A luz do cárcere [Eritânia Brunoro]
Às vezes, ficava deitada pensando, tentando lembrar de alguma coisa do passado, tentando lembrar do rosto da mãe. Via em seu pensamento algumas imagens desfiguradas, nada muito concreto. Mas sonhava. Sonhava que estava num lindo jardim correndo com um cachorrinho bem peludo e ouvia sua mãe rir alto e chamá-la, mas ela não entendia o nome que a mãe dizia. Embora parecesse ser muito bonita, seu rosto era distorcido, difícil de identificar qualquer traço que fosse. Ela corria para perto da mãe, mas ela sumia. E então, acordava chorando. Estes sonhos eram frequentes e a deixavam ainda mais triste.
Um dia, a menina viu uma luz, ou melhor, um ponto de luz na parede do cubículo. Ficou observando e foi até lá pegá-lo. O ponto se moveu. Olhou curiosa para aquilo - Como pode se mover? - E correu até sua nova posição, mais uma vez o ponto luminoso moveu-se e, agora, para o outro lado.
- Judite, você sabe o que é isso? - perguntou a menina para a boneca. O ponto se movia e se movia e depois sumia. Aquilo se repetiu por vários dias seguidos. E a caça a luz misteriosa nunca resultava em êxito para a menina. A luz aparecia e depois sumia novamente, como num passe de mágica. Ficava se perguntando se de repente era a vela que fazia aquilo. Olhou a vela com curiosidade e lhe inquiriu – É você vela que faz isso? Pois se é, então pare, estou ficando com medo das suas brincadeiras.
Tão inocente era a menina, que conversava com a boneca e com a vela e com a mesa e a cadeira, pois era o que tinha, se não falasse, ia esquecer até disso. Já havia esquecido de como era, da cor dos seus olhos e dos seus cabelos, por não haver um espelho no lugar. Não lembrava nem mesmo do seu nome e não se recordava direito da mãe e se tinha realmente havido uma. Às vezes, achava que não.
- A luz voltou, Judite – disse a menina. E o balé da luz pela parede se repetia como nos outros dias. A menina, então, resolveu olhar na direção oposta a da luz no momento em que ouviu um barulho - O que será Judite? - falou com um certo medo.
O barulho na verdade, eram vozes. Percorreu suas pequenas mãos pela parede, apalpando-a. Não achou nada, mas o som continuava e a luz também. Teve uma ideia: arrastou a cadeira com cuidado para que não se desmanchasse até a parede de onde o som vinha mais forte – a parede do lado oposto ao da luz – voltou até a mesa e pegou a vela para iluminar. Subiu na cadeira com certa dificuldade, já que a mesma estava balançando e ainda carrega a vela em uma das mãos. Alisou a parede novamente, suspendeu a vela o máximo que pode e, então, se surpreendeu com o que viu e ouviu.
- Tem alguém aí embaixo? - a voz dizia. A menina se assustou. Ponderou se devia responder ou não. Tinha medo do desconhecido, medo da voz e da luz.
Olhou Judite, agora lá, adiante, deitada em cima do colchão, inerte, como se estivesse sem vida. - Judite, preciso de ajuda aqui. A menina sussurrava como se não desejasse ser ouvida, mas a boneca não respondia. Criou coragem e resolveu arriscar, lembrando-se de que a sombra podia descer as escadas a qualquer momento e, talvez, não gostasse de vê-la conversando com uma luz.
- Sim.
- foi só o que ela conseguiu dizer com a voz quase rouca de tanto medo. Nesse momento, a luz se mexeu e apagou, reaparecendo um pouco mais perto. A menina, que agora via o buraco no alto da parede, tremeu mais uma vez, quando a luz alcançou seu rosto cegando sua visão. Ela tentou proteger os pequenos olhos da claridade e disse:
- Quem ou o quê está aí? - ouviu um som abafado seguido de passos. Depois, um som alto de doer os ouvidos e alguém dizendo:
- Fique calma, vamos tirar você daí. - a menina se surpreendeu com o que ouviu, a cadeira amoleceu e desmoronou, levando-a direto ao chão, que com algum esforço, ainda conseguiu manter a vela acesa e intacta durante a queda. Correu até Judite – Anda, levanta, a luz disse que vai levar a gente embora daqui. - Levantou a boneca e começou a rodopiar, sentia algo indecifrável, algo que nunca havia sentido antes. A menina só conhecia a fome, o frio, a escuridão e, agora, tinha a luz e a voz.
Depois disso, seguiram-se vários barulhos distintos, que ela nem podia imaginar o que seriam. Só sabia que pareciam estar acima da sua cabeça. Ouvia, também, mais vozes, além daquela da luz. A luz agora era mágica, tinha poderes. A menina sentou-se no colchão e começou a conversar com a boneca:
- Vamos Judite, deixe eu arrumar seus cabelos e seu vestido, a luz precisa ver você bem bonita. - falava enquanto passava as mãos delicadamente pela