De um lugar ao sol
Recentemente, no artigo
Poesia é ouro sem valia, publicado na Folha de São Paulo e na coluna de Augusto
Nunes no site veja.abril.com.br, Ferreira Gullar apresentou algumas de suas
reflexões sobre a quase inviabilidade da publicação de poesia em grandes
editoras brasileiras, especialmente aquela produzida por jovens e desconhecidos
poetas. Do início ao fim de suas ponderações marca presença uma espécie de
conformismo. A leitura do artigo permite inferirmos que, segundo Gullar, por
constituir um gênero literário sabidamente não consumido no Brasil, a não
publicação de poemas se esgota explicada. Do seu lugar (ao sol) o autor ainda
se deleita em suaves ironias e conselhos às pretensões dos poetas; como se não
encontrar finalidade à sua existência junto aos mercados editoriais fosse o
fator primeiro e intransponível da poesia.
Não figuram, em sua
equação, quaisquer variáveis que poderiam potencializar ou suavizar o problema.
A formação de leitores em nosso país não tem sido matéria levada a sério, como
testemunham os históricos problemas educacionais de estrutura das escolas,
formação de professores – imediatamente vinculados à qualidade de ensino, que
por sua vez estão relacionados à quantidade de alunos por sala de aula –,
somente para listar as precariedades mais evidentes. Há ainda, as necessárias
discussões à adoção de currículos escolares que costumam relegar, não apenas a
literatura, mas a arte de maneira mais ampla ao plano quase da insignificância.
Em minha prática como professora, tenho encontrado, entre estudantes de
diferentes instituições de ensino, rasas e escassas referências à literatura –
e ainda mais rasas e mais escassas, à poesia. Aliás, essas encerram, em geral,
o reconhecimento de rimas, o estranhamento quando de suas ausências e, é claro,
a crença de que suas temáticas encontram-se circunscritas ao universo do amor,
da beleza – e suas variáveis que vão da solidão à melancolia.
Tal como essas
relativizações, também não se evidencia mesmo que uma tênue análise à qualidade
poética contemporânea, tampouco se vislumbra discussão que pondere sobre a
ausência de espaços de onde o poeta possa ampliar sua formação, espaços esses
que teriam importância ainda mais reconhecida na medida em que figurassem,
pesquisa e experimento, como princípios inseparáveis da produção artística.
Gullar sequer menciona a estreiteza de significados atribuídos à poesia por
leitores e ditos poetas; refiro-me evidentemente àqueles não especializados na
matéria. Ainda largamente ancorados às esferas do sentimentalismo e do
subjetivismo irrefletido, que fixam a poesia numa condição de bobeira frouxa e
óbvia, – ou camuflados em pinceladas pós-modernas?, legitimando as mais
esquisitas sandices – os lugares ocupados pela poesia carecem de atualização.
Aliás, tal medida por certo apontaria referências que contam já com mais de um
século.
Outro problema
negligenciado é o do estereótipo que costuma ou identificar o poeta a um
passional caráter de abnegação, ou o colocar na circunvizinhança de divindades,
distantes o suficiente da realidade a ponto de mantê-lo afastado da
materialidade cotidiana. Assemelhada a entes que oscilam do supra ao sub-humano,
a criatura (criador de poemas), não pode ao menos ser avaliada. Nem no que diz
respeito à qualidade estética, nem no que diga respeito à possibilidade de
comercialização de seu trabalho. Dessa dupla desvalia incorrem, por um lado, a
inviabilidade da crítica literária dedicada à poesia e, por outro, o
conformismo de que “poesia não vende”. Com efeito, sem o interesse de editoras,
sem o interesse de leitores, e com escritores a salvo da avaliação – mas também
da atribuição de valor pelo mercado editorial –, eis a poesia: “ouro sem valia”
anunciada por um dos mais reconhecidos nomes da literatura brasileira
contemporânea.
Fonte:
Denise Freitas-Escritora e professora de história;
é autora de Misturando Memórias (2007), Mares inversos (2010); está entre os
autores que compõem a Antologia poética: Moradas de Orfeu (Letras
Contemporâneas, 2011); possui publicações em diversas revistas e sites
literários, dentre os quais, Revista Sibila, Germina Literatura, Musa Rara, Artistas
Gaúchos, Revista Modo de Usar.
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