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Nós, que não somos como as outras [Stella Florence]

Nós, que não somos como as outras – capítulo 37 do livro “O diabo que te carregue!” de Stella Florence.

Você vai ao supermercado, elas estão lá. Vai ao cabeleireiro, elas estão lá. Você sai à noite, elas estão lá. Cacarejando. Eu me refiro às mulherzinhas.

Você já topou com uma, aposto. Uma, não, várias, pois essas criaturas andam em bandos, na maioria das vezes em duplas. Quer ver?

Estamos numa casa noturna qualquer, tanto faz, já que mesmo nos ambientes mais gostosos as mulherzinhas se infiltram sem pudor. Ali está uma delas. Ela empina o bumbum, ajusta o decote, joga a cabeleira, se acha a última Coca-Cola no deserto.


Um daqueles caras, com copinho na mão e olhar ansioso para catar alguém, se aproxima dela, fala alguma gracinha ao pé do seu ouvido, ela ri e cochicha com a amiga. Ele diz outra coisa, ela dá de ombros, faz cara de quem comeu e não gostou, levanta o queixo e pega uma bebida.

O cara continua com seu xaveco e ela, ora solta risinhos, ora faz caretinhas. Mulherzinhas funcionam no diminutivo. E suas vozes infantis se projetam cheias de glissandos. Ela resolve ir ao banheiro com a amiga, volta com o gloss brilhando e os peitos ajeitados no decote.

Ela joga o cabelo pra lá e pra cá – mulherzinhas precisam ter cabelo comprido (não é uma questão de querer, é uma necessidade) e não o cortam mesmo quando as madeixas estão maltratadas, horrorosas, pedindo desesperadamente uma tesoura.


O cara tenta beijá-la, mas ela desvia o rosto, ele tenta abraçá-la, mas ela sai do abraço, ele tenta mexer no seu cabelo, mas ela deita a cabeça no ombro da amiga, e faz tudo isso sorrindo aquele sorrisinho exasperante.


Por absoluta falta de paciência, encurtemos essa narrativa dizendo que, lá pelas tantas, quando o cara está exausto, a mulherzinha lhe concede um beijo. Dois ou três antes de ir embora. No máximo uma encoxadinha ali no canto e olhe lá! “Está pensando que eu sou o quê?”

A mulherzinha se faz de santa e tem um prazer sádico em humilhar os homens. Mesmo já sabendo, desde o primeiro bater de olhos, se ela vai ficar ou não com o cara, a mulherzinha o mantém em suspense – e nem precisa ser bonita, a canalha. Desejando-o ou não, ela faz o mesmo jogo, para se sentir gostosa, e ai de quem chamá-la de dominatrix. Ela diz nem saber o que é SM (sadomasoquismo), embora seja uma sádica de primeira.

A mulherzinha não está nem aí para os sentimentos dos homens, mas vive esganiçando que são os homens que não ligam para os seus sentimentos.


A mulherzinha se faz de difícil para um cara legal, mas vai se arregaçar toda para o primeiro cafajeste que a ignorar.

A relação que a mulherzinha trava com os homens, mesmo quando se casa com eles (principalmente quando se casa com eles), é de tortura e mutilação.

Nós detestamos mulherzinhas. Por quê? Porque nós, que não somos como as outras, temos de penar por causa dos traumas e condicionamentos que elas deixam nos caras legais. Porque nós, que não somos como as outras, temos de ficar explicando e explicando à exaustão nossas claras e honestas intenções – e mesmo assim não somos compreendidas. Porque nós, que não somos como as outras, tatuamos essa frase na pele para afirmar, com tinta e sangue, que nós jamais, jamais, jamais seremos mulherzinhas. E, ainda assim, nós, que não somos como as outras, sabemos: vamos continuar a sofrer (in)justamente por isso.




Stella Florence nasceu em 1967, é escritora formada em Letras e vive em São Paulo. Tem uma filha, 30 tatuagens e oito livros. É exatamente desse modo, objetivo e charmoso, que a autora de "Hoje Acordei Gorda" e "Ser Menina é Tudo de Bom", entre outros títulos, costuma se apresentar.

Um comentário

Jane Eyre Uchôa disse...

Aqui na minha terra isso tem outro nome...se chama PIRIGUETE! tem aos montes por aí e a melhor definição para elas é "uma mulher mais gostosa que você" rsrs, bem real mesmo. Ótimo texto, mto gostoso de ler.