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A Natureza e Eu [Luciene Freitas]



A Natureza e Eu
Minha parcela em favor da preservação da Natureza pode não ser significativa diante da imensidão do mundo. Identifico-me com essa parcela por, também, não ser nada em presença no universo. Mas, preocupa-me ver as mudanças catastróficas que têm ocorrido nesses últimos anos e saber que o homem é o responsável por elas.
Quando criança brincava numa rua de terra, podia escorregar no cascalho e fazer cair chuvas de areia. Éramos felizes. O clima era bom. Não lembro de ouvir falar, com tanta freqüência, sobre inundações. As geleiras permaneciam no Pólo Norte, quietinhas.
O progresso vem traçando mudanças. As ruas foram calçadas! O clima ficou mais quente com a absorção do calor do sol nas pedras. Como se não bastasse veio o asfalto, o quente ficou escaldante.
O calor insuportável leva à necessidade de climatização artificial. Esse processo apressa a destruição do ozônio.
Estamos, em nome do progresso, condenados ao desconforto e porque não dizer a morte lenta. Imagino o que será dos que estão nascendo, que herança corrosiva deixamos pra essa gente que vai pegar o bonde quase no final da estação?
Sinto saudade das ruas arborizadas, de lugares com mais verde, de respirar o ar mais puro. Onde estão os pés de fícus de tantas cidades do interior, as castanholas da Avenida Mariana Amália, em Vitória, da Rua Francisco da Cunha, em Boa Viagem? Tombaram, violadas pela força de uma serra elétrica. A beleza desfalece diante de um imóvel de cimento.
Na orla marítima, em Boa Viagem, tivemos tantos coqueiros sacrificados em nome de uma calçada de tijolos. Os que restaram, quando grávidos de sabores, são abortados pelo afiado facão dos funcionários da prefeitura. Não consigo entender o descaso. Acredito em soluções coerentes.
Planto uma semente de fruta no espaço mínimo do meu quintal, em pouco tempo à natureza responde ao meu apelo. A terra fértil prestigia o meu gesto, engravida a semente, me presenteia com o milagre. Com gratidão recebo os frutos sazonados, eles vêm com o doce mais apurado, a polpa mais suculenta. É solene o recolhimento, minha alma se rejubila, nesse instante sou uma sacerdotisa em comunhão.
A terra, agonizante, continua generosa. Mesmo onde o fogo devora mangueiras, jenipapeiros, coqueiros e goiabeiras, faz nascer uma plantinha, acanhada, mostrando que ainda tem jeito.
O camponês, na cegueira da ignorância, agride a terra mãe, bota fogo no capim ao invés de fazer uma limpa com a enxada. O fogo prolifera, destrói o que não deveria destruir. A terra pede socorro.
Uma tristeza me invade ao pensar na alegria negada as crianças do futuro. Não faz muito tempo, no caminho de Vitória a Recife, precisamente no município de Moreno, existia uma floresta de eucaliptos. Além de bela, era o espaço característico da estrada. O perfume que se sentia a distancia era esperado pelos viajantes.
Perdemos a floresta. A consciência humana está dormente, uma névoa espessa encobre a visão do futuro, o imediatismo é insano.
Das janelas de minha casa assisto a vida acontecendo num ritual contínuo. Colibris fazem bailados harmoniosos, surpreendentes, circulando as flores. Borboletas enfeitam de matizes ambulantes as copas verdes, abelhas e besouros zumbem em comunicação. Pássaros me gratificam com manhãs de cantos. As flores do meu jardim são mais singelas porque vêm de uma gestação, passo a passo, acompanhada.
Bendigo a minha gota de sangue índio, me faz entender e amar a Natureza. Louvo o Deus da criação pelas maravilhas que nos oferta, por Sua presença até onde a vista alcança. 


Luciene Freitas - Prêmio Vânia Souto Carvalho de Ficção, pela Academia Pernambucana de Letras, em 2009. É pernambucana e tem publicados os seguintes livros: Explosão (poesias); A Dança da Vida (parábolas e contos); Mil Flores (poesias). Encenado no Teatro do SESC em 2004; O Sorriso e o Olhar (parábolas, contos e crônicas); Meu Caminho, textos para reflexão; Uma Guerreira no Tempo, (pesquisa). O resgate de uma época – 1903-1950; a vida e a obra da escritora Martha de Hollanda, primeira eleitora pernambucana. Premiado pela Academia Pernambucana de Letras, em janeiro de 2005; Viagem dos Saltimbancos Escritores pelos Recantos do Nordeste, (cordel); Mergulho Profundo, 264 pensamentos filosóficos; Brincando Só e Brincando de Faz de Conta, Vol. I e II da série No Ritmo da Rima; O Espelho do Tempo, romance de pura emoção; Sob a Ótica das Meninas, 42 contos de um tempo determinado. Tem trabalhos publicados em jornais e revistas do Brasil, Portugal e Argentina. Participações em várias antologias. Conta com alguns prêmios literários. Pertence ao quadro de sócios da União Brasileira de Escritores (UBE– PE); União Brasileira de Trovadores (UBT– PE); Instituto Histórico e Geográfico da Vitória, Vitória – PE; Academia de Letras e Artes do Nordeste (ALANE); Academia Vitoriense de Letras, Artes e Ciências da Vitória de Santo Antão; Grupo Literário Celina de Holanda. Membro correspondente da Academia Irajaense de Letras e Artes (AILA) Irajá / RJ e Academia de Letras de Itapoá / SC.

 





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