A gafe da Estação Primeira de Mangueira. Cuiabá é muito mais![daufen bach.]

A  gafe da Estação Primeira de Mangueira. Cuiabá é muito mais!

Antes de qualquer argumentação, preciso dizer que não nasci em Mato Grosso e que não resido em Cuiabá, tampouco tenho conhecimento profundo da cultura cuiabana, mas adotei esse estado, essa gente e essa cultura como terra do meu coração. Desde que aqui cheguei, a 15 anos, tenho estudado e lido sobre os fazeres locais e a grande riqueza cultural que aqui existe.

Ontem, ansioso para assistir essa história sendo contada na passarela do samba, fiquei profundamente frustrado e envergonhado com tantas gafes apresentadas, com a imagem mostrada de Cuiabá. Frustrado por não ver a verdadeira história na Avenida e envergonhado pela ignorância apresentada ao mundo todo. Qualquer um que chegar a Cuiabá, salvo um detalhe menor ou outro, verá que não é nada daquilo.

Alguém pode me perguntar: O que tu tem a ver com isso Poeta? Respondo: Sou educador, tenho compromisso com meus alunos e o compromisso social de cobrar, pois foram impostos dos cidadãos desse Estado, das famílias cuiabanas que pagaram aquela apresentação fictícia, digna de saga holywoodiana, uma piada que caberia nas Fábulas de La Fontaine  e tenham certeza, não era isso que o povo cuiabano esperava, não foi essa imagem que queriam vender... o fato de não ser cuiabano ou de não ter nascido nesse estado, não descredibiliza a minha argumentação, pelo contrário, eu também vim de fora e nem por isso ignorei a cultura. 
A nossa terra é a terra em que moramos.

É inegável a perfeição da Escola em seu desfile, a beleza das fantasias, o primor da harmonia e paixão dos membros ao cantar o samba, uma pena que tudo isso seja, numa perspectiva muito positiva, muito  “fantasioso” e como  eu disse anteriormente, uma historinha de ficção, para não dizer desrespeito por uma cultura tão rica e miscigenada. O enredo me lembrou alguns alunos malandros que eu tive e que, na elaboração de seus trabalhos, iam recortando pedaços de textos na internet e colando, sem verificar se aquilo era verdade ou não, se a fonte era segura ou não, e colocavam uma capa bonita e apresentavam como a mais perfeita pesquisa... Uma lástima o trabalho de pesquisa da querida Estação Primeira de Mangueira.

Elementos básicos que compõem  a cultura local como a Viola de Cocho, o Siriri, o Cururu, o pequi, o calor escaldante da terra, a linguagem típica cuiabana, as artes plásticas tão ricas e representadas internacionalmente por artistas cuiabanos, como a arte Naif, por exemplo, foram simplesmente ignorados no contexto. Personagens locais expressivos como Manoel de Barros, Dante Martins de Oliveira, Liu Arruda, Maria Taquara, Tereza de Benguela, Clóvis Irigaray,Moisés Martins, o décimo sexto  Presidente Brasileiro Eurico Gaspar Dutra, as grandes tribos indígenas e muitos outros, artistas e anônimos que retratam essa imensa cultura, sequer apareceram no desfile, Os povos, todos, que originaram Cuiabá e por consequência colonizaram todo estado, ficaram anônimos. As abordagens relativas aos biomas e aos sabores cuiabanos foram muitos superficiais... não disseram nada de nada. Uma das alas mostrava índias seduzindo desbravadores, utilizando-se de cabeças de pacus! Santa ignorância! Indíos seduzindo “civilizados”? Como diria o Presidente Lula em seu mais famoso jargão: “Nunca na história” desse PLANETA ouvi dizer que índios e  índias utilizavam da arte da sedução para atrair seus conquistadores! Entendo, como dizia aquele personagem do José Wilker em uma das novelas globo, que “o tempo urge e a Sapucaí é grande”, mas nada justifica erros crassos de uma ignorância tão explicita. 

O que assisti foi um desfile de gafes culturais como Bumba Meu Boi, ‘noivas-defuntas’, peixes da Amazônia e até um Jequitibá de Mato Grosso que não sei de onde apareceu. O povo de Cuiabá não sabe disso não! Ouvi uma integrante da Escola dizer a um repórter da Globo quando indagada sobre o que ela imaginava ser Cuiabá, responder que, aqui, era uma grande floresta! Ora! Cuiabá é capital de um Estado celeiro em grãos, onde se produz a melhor carne do Brasil, rico em ouro, diamante, minérios e madeira, capital de um Estado de imensas belezas naturais e de três biomas fantásticos com fauna e flora diversificada, de um estado onde se tem instalado o maior assentamento de Reforma Agrária da América Latina e onde, até bem pouco tempo, tinha o maior produtor de soja do mundo. Cuiabá é capital de um Estado onde, recentemente, o PIB de uma cidade  interiorana  foi o maior do Brasil! 

Floresta?! Sim! Nos orgulhamos de nossas florestas grandiosas, mas aqui não existem apenas florestas ou lendas que rendem uma boa história pra Avenida, aqui existe um povo que no final da década de 70 e década de 80, principalmente, foi conclamado pelo governo federal à desbravar suas terras para garantir as fronteiras brasileiras... na avenida, no enredo da Mangueira, a capital desse Estado não existiu, foi transformada em algo exótico e sem história, uma chacota para redes sociais.

Além de tudo o que eu já disse, Cuiabá é uma das capitais mais simpáticas que conheço, tem um povo simples, gentil e hospitaleiro que sorri a todo momento e atendem com a presteza dos mais nobres anfitriões. Uma cidade evoluída, dona de grandes riquezas e alta tecnologia... um lugar onde se encontra tudo o que se procura e sempre nos dá, como brinde, um sorriso verdadeiro.

Fica a dica para as Escolas de Samba que buscam recursos e fazem seus carnavais patrocinados, vendendo a imagem de um povo, de uma cultura ou instituição, vocês estão prestando serviço, então, façam bem feito, pesquisem! Percebemos as gafes, não nos atemos apenas a peitos, bundas e músculos, afinal é nossa cultura que está sendo mostrada! Numa próxima vez os contratantes podem dizer que são incompetentes e não contrata-los mais.

Para quem compra, principalmente instituições públicas, prestem atenção, é o dinheiro do povo e utilizar o dinheiro do povo para ridicularizá-los, é algo perigoso. Se contratam, se pagam os serviços, fiscalizem e sejam inteligentes quando assinarem esses contratos. O povo e sua cultura merecem respeito!

daufen bach. Escritor, Poeta, Jornalista, Professor, Editor, Antologista  e Técnico em Gestão Educacional em ·Novo Mundo (Mato Grosso)  desde Fevereiro de 1998 até o presente.