O APAIXONADO JAMAIS ADIA ENCONTRO [Fabrício Carpinejar]
Arte de Fatturi
Quem está apaixonado não desmarca encontro.
Cancela trabalho, família, viagem, mas não suspende compromisso.
Assume prejuízo, enfrenta chefia, suporta calado todos os dissabores, mas não abre mão. Não nega o que foi firmado.
Mesmo que tenha trocado o mês ou se confundido com a data, assume o erro como acerto e segue em frente. Troca de turno com colega, compra amigos, arruma atestado médico.
Quem está apaixonado jamais desmarca encontro. Nem altera horário. Não tem coragem de pedir para que seja mais cedo ou mais tarde. Não é capaz de reivindicar 10 minutos a mais ou a menos. Não mexe no assunto. Não adapta planos. Não negocia prazos.
Aceita a data como um desígnio. Uma audiência de Justiça. Uma convocação da Receita Federal. Se não for, tem a sensação de que será preso, condenado por esnobar o amor.
Não brinca com a autoridade do encontro. Receia que não aconteça de novo, não arrisca zombar do destino. Não oferece chance ao azar. Teme um imprevisto, penteia o calendário, apressa o relógio e o coração.
Vive o transe de ser feliz, a hipnose de não pensar em um segundo plano.
Quem está apaixonado não arranja desculpa, inventa saídas.
Quem está apaixonado não se presta a solicitar fiado, paga à vista.
Só aquele que realmente não sente saudade é que adia encontro. Se o café é sempre postergado é que falta vontade.
Adiar compromisso é sinal de desamor. Não precisa de mais nenhuma prova. Não há aquele interesse máximo, aquela tara, aquela dependência.
O sujeito pode ter uma justificativa nobre: imposição do emprego, doença, tragédia. Nenhum pretexto servirá para remendar a esperança.
Não se mexe em encontro entre apaixonados. Deixa para adoecer depois, deixa para morrer depois.
Se alguém liga para reagendar sacrificou a paixão. É aviso fúnebre, é velório da voz. Significa que não está realmente a fim. Demonstra que tem um interesse passageiro, efêmero, pouco sério.
O apaixonado enlouquece com a simples hipótese de não ver mais o outro. Não vai estragar a importância do enlace, diminuir a expectativa, mostrar desapego.
Eu fiquei imensamente eufórico ao lembrar que nunca desmarquei nada com minha mulher, Juliana.
Fui me gabar para ela:
- Amor, jamais cancelamos nenhum encontro entre nós, não é legal?
Juliana me analisou com desconfiança:
- Fabrício, a gente só teve um encontro e não mais nos desgrudamos.
Eu percebi que a tática para não sofrer com atrasos e remanejos é permanecer junto desde o primeiro beijo. E não se soltar mais.
Foi o que eu e Juliana fizemos.
A paixão é um sequestro. O amor é quando pagamos o resgate.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 14/07/2013 Edição N° 17491
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