Fernando Tavares Sabino (Belo Horizonte, 12 de outubro de 1923 — Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2004) foi um escritor e jornalista brasileiro.
Durante a adolescência, foi locutor de programa de rádio Pila No Ar e começou a colaborar regularmente com artigos, crônicas e contos em revistas da cidade, conquistando prêmios em concursos.
No início da década de 1940, começou a cursar a Faculdade de Direito e ingressou no jornalismo como redator da Folha de Minas. O primeiro livro de contos, Os grilos não cantam mais, foi publicado em 1941, no Rio de Janeiro quando o autor tinha apenas dezoito anos, e sendo que alguns contos do livro foram escritos quando Fernando Sabino tinha apenas quatorze anos.
Tornou-se colaborador regular do jornal Correio da Manhã, onde conheceu Vinicius de Moraes, de quem se tornou amigo. Esportista, bateu diversos recordes de nado de costas, sua especialidade, tornando-se campeão sul-americano dessa modalidade em 1939.
Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1944. Depois de se formar em Direito na Faculdade Federal do Rio de Janeiro em 1946, viajou com Vinicius de Moraes aos Estados Unidos, onde morou por dois anos em Nova Iorque com sua primeira esposa Helena Sabino e a primogênita Eliana Sabino.
O encontro marcado, uma de suas obras mais conhecidas, foi lançada em 1956, ganhando edições até no exterior, além de ser adaptada para o teatro. Sabino decidiu, então (1957), viver exclusivamente como escritor e jornalista. Iniciou uma produção diária de crônicas para o Jornal do Brasil, escrevendo mensalmente também para a revista Senhor.
Em 1960, Fernando Sabino publicou o livro O homem nu, pela Editora do Autor, fundada por ele, Rubem Braga e Walter Acosta. Publicou, em 1962, A mulher do vizinho, que recebeu o Prêmio Fernando Chinaglia, do Pen Club do Brasil.
Em 1966, fez a cobertura da Copa do Mundo de Futebol para o Jornal do Brasil. Fundou, em 1967, em conjunto com Rubem Braga, a Editora Sabiá, onde publicou livros de Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Clarice Lispector, entre outros.
Publicou O grande mentecapto em 1979, iniciado mais de trinta anos antes. A obra, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti, e acabaria sendo adaptada para o cinema, com direção de Oswaldo Caldeira, em 1989, e também para o teatro. Em julho de 1999, recebeu da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra.
Faleceu em sua casa em Ipanema (zona sul no Rio de Janeiro), vítima de T.A.F no fígado, às vésperas do 81º aniversário. A pedido, o epitáfio é o seguinte: "Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino!"
Obra
Os grilos não cantam mais - contos (1941, Pongetti)
A marca - novela (1944, José Olympio)
A cidade vazia - crônicas sobre Nova York (1950, O Cruzeiro)
A vida real - novelas (1952, Editora A Noite)
O encontro marcado - romance (1956, Civilização Brasileira)
O homem nu - crônicas (1960, Editora do Autor)
A mulher do vizinho - crônicas (1962, Editora do Autor)
A companheira de viagem - crônicas (inclusive crônicas de viagens) (1965, Editora do Autor)
A inglesa deslumbrada - crônicas (inclusive crônicas de viagens) (1967, Sabiá)
Gente - crônica sobre personalidades com quem Fernando Sabino teve contato (1975, Record)
Deixa o Alfredo falar! - crônicas (1976, Record)
O Encontro das Águas - crônicas sobre uma viagem à cidade de Manaus/AM (1977, Record)
O grande mentecapto - romance (1979, Record)
A falta que ela me faz - crônicas (1980, Record)
O menino no espelho - romance (1982, Record)
O Gato Sou Eu - crônicas (1983, Record)
Macacos me mordam (1984, Record)
A vitória da infância (1984, Editora Nacional)
A faca de dois Gumes - novelas (1985, Record)
O Pintor que pintou o sete (1987, Berlendis & Vertecchia)
Martini Seco (1987, Ática)
O tabuleiro das damas - autobiografia literária (1988, Record)
De cabeça para baixo - crônicas de viagens (1989, Record)
