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A Viagem é um filme difícil de engolir [Tacilda Aquino]

A Viagem é um filme difícil de engolir

Com trama confusa e picotada, embebida de espiritismo e filosofia “A Viagem” peca pela ambição de seu trio de diretores


Tacilda Aquino
Especial para o Jornal Opção

Imagine um livro de ficção-científica que narra seis histórias diferentes embaralhadas (uma delas num mundo pós-apocalipse) em uma extensão de 500 anos ganhando versão para o cinema. Acrescente-se a isso um enorme elenco de astros sendo dirigidos não por um, mas por três cineastas diferentes e ainda interpretando pelo menos três personagens. Impossível de se imaginar? Não ten­te. Apenas assista “A Viagem”, dirigido pelos irmãos Lana e Andy Wa­chowski (da Trilogia “Matrix”) e por Tom Tykwer (“Corra, Lola, Corra”). Eles adaptaram o romance de Da­vid Mitchell “Cloud Atlas”, tido co­mo infilmável, por causa da capacidade imaginativa e filosófica do escritor. É na grande diferença entre literatura fantástica e ficção científica no cinema que está o problema de “A Viagem”. Enquanto nos livros estão a cargo da imaginação do leitor os universos descritos nas palavras, o filme obrigatoriamente tem que recriá-los em imagens. De­pendendo de como é feito, o resultado pode ser catastrófico.

Assim é preciso reunir paciência para acompanhar a trama confusa e picotada da ambiciosa produção que chama a atenção tanto pelos efeitos especiais quanto pelo trabalho dos atores na interpretação de múltiplos personagens. A história começa em 1849,  quando um homem de negócios parte em uma viagem pelos mares do Pacífico. Na Polinésia, contrai o que um médico diz ser uma verminose — diagnosticada a partir de uma marca na pele. Segundos depois a história salta para a Inglaterra da década de 1930, quando um jovem gay que exibe marca semelhante se torna assistente de um compositor. Após outro salto temporal, chega-se à história de uma jornalista dos anos 1970 que investiga uma conspiração em torno de um reator nuclear. Mais um pulinho e se cai numa trama ambientada hoje: após dar um golpe, um editor é internado num asilo.

Entendeu a história até agora? Espere mais confusão. Na terra pós-apocalíptica de 2346, astronautas convivem com caçadores-coletores que cultuam uma deusa primitiva. A mesma deusa foi alguém de carne e osso — embora sintéticos: um clone concebido para trabalhar numa rede de fast-food da Seul de 2114. A garçonete Sonmi-451 (a coreana Doona Bae) lidera uma revolta contra um regime totalitário pregando pérolas como: “Nossas vidas não nos pertence. Somos ligados uns aos outros no passado, presente e futuro”. São pequenos detalhes que conectam umas às outras, já que os enredos são bastante distintos.

O mistério cármico do filme é realçado pela repetição de atores. Assim o espectador vê Tom Hanks como o médico do século 19 até um criador de cabras no distante ano 2300, quando a humanidade retomou um estilo de vida pré-industrial vivendo da caça e coleta. E Halle Berry desdobra-se como a mulher do compositor dos anos 1930 e a jornalista dos anos 1970.  A seu favor, o filme tem justamente esse emaranhado de interpretações. Poucos atores além de Tom conseguiriam dar profundidade a seis personagens diferentes em uma mesma produção. Halle Berry também tem seus bons momentos, é preciso reconhecer. Hugo Weaving se sai bem como mulher e até Susan Sarandon dá tudo de si como uma anciã em uma sociedade pós-hecatombe.

A produção também tem suas curiosidades. Uma delas dá conta de que Tykwer e os Wachowski não trabalharam juntos. A filmagem foi dividida em duas equipes, com o alemão dirigindo as cenas de época e os irmãos cuidando do futuro de ficção científica. Tykwer adaptou o roteiro com supervisão dos Wachowski.  Vale dizer que isso não chega a atrapalhar a dinâmica do espetáculo e o que se percebe é a marca de cada diretor em cada parte da produção.

Contra o filme está justamente a história. Ou a forma com que as histórias são contadas. Elas vão e voltam de maneira misturada, exigindo atenção do espectador para uma frase, um sinal de nascença ou outro pequeno detalhe. Eles são as chaves da teoria defendida no filme. A estrutura do filme é um quebra-cabeça que deve ser montado por quem assiste. Sendo assim, caberá a cada um dar mais peso ou não para as questões filosóficas apresentadas ou para a forma como elas aparecem. Entre o passado, o presente e o futuro sempre haverá algo que se repete e conecta os seres humanos uns aos outros. A ideia de que todas as pessoas que nascem estão ligadas em um nível de alma, independentemente da geografia e do tempo em que vivem, dá forma à moral da história no discurso cinematográfico. Pena que os cineastas dão voltas demais para concluir isso. Chega a ser caótico. Às vezes monótono.

Tacilda Aquino é jornalista com especialização em cinema e educação.

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