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Poemas Inéditos [Luiz Carlos "Barata" Cichetto]

Cem Folhas

(Eu trago comigo um par de cadernos
E cada um deles tem certas cem folhas.
Nelas eu anoto todos meus sonhos eternos
Marcando em cada uma minhas escolhas.)

"Na outra linha, parágrafo, dois dedos da margem!" Ordenou a mestra de pernas cruzadas sobre a mesa. E eram belas as pernas debaixo daquela mini-saia. E eu a comia com a mão todos os dias depois da escola.

Eu tinha comigo um par de cadernos com capas de papel amarelo. Em cada um deles, matérias de escola. Mas em ambos, rabiscados na margem, no espaço dos dois dedos, nomes de meninas de mini-saias, uniformes de colegial, que depois das aulas, eu lembrava trancado no banheiro.

Os cadernos tinham cem folhas, mas depois de algum tempo, algumas eram arrancadas e usadas para limpar meu esperma ainda incolor. E os nomes das meninas e da mestra iam parar no cesto de lixo, junto com o esperma, meus sonhos e minhas escolhas...

À margem das folhas, onde eu anotava com letra miúda as minhas escolhas. Eu agora sabia escrever, e jamais as mestras e as colegas de escola e suas mini-saias estariam imunes à minha caneta... E a minha punheta.

(Tenho poemas escritos sob todas as formas.
Em letra de forma, escritos fora das normas.)

Depois de mais de quarenta anos, as quatro da manhã eu perco o sono. Onde andam minhas folhas, por onde andam minhas filhas? Não tenho folhas, nem filhas e agora? Onde andam a mestra e as alunas? Ainda usam suas mini-saias? Resta o computador, monstro negro, inerte e silencioso! Sem punhetas, sem professoras  e sem alunas de mini-saias. Apenas o computador. E poemas sem forma nem formato. Digitados em um teclado cujas teclas estão apagadas de tanto usar.

Pobre computador!

Penso na morte e sobre o quanto eu a conheço! "Prazer em conhecê-lo!", disse ela quando apagou a luz e tirou a roupa. Seus lábios estavam pintados e lambuzados de esperma. Não tinha uma foice nas costas, mas marcas de dentadas e unhas. E eu disse: boa noite, Morte! Até amanhã! Durma com os anjos!

Pobre Morte!

Deixei uma nota de cinquenta em cima da mesa de cabeceira e sai, fechando o cinto e me perdendo pelas esquinas da noite. Até amanhã!

Pobre eu!

Um Poema Em Cada Esquina
Barata
Cichetto

Existe um poema em cada esquina, esperando, parado
Vestido como puta arrependida ou travesti desesperado
Um poema em cada esquina, nu igual mendigo imundo
Ou feito a água da sarjeta, a mesma que lava o mundo.

Um poema em cada esquina, no desastre de automóvel
Poema na criança da esquina que pede esmolas imóvel
Há poemas nas esquinas quanto existe poema nas ruas
Que se dobram umas perante as outras avenidas cruas.

Há um poema esperando em cada esquina, escondido
Esperando um poeta, uma puta ou mendigo encardido
Que lhe puxe pelas mãos e retire do buraco do esgoto
Ou que lhe chute nos bagos e arranque ao seu escroto.

Que há um poema gritando em cada esquina não duvido
Mas tanto quanto choro de mendigos, poucos tem ouvido
E há tanto poema numa esquina quanto dentro da latrina
Mas não tem Poesia em gente morta parada nas esquinas.
 
Da Dupla Gênese
Barata Cichetto

Resignado, coloco a cabeça sob o ferro da marreta
Ou atiro meu corpo inteiro sob as rodas da carreta
Estou morto há muito tempo e agora é apenas esperar
Apenas a forma do acontecimento sem me desesperar.

Ainda nem sou ancião, mas sinto o peso cruel da idade
E não é pelo físico nem o cansaço, mas pela crueldade
Com que tratam a mim nesses tempos de esquecimento
Em que lembrar dos defeitos é fator de enriquecimento.

Lembram de mim, filhos espertos de dúbia concepção
Recordam o meu fim diante da total e cruel decepção?
Acaso sabem o gosto da merda que engoli sem hesitar
Junto com desgosto do silêncio que ingeri sem vomitar?

Mas não espero, prestes a completar cinquenta e cinco
Nada além de ser apenas a poeira numa caixa de zinco
Nas suas memórias, apenas a lembrança torta crescer
E a minha história nas mentes ingratas de frio perecer.

Mas não se matam os bois, no açougue e no cativeiro
E não se prendem os pássaros mais bonitos no viveiro?
Libertem os dois, soltem as cabeças a comer na grama
Que eu os liberto da sanha de fazedor de riso o drama.

Mas o que tem a ver os pais velhos com pássaros e bois?
Nada ou quase tudo: pássaros belos e o outro são dois
Pois os outros são os bois sem berro e os pais sem couro
E se de um se perde o berro, e do outro se perde o ouro.


Nil

Barata Cichetto

As minhas mágoas tem o tamanho do meu verso
Pois minhas chagas tem a dimensão do universo
As águas que correm desfazem das pedras o limo
E as mágoas liquidas refazem aquilo que sublimo.

E eu sou um zero, sou o nada, o vazio e o oco
E o zero não é o quase, o zero não é o pouco
Zero é buraco, negro, branco, de qualquer cor
O zero é a resposta e a pergunta, zero é indolor.

"Quem não tem nada, nada tem a perder", agora
E nada ter a ganhar, a praga que comigo vigora
E se sou o zero e sou nada, tenho o nada para ser
E a partir do zero até o infinito tenho para crescer.

Meus versos tem o tamanho da minha tristeza
E são eles o tamanho exato da minha riqueza
Pois ser um poeta é o que eu tenho por meu ofício
E com ele ganho o universo, a morte e o sacrifício.




Luiz Carlos "Barata" Cichetto
Escritor, Poeta, Webdesigner, Artesão, Editor Artesanal e Webradialista
Telefone: (11) 2554-5648
Celular: (11) 96358-9727

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