto a sua poesia por ela ser uma mulher que escrevia de forma masculinizada - incrível como não criticam Chico Buarque por escrever com verve feminina! Sabe-se que em seu tempo, Francisca Júlia e sua Poesia criou certa animosidade com alguns críticos por ela saber escrever com o que os críticos chamavam "como dicção máscula". Hoje, com a valorização do papel feminino no mundo e na arte, pode ser que ela volte a ser mais lida e apreciada.
Fora que para os padrões da época o seu possível suicídio causou estranheza, já que as pessoas não aceitavam este tipo de comportamento. Particularmente não acredito no suicídio. Ela planejava escrever um Livro - que os historiadores dizem, se chamaria “Versos Áureos” e pelo que se sabe o suicida não faz planos a longo prazo.
Independente de ela ter se suicidado ou não, a Cultura Brasileira tem uma dívida enorme com esta escritora completa que soube tão bem representar nossa Literatura com suas belíssimas construções.
Quanto ao povo de Guaianases, a grande maioria, além de não conhecer esta autora, não faz a mínima ideia que um dia ela morou por ali e que foi neste bairro que ela casou-se.
Neste ponto não dá mesmo para criticar os moradores do Bairro, afinal a nossa própria História faz questão de apagar o nome desta escritora de suas linhas.
Nota de Paulo Franchetti sobre a Autora e sua Obra.
Paulo Franchetti - Professor titular do Departamento de Teoria Literária da Unicamp para a Editora Brasiliana.
(...) Como Mármores teve edição restrita e a primeira edição de Esfinges era inacessível – Otto Maria Carpeaux registrava, já em 1949, que desse livro não havia exemplar nem na Biblioteca Nacional, nem na Biblioteca Municipal de São Paulo –, essa segunda edição tornou-se a base das apreciações críticas subsequentes, apagando-se, assim, a estrutura significativa que a autora tinha dado às suas obras em volume – especialmente a Mármores-. Basta olhar o índice desse primeiro livro de poesia para perceber que a ordem e posição dos poemas obedecem a um desígnio: o livro abre e fecha com sonetos gêmeos, intitulados “Musa impassível”, e se divide em duas partes de extensão igual, separadas por traduções de Goethe e Schiller. A primeira parte e a última possuem poemas numerados de 1 a 18 e contrastam no tom, sendo a segunda a que traz as marcas decadentistas, apontadas por João Ribeiro. Da mesma forma, “Esfinges” é um livro planejado e não uma recolha. Inclui poemas de Mármores, mas o rearranjo produz novos sentidos para eles. O exemplo mais claro é a junção do primeiro e último soneto de “Mármores” num único poema, intitulado “Musa impassível”, composto agora dos dois sonetos que tinham esse nome no primeiro livro.
Bibliografia
Bom ler:
- “Francisca Júlia”, em O Suave convívio: ensaios críticos. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil, 1922; Ramos, Péricles Eugênio da Silva;
- Introdução em Francisca Júlia. Poesias. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1961;
- José de Souza Martins - http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-mulher-do-telegrafista,679139,0.htm;
- Parnasianismo - http://www.suapesquisa.com/artesliteratura/parnasianismo.htm;
- Conheça alguns poemas de Francisca Julia da Silva Munster em http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/francisca_julia_da_silva.html
Elisabeth Lorena Alves - Alguém que não gosta de ficar parada, mas que estaciona frente a um bom livro e sonha com as palavras. Posta no Elisabeth Lorena Alves ( www.eliselorena.blogspot.com.br)
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2 comentários
Parabéns por mais um texto e por acrescentar a mais na divulgação da cultura. Interessante o convite de missa do sétimo dia. bjs
Realmente JAne, interessante o convite. Encontrei no site do Estadão. Que bom que gostou de meu texto.
Gosto de sua Leitura e interpretação.
Abraços.
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