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O morro [Ridamar Batista]

Morro da Fazenda Canta Galo-Lima Duarte-MG
O morro


Quando eu era menina o morro era apenas uma fantasia.
Ninguém ousava desvendá-lo.
Todos os segredos que podia conter a mente humana ali se escondiam.
As árvores frondosas acolhiam os pássaros e animais selvagens e as águas corriam ainda virgens por entre as pedras.
De lá só ouvíamos muito raramente algum barulho de pássaros ou animais. Trovoadas benditas quando previam as chuvas e pouco mais.
Quando era tempo de chuva ficava ainda mais lúgubre. As árvores gemiam de frio. Os caminhos tortos e traiçoeiros ficavam mais perigosos, as pedras rolavam ladeira a baixo e deixava tudo um verdadeiro caos.
Quando uma ou outra vaca se perdia pelo morro, era um Deus nos acuda.
Os empregados da fazenda morriam de medo de ir em busca do bicho desviado.
Tanta história mal assombrada contavam por ali.
Entre a cidade, o morro e a fazenda eram apenas alguns quilômetros de estrada estreita e lamacenta no tempo de chuva e empoeirada e cheia de folhas secas no tempo de verão. Para nós meninos, longe demais.
Havia um rancho velho onde ninguém ousava entrar. Contava-se que ali havia suicidado um jovem apaixonado por haver perdido seu grande amor. Diziam que qualquer um podia ouvir seu choro triste quando por ali passavam e que ele aparecia todo descabelado e nu e pedia ao transeunte desavisado para lhe trazer a tal moça. Maria Polucena …
E dizem também que a tal moça nem era assim este pendor todo. Era vesga e gaga e além do mais puxava de uma perna. Muito feia. Igual que o nome. Mesmo assim ganhara tão grande amor ao qual trocou por outro forasteiro com quem foi-se embora para sempre.
Havia nos beirais do rancho velho uma moita de erva de fazer chá da qual ninguém queria saber. Falava-se que se dela bebesse o chá teria pesadelos à noite e acabava ficando louco. Era enfeitiçada.
Lá de cima do morro surgia muita história, cada qual que de lá voltava trazia uma lenda. Homem de duas cabeças, homem sem cabeça, homem que virava lobo nas noites de lua cheia e tantas mais.
Tinha também um caso escabroso de crianças que desapareciam meses inteiros e depois reapareciam desnutridas, tristes e infelizes e que nunca mais voltavam a ser as mesmas.
Uma delas conseguiu relatar o que passara, mas foi proibida de contar para mais ninguém. Contou ela para sua mãe que havia lá no morro uma pequena fresta numa pedra que entrava para uma grande sala toda colorida de pedras e musgos e um tapete onde dormia.
Por mais que tentasse a mãe, a menina não conseguia se lembrar de onde e nem como havia chegado lá. Dormia e acordava sem saber de nada.
Sentia fome e sede e nunca via ninguém por perto.
Um dia sem saber como despertara ao pé do morro e ouvira o barulho das águas do rio rolando ali perto. Conseguiu aproximar e beber água. Se fortaleceu e voltou para sua casa.
Isso tudo ouvíamos contar quando eu ainda era uma menina, quem sabe para que nunca ousássemos subir o morro tão rico de encantos, frutas deliciosas e belas cascatas.
Havia também o canto da jaó que enfeitiçava os homens e os levavam cada vez mais dentro da mata. Alguns nunca mais voltaram. Será que foram mesmo pro morro? Ou pegaram a estrada para outas bandas, fugindo talvez de uma vida malfadada e triste? Coisas de cidades pequenas, onde pouco se sabia do mundo lá fora ou da vida em outras plagas.
Eu cresci, fiquei adulta e fui embora conhecer o mundo. Que diferença!
A cidade também cresceu, ficou adulta e recebeu gente do mundo afora.
O morro totalmente desvirginado hoje já não possui os encantos mágicos de meu tempo de menina, porem ficou bonito todo modernizado pelas grandes mansões que lá fizeram os forasteiros.
Em troca do gozo intenso de uma visão paradisíaca, cada um foi desvirginando os encantos do nosso morro.
 
Maldita ou não ela ficou na história para ser lembrada. O morro desvirginado e feio, com grandes feridas abertas pelas estradas largas por onde podem passar os turistas, migrantes, emigrantes e imigrantes, todos no afã de conhecer um mundo ainda desabitado das gentes ávidas por explorar o que não deviam assim o morro já não têm mais tanta beleza e nem tanto mistérios.
É certo que os meus mistérios são bem infantis, pois me foram contados quando eu ainda era criança porem fico olhando as crianças de hoje, de olhos presos em telas de computador, jogando jogos horrorosos e violentos, que história terão para contar? Sequer olham para o morro com a mesma admiração com que olhávamos cada vez que ouvíamos uma das suas histórias.
Queira Deus não venha desabar o morro como outros do mundo a fora por onde andei. Na velocidade com que vejo ser ocupado não demora nada também balançar as bases e jogar fora tudo que lhe aborrece. Tal como a gente de minha terra, meu velho morro querido também não leva desaforos para casa.


Ridamar Batista. Poetisa com experiência em versos soltos e modernos. Leveza e sonoridade, ritmo e doçura. Escreve desde menina. Também tem obras escritas em contos e crônicas que abrangem o cotidiano de maneira suave. Um romance (Desabafo ao Vento) no qual aborda temas polêmicos de maneira clara, aceitando-os com naturalidade e redimindo as mulheres afetadas pelo racismo, e preconceitos imorais. Inédito. Participa de vários sites na internet e trabalha em conjunto com grupos na intenção de melhorar a qualidade humana. Sua biografia está no Google, onde tem quase toda sua obra apresentada. Membro efetivo da Academia de Letras do Brasil, com indicação de sua Presidente atual Vânia Moreira Diniz, Presidente da Academia de Letras do Brasil-Anápolis ALBA,  membro da Academia de letras de Anápolis- ANALE, membro da aBrace, membro da AVBL (Academia Virtual Brasileira de Letras).Grafóloga formada pela Escola espanhola de grafologia PSICOGRAF. Livros publicados: “Palavra Perdida” (poemas) e “Enquanto cantam as cigarras” (crônicas).

Um comentário

Anônimo disse...

Encantador. Aplausos.