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Outono [Raul J.M. Arruda Filho]

Outono

Folhas caindo das árvores – essa é a imagem típica do outono. Artistas plásticos e poetas adoram essa época do ano. É um daqueles momentos em que o talento serve de inspiração para descrever a transição entre a superficialidade dos amores de verão e a solidão do inverno.

A paisagem vai ganhando novas cores, mais sombrias, mais próximas da realidade. Nuvens encobrem o sol, que rapidamente se torna uma réstia, como se fosse a visita de um amigo distante − desses que nos alegram com a presença durante um ou dois dias e que, depois que partem, demoram a voltar. 
O resto do tempo será frio, triste e melancólico. Chuvas súbitas no meio da tarde. O céu plúmbeo é uma constante – algumas vezes, irritante. As noites são mais longas e começam mais cedo. Nao há o que impeça o frio.

Cabernet Sauvignon, Malbec, Merlot, Carmenère, Pinot Noir, Syrah, Tannat − como se fossem versos de um poema épico, essas palavras mágicas são recitadas na embriaguês produzida pela muralha de gelo que o outono começa a construir ao redor de nós. Com uma taça de vinho na mão, o mundo se abre em emoções e sentimentos, o romance encontrando formas de unir homens e mulheres.
A ditadura dos corpos perfeitos ficou para trás. Durante um ano estará ausente. Talvez seja recordada pelos saudosistas, ao folhearem as páginas de velhas revistas. Nesse momento nostálgico, a eterna vontade de morar no Norte ou Nordeste acenará como se fosse um bilhete de loteria premiado.

No outono, as pessoas ficam mais elegantes. Escolher um casaco ou alguma roupa de lã implica em entender que a vida é mais complicada do que o abrir e fechar as portas do guarda−roupas. Cada vestimenta, cada acessório, é um aditivo para a libido. São esses pequenos truques da sedução que permitem gozosos vôos da imaginação. Despir−se é mais excitante do que estar despido. 
No outono, a felicidade está nos pequenos gestos, nas surpresas do amor: dormir de conchinha, um beijo pela manhã, caminhar de mão dadas.

O outono é uma espécie de estampa de cartão−postal, que estava perdida dentro de caixa de sapato, entre contas de luz e recibos de condomínio. Depois de espanar a poeira, depois de escolher um lugar para colocá-la na parede, é hora de viver uma das épocas mais interessantes do ano.

Durante três meses, o outono acompanhará o existir – enquanto as folhas caem. 


Raul J.M. Arruda Filho, 53 anos, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”. 
Todos os direitos autorais reservados ao autor.

Um comentário

Anônimo disse...

Minha estação preferida. O vento, nas tardes outonais, traz "cheiros" de dias distantes, envoltos em mágicas cores. Belo texto!