RELÍQUIAS
A pergunta era: Qual a imagem mais remota que você tem lembrança em sua infância?
A primeira vez que ouvi de alguém essa pergunta, imediatamente exercitei minha mente a buscar bem no fundo de minhas lembranças uma imagem que eu pudesse classificar como a mais remota e por si mais preciosa. Incrível como não precisei de muito tempo, muito exercício ou muitos mecanismos de ajuda para encontrar. E por mim foi classificada como preciosidade:
Havia um clarão sobre mim. Ao fundo, no alto, era possível ver algumas ripas de madeira entrelaçadas, as telhas de barro, o telhado sem forro. Foi quando o rosto de minha mãe surgiu, olhando-me sobre a lateral do berço de madeira escura, à minha esquerda. Eu estava deitado e ela levou a mamadeira à minha boca. Porém, para sua surpresa, estiquei os minúsculos braços e fiz uma pressão para segurar o objeto que eu já conhecia. Minha mãe sorria, feliz e dizia: Olha só! Já consegue segurar sozinho a mamadeira!
Sempre faço uma viagem no tempo quando relembro essa cena. Não me é difícil vê-la agora para escrever, ou daqui a cinco anos, dez, pois a imagem sempre vem e virá com a mesma nitidez de detalhes e cores.Nada é esfumaçado, nebuloso. Mas límpido e perfeitamente reconhecível.
O quarto ficava na parte frontal da casa. Naquela época, não tínhamos forro no telhado e sempre à noite, era possível ver pelas frestas das telhas alguns pontos luminosos quando era lua cheia. A porta de entrada do quarto ficava do lado direito da sala e, na parede à sua esquerda, ficava encostado o berço (algum tempo depois, o espaço foi ocupado por um guarda roupas). A cama de casal ao centro do quarto, bem ao lado do berço. Se me fosse permitido, creio que seria possível visualizar quando a parteira me trouxe ao mundo, naquela cama de cabeceira treliça, de madeira robusta e bem escura.
Algumas vezes já comentei essa lembrança com minha mãe, obviamente que hoje em seus 83 anos, sua memória não é tão ativa quanto a minha e em todas as vezes ela responderia: Eu não me lembro disso. Mas eu sim. Como se fosse ontem.
E a partir dessa imagem, outras tantas me vêm facilmente. Algumas com clareza de detalhes e outras em flashes muito rápidos. Algumas já incorporei em meus textos, outras tornaram-se retalhos em tantos outros versos que escrevi. E eu agradeço à natureza generosa pela minha memória de infância tão preciosa. Relíquia feito a imagem mais remota de minha infância e que, antes que um dia eu viesse a esquecer, resolvi escrever. Deixar aqui esse meu registro.
E você? Seria capaz de lembrar de sua imagem mais remota?
Maria de Fátima Venutti ou simplesmente Fátima Venutti. Paulistana de Osasco. Reside em Blumenau desde dezembro de 2002. Formada em Letras, escreve desde os 11 anos. Pág. na internet: Fátima Venutti.
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