Doação
Ela poderia até acreditar em horóscopo. Poderia ser dessas que confere o que os astros revelam para ela todas as manhãs, mas escolheu o lado prático. Não tinha lá muito tempo para essas coisas de estrelas.
Ela poderia ser do signo de Peixes e dizer que se doava assim para os outros em função da influência astrologia. Esse discurso estava na moda. Sempre na moda.
Naquela manhã ela até pensou em ler as previsões do dia ou da semana, só para quebrar a rotina. Ia desprezar o caderno de política, economia, cultura educação e tal. Pensou em permitir-se encontrar nos blá-blá-blás nossos de cada constelação, mas logo isso passou.
Sabia que não era de Peixes. Sabia que o signo era outro e já havia lido muito sobre isso. Sabia até qual era o seu ascendente. Em alguns tempos ela até pensava sobre a ideia de se ter um planeta regente, mas gostava mesmo da ideia de ter um planeta para si: e, se, ela pudesse sair desse mundo e dar uma volta em Plutão? Observar o planeta azul lá de longe, dos confins, da escuridão deveria ser divertido.
Se ela ainda se deixasse acreditar nessas influências, talvez, faria sentido quando alguém a chamava de volta à Terra, solicitando a sua partida do mundo da Lua imediatamente.
Mas ela não acreditava em nada disso. Ela só acreditava em três coisas: nela, no amor e na doação. Em cima dessas três palavras vivia seus dias a trancos, barrancos, atropelos e acertos.
Tinha o hábito de acreditar em tudo o que fazia. De sonhar mais alto, de traçar os planos sem régua nem compasso, buscando originalidade e apostava as suas fichas nesses riscos.
Amava. Ela julgava amar demais. Era julgada por amar assim. Algumas vezes era chamada a deixar de lado a sua fé na vida, a sua alegria e a viver de modo mais condizente com a sociedade. E ela detestava isso. Não conseguia entender como as pessoas poderiam viver sem amor.
Ela amava demais. Chegava a transbordar pelos olhos. Chegava a encher a boca cheia de dentes e sorrisos e a empurrar-se goela abaixo daqueles que ainda cultivavam o desamor. Ela amava tanto que sentia o peito doer. Amava ver o dia nascer e as cores que o céu ganhava com a chegada do sol. Amava o cair da noite, o soprar dos primeiros ventos mais frios da madrugada, as estrelas luzindo, risonhas, e compadecendo-se da Lua tão solitária e apaixonadamente brilhante e paciente no céu, aguardando anos por um encontro rápido e lindo com o Sol.
Ela amava as pessoas. Especialmente as que a rodeava. Amava o cheiro delas em suas roupas depois de um abraço. O cheiro de café que entrava pelas narinas toda vez que ela tinha boas conversas sem hora pra acabar. Não abria mão de olhar nos olhos e reparar bem no brilho que eles tinham. Amava o brilho dos próprios olhos quando o telefone tocava e era pra anunciar uma saudade. Ela amava. Era demais. E por isso se doava.
Doação. Muitas vezes essa palavra nem estava na ordem do dia, mas ela, sem se dar conta, doava-se. Abria-se para os outros como um livro abre-se ao leitor, expondo suas entranhas, deixando-se ver como uma fratura exposta deixa a carne aberta. Ela rasgava o seu peito todas as vezes que alguém o solicitava. Sim, ela sentia dores. Ninguém abre o seu peito e tem o coração pulsando nas mãos dos outros sem sentir dores. Sem mágoas, sem decepções ou ressentimentos. Ainda que esses fossem consigo mesma, mas ela não se cansava. Não conseguia parar de doar-se.
Já tinha jurado solenemente que pararia de estar sempre disponível, sempre ao alcance das mãos, ao alcance de um telefonema, de um chamado, mas era inevitável. Era partia disposta a colaborar seja lá que horas fosse. Seja lá para quê fosse. Ela se doava.
Jorrava de seus atos um quê de necessidade de agir assim. Era maior do que ela, como se ela fosse uma fonte abundante e inesgotável de dedicação, de atenção, de carinhos e presteza. Como uma fonte, transbordava e escorria por veios diversos, deixando-se beber por quem precisasse, por quem assim o desejasse. Ela doava o seu amor, a sua confiança em si e nos outros.
Ela bem que poderia ser do signo de Peixes. Bem que podia ser de qualquer outro, mas há muito tempo, decidiu ser do signo do bem-querer e assim, deixava-se iluminar pela luz que saia de seus próprios olhos quando era feliz e, ao longo de seus dias, já havia aprendido a ser feliz mesmo quando se sentia triste.
Dy Eiterer. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Edylane é Edylane desde 20 de novembro de 1984. Não ia ter esse nome, mas sua mãe, na última hora, escreveu desse jeito, com "y", e disse que assim seria. Foi feito. Essa mocinha que ama História, música e poesia hoje tem um príncipe só seu, seu filho Heitor. Ela canta o dia todo, gosta de dançar - dança do ventre - e escreve pra aliviar a alma. Ama a vida e não gosta de nada morno, porque a vida deve ser intensa. Site:Dy Vagando
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário