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AS AVENTURAS DE PI, DE YANN MARTEL [Isabela Lapa e Kellen Pavão]

AS AVENTURAS DE PI, DE YANN MARTEL

O livro conta a história de Piscine Molitor Patel, um garoto indiano que cresceu em meio aos animais e sempre teve muita fé. 
O seu pai, que deixou de trabalhar em um hotel para ser diretor de um zoológico, lhe deu este nome em razão das fantásticas histórias sobre piscina que lhe eram contadas pelo tio de Piscine. Entretanto, o nome causava inúmeros constrangimentos ao menino, que resolveu criar um apelido para evitar transtornos e se autodenominou Pi (a idéia deste apelido surgiu da matemática). 

Mesmo não tendo uma família muito presa aos valores religiosos, Pi possuía uma fé enorme e inabalável e pertencia a três religiões: era hindu, cristão e muçulmano. 

Um dia, em razão da crise econômica na Índia, seu pai resolveu vender os animais e se mudar. Com isso, eles decidiram viajar de navio até o Canadá. Ocorre que na viagem, o navio naufragou e os únicos sobreviventes foram Pi, um macaco, uma hiena, uma zebra e um tigre, chamado Richard Parker. Todos no mesmo bote salva vidas. 

O tigre, animal mais perigoso do zoológico era o maior motivo de preocupação de Pi e essa sensação de medo e pânico se fortaleceu quando todos os animais do bote morreram e ele ficou sozinho com o tigre. 

Em meio à dor de ter perdido a família e estar sozinho no Oceano Pacífico, sem previsão de ser encontrado, Pi ainda teve que conviver com o medo do tigre e descobrir uma forma de não ser devorado pelo felino. 

Ao mesmo tempo em que o medo do tigre era terrível de suportar, foi isso que manteve Pi vivo, porque em razão do animal ele precisou estar sempre atento. Isso sem contar que se manteve ocupado, criando técnicas de sobrevivência ao lado do animal.


À medida que os dias iam passando, Pi se questionava sobre as razões de estar vivo, sobre a sua fé e sobre a vida como um todo. Apenas em alguns poucos momentos ele perdeu as esperanças e teve vontade de desistir. Na maior parte do tempo ele foi forte, guerreiro e se manteve preso ao seu amor por Deus, Alá e todos os deuses em que acreditava. 

No final, Pi é resgatado no México. Apesar da felicidade em encontrar seres da sua espécie depois de tanto tempo solitário e perdido, ele convive com a dor de não ter se despedido do animal, por quem ele criou afeto, chegando, inclusive, a lhe atribuir traços de perfeição.

Ao ser entrevistado sobre o acidente lhe perguntaram acerca da sua sobrevivência. Quando contou a sua história, ninguém acreditou nele e, portanto, ele teve que contar outra versão.

A segunda versão, no entanto, era repleta de dor, de sofrimento, de luta pela sobrevivência, de morte e de crueldade. 

E é justamente aí que reside o encanto do livro: tudo aconteceu como Pi narrou ou não passou de uma metáfora que ele criou para sobreviver? O tigre existiu ou não passou de um instrumento psicológico usado por Pi para superar os seus limites, liberar os seus instintos e assim sobreviver?

A resposta a esta pergunta é pessoal e é preciso ler o livro para descobrir em que acreditar. 

A história é linda e comovente. É uma lição de fé, de garra, de vontade. A mensagem supera a idéia de religião e consegue tocar o leitor. 

Sobre a narrativa: 

O livro é muito bem escrito e tem poucos diálogos. Os capítulos são curtos, o que facilita a leitura e não torna a história maçante. 

Na primeira parte, o autor explica detalhes da vida de Pi: o nascimento, o nome, o motivo da fé, os conhecimentos acerca dos animais etc. Todas as explicações são extremamente essenciais para a compreensão das situações que ele vive no mar. Isso porquê, se não fosse o que ele já sabia antes, a sobrevivência seria impossível ou excessivamente milagrosa. 