A volta por cima - crônicas (1990, Record)
Zélia, uma paixão - biografia (1991, Record)
O bom ladrão - novela (1992, Ática)
Aqui estamos todos nus (1993, Record)
Os restos mortais (1993, Ática)
A nudez da verdade (1994, Ática)
Com a graça de Deus (1995, Record)
O outro gume da faca - novela (1996, Ática)
Um corpo de mulher (1997, Ática)
O homem feito novela (originalmente publicada no volume A vida real, cf. acima) (1998, Ática)
Amor de Capitu - recriação literária (1998, Ática)
No fim dá certo - crônicas (1998, Record)
A chave do enigma (1999, Record)
O galo músico (1999, Record)
Cara ou coroa? (2000, Ática)
Duas novelas de amor - novelas (2000, Ática)
Livro aberto - Páginas soltas ao longo do tempo - crônicas, entrevistas, fragmentos, etc. (2001, Record)
Cartas perto do coração - correspondência com Clarice Lispector (2001, Record)
Cartas na mesa - correspondência com Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino (2002. Record)
Os caçadores de mentira (2001, Rocco)
Correspondência publicada
Cartas a um jovem escritor e suas respostas - correspondência com Mário de Andrade.
Cartas perto do coração - correspondência com Clarice Lispector (2001, Editora Record)
Cartas na mesa - correspondência com Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino (2000. Editora Record)
"Democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um"
Sou dono de uma verdade que não se traduz em palavras;
Sou inteligente, sei disso, mas minha inteligência não é capaz de iluminações nem de distribuir justiça.
"O QUE ELA É?..."
Ela foi, é e será sempre a maior intérprete da música popular brasileira, indiscutivelmente. Afirma-se isso, confirma-se isso, e não se sabe por que.
Por que será que ela, aquela morena da voz que bole com os nervos da gente, com tanto "it" quanto fama, com tanta personalidade quanto valor, por que será que ela não sofre jamais os desgastes do vento da adversidade, que sopra de rijo sobre todo o artista em certa época de sua vida?
Todo mundo que canta procura afinar a sua voz, ritmá-la, torná-la melodiosa, suave, franca, e mais um milhão de coisas que muitas vezes se não consegue. Carmen Miranda é diferente. Sua voz sai despreocupada, sem retoques, ela já tem o ritmo na voz e esta já é melodiosa sem o seu sentir. Aquela graça, aquele ar diferente que dela evolue, traçando no ar uma personalidade inconfundível para os ouvintes, são natos, ela já os possui, não são artificiais. Carmen Miranda pode cantar um samba a pensar numa fita de cinema ou num modelo de vestido, que ele sai tão perfeito como se fosse cantado com atenção, meditadas as notas, estudado o compasso. Não queremos com isso dizer que a música deva ser cantada displicentemente, "à bessa", como diria o vulgo! Ooooh, não! Queremos apenas salientar que todo o exagero, afetação, nervosismo, é prejudicial à interpretação. Esta, não deve tê-los. Deve ser como as interpretações de Carmen Miranda... O caso é esse, meus amigos: a sua voz não é a mesma em todas as interpretações. A Carmen Miranda de "Tabuleiro da Baiana", não é a mesma Carmen Miranda de "Paris". Imaginem se ela fosse cantar todos os seus sucessos da mesma maneira! Que monotonia, meu Deus! E agradeçam a isso os felizes compositores que conseguem uma Carmen Miranda para lhes cantar a música!..."
Rua Gonçalves Dias, 1 .458 Belo Horizonte Minas Gerais. FERNANDO TAVARES SABINO.
Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino
A útima crônica
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.
O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso."
Fonte:
Fernando Sabino
Todos os direitos autorais reservados ao autor.
Um comentário
Aprendi a gostar das belas crônicas de Fernando Sabino quando, trabalhando em um jornal, digitava os textos que chegavam uma vez por semana, via fax.
Mestre Daufen, obrigada pela qualidade de tudo que tem nos apresentado.
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