As fantasias de Robert
Crumb
Quadrinista se diz
constrangido com histórias que chama de 'doentias', reunidas em antologia que
sai no Brasil
RAQUEL COZER
COLUNISTA DA
FOLHA
O risco de colocar todas
as fantasias sexuais no papel é que décadas depois elas podem voltar para
assombrar você. Aconteceu com Robert Crumb, quadrinista americano que entrou
para a história por causa dessas perversões.
Quadrinhos como "As
Aventuras do Nariz-de-Pica" (1969), sobre um rapaz perseguido por meninas
sem "um pingo de decência" devido a sua anatomia nasal, integram a
mais recente antologia do autor no Brasil, "A Mente Suja de Robert
Crumb" (Veneta), que chega às livrarias no fim do mês, com seus trabalhos
mais, como diz, "doentios".
Hoje, prestes a completar
70 anos, no dia 30, Crumb diz se sentir constrangido por parte daquelas
histórias.
Antes de iniciar a
entrevista por telefone à Folha, do sul da França, onde vive desde 1991, o
cartunista pergunta o que a reportagem achou do material. Diz que "a
maioria das mulheres não gosta dessa parte" de sua produção. "Não as
culpo, não vejo por que deveriam gostar."
Ao mesmo tempo, acha graça
de reações que as histórias despertaram.
E ainda despertam. Dias
atrás, o editor Rogério de Campos precisou conseguir uma gráfica de última hora
para o livro, depois que a Cromosete viu o conteúdo e desistiu de rodar o
material. Procurada, a gráfica informou que não imprime quadrinhos (embora
tenha impresso há pouco a HQ "Stieg Larrson: Antes de Millenium", da
própria Veneta).
Leia trechos da entrevista
com Crumb.
Folha - Na apresentação do
livro, o sr. diz se arrepender de algumas de suas histórias. Qual sua sensação
ao ver esse trabalho mais pervertido reunido?
Robert Crumb - Estou
velho, não tenho mais aquela raiva e paixão. Algumas das coisas que fiz quando
jovem me soam tão cheias de raiva. É embaraçoso. Penso: O que estava passando
pela minha cabeça?'. Ao mesmo tempo, para alguns leitores homens, esse é meu
melhor trabalho, o mais raivoso e doentio.
Não incomoda ver
publicadas hoje histórias que o fazem se sentir assim?
Há coisas que eu tenderia
a preferir não ver mais, mas, se o editor gosta, quem sou eu para dizer que não
deveria publicar? Nunca interferi nisso nem pretendo.
O sr. também faz um
mea-culpa pelo uso de estereótipos racistas. Li uma entrevista em que chamava
Hergé [autor de "Tin Tin"] de "racista vil". Acha injusto
dizerem o mesmo do sr.?
Hergé era racista, as
imagens dele não eram satíricas. As minhas sempre foram feitas com intenção
satírica. Não parei para pensar que negros se sentiriam ofendidos. Quando penso
que coisas que fiz ofenderam negros, eu me arrependo. Não significa que
evitaria que fossem publicadas, porque acho que têm um ponto sobre o racismo.
Mas não sou racista.
O livro inclui a história
"Joe Blow", de 1969, sobre uma família em que os pais transam com os
filhos, e que resultou num dos mais famosos casos judiciais envolvendo
quadrinhos nos EUA. Como avalia as reações na época?
Era uma sátira aos
estereótipos da família americana. Quando era jovem, queria explodir tudo isso.
E foi a maneira ultrajante de explodir. Aquilo gerou uma reação das
autoridades, o livro foi banido no Estado de Nova York. Foram levados a
julgamento dois vendedores de quadrinhos. Nos EUA, eles processam o
comerciante. Eu não fui incomodado, nem os editore. Os vendedores foram a
julgamento e o juiz os considerou culpados [risos]. O caso ficou notório por
causa disso.
Que lembranças o sr.
guarda da sua visita ao Brasil, para a Flip, em 2010?
A mais forte foi o nível
de pobreza nos arredores de São Paulo. Aquelas barracas em que as pessoas
viviam nas periferias, ao lado da estrada. Era alguma coisa como animais, foi
chocante para mim.
No ano passado, o sr. foi
objeto de uma megamostra no Museu de Arte Moderna de Paris. Qual a sensação de
ver seu trabalho num museu?
Eram salas e salas cheias.
Pensei: "Meu Deus, fiz tanto trabalho". E aquilo era só uma fração,
nem de perto tinha tudo ali. "Relaxe, se aposente", pensei [risos].
Gastei muita tinta nesta vida...
E em que gasta tinta hoje?
Estou fazendo desenhos
para um livro que pretendo lançar nos próximos meses. Não é um livro de
quadrinhos. Fiz dois livros chamados "Art & Beauty" [em 1996 e em
2003], desenhos de mulheres copiados de fotos, e estou fazendo o terceiro
volume.
Como é chegar aos 70 anos?
O tempo passa cada vez
mais rápido. A gente sente que não tem mais tanto tempo, então tem que
priorizar o que importa. Tem que pensar enquanto consegue pensar bem. Uma coisa
boa é não ter mais medo da morte. Mas você se sente mais cansado de muita
coisa, do comportamento da sociedade, cansado, cansado...
A MENTE SUJA DE ROBERT
CRUMB
AUTOR Robert Crumb
ORGANIZAÇÃO Rogério Campos
TRADUÇÃO Alexandre Boide e
Marieta Baderna
EDITORA Veneta
QUANTO R$ 59,90 (232
págs.)
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