Na segunda parte, que se passa com Pi no bote lutando pela sobrevivência, alguns momentos são cansativos (em razão dos inúmeros detalhes) e também existem partes repetitivas. Mas mesmo assim a leitura flui prazerosa e rápida. A história consegue prender o leitor. 

As reflexões de Pi e a forma como ele ora e explica as razões de querer sobreviver são sensacionais. É incrível a maneira que ele consegue encontrar felicidade mesmo em meio ao caos. 

Na terceira parte, ele é resgatado e conta sua história. Este é o momento em que descobrimos o poder da fé, da mente e da garra. 

Passagens interessantes:

Vou ser sincero. Não são os ateus que me irritam, são os agnósticos. A dúvida pode ser útil por um instante. Todos devemos atravessar o jardim do Getsêmani. Se Cristo lidava com a dúvida, devemos fazer isso também. Se Ele passou uma noite angustiado, rezando, se, lá na Cruz exclamou: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”, com certeza também podemos duvidar. Mas precisamos ultrapassá-la. Escolher a dúvida como filosofia de vida equivale a escolher a imobilidade como meio de transporte. (p. 43) 

Como diz Hediger (1950): “Quando duas criaturas se encontram, a que for capaz de intimidar sua oponente será reconhecida como socialmente superior, portanto, essa decisão social nem sempre depende de uma luta; um confronto, em determinadas circunstâncias, pode ser suficiente”. Palavras de um homem sensato. (p. 61) 

Quando o sol sumiu no horizonte, não foram só o dia e a pobre zebra que morreram, mas minha família também. Com o segundo pôr do sol, a incredulidade deu lugar à dor e à tristeza. Eles tinham morrido; eu não podia continuar negando isso. Como é duro para um coração admitir uma coisa dessas! Perder um irmão é perder alguém com quem se pode compartilhar a experiência de crescer; alguém que pode teoricamente lhe dar uma cunhada e sobrinhos, criaturas que vão povoar a árvore da sua vida e lhe dar novos ramos. Perder o pai é perder aquele cuja orientação e cuja ajuda procuramos; aquele que nos apóia como o tronco apóia os ramos. Perder a mãe, bom, é como perder o sol acima de nós. É como perder – desculpem, prefiro parar por aqui. (p. 155 e 156) 

Eu estava entregando os pontos. Teria entregado os pontos se não fosse uma voz que fez ouvir no meu coração. Essa voz dizia: “Não vou morrer. Eu me recuso a morrer. Vou sobreviver a esse pesadelo. Vou vencer as adversidades, por maiores que elas sejam. Consegui sobreviver esse tempo todo, milagrosamente. Agora, vou transformar o milagre em rotina. A cada dia vão acontecer maravilhas. Vou me empenhar ao máximo para que isso aconteça. É isso mesmo, enquanto Deus estiver comigo, não vou morrer. Amém”. (p. 180) 

Na verdade lhe sou grato. Essa é a pura verdade: sem Richard Parker, hoje eu não estaria vivo para lhe contar a minha história. (p. 198) 

O desespero era uma escuridão pesada que não deixava a luz entrar ou sair. Era um inferno absolutamente indescritível. Graças a Deus, acabava passando. Era um cardume que surgia perto da rede ou um nó que precisava ser refeito. Ou, então, eu lembrava da minha família que havia sido poupada dessa agonia tão terrível. A escuridão ia se abrindo e acabava desaparecendo, e Deus ficava ali, um pontinho de luz brilhando no meu coração. E eu continuava amando. (p. 250)


Isabela Lapa e Kellen Pavão – Administradoras do blog Universo dos Leitores, que fala de livros e de tudo que estiver relacionado a estes pequenos pedaços de papel que nos transferem do mundo real para o universo dos sonhos, das palavras e da felicidade!

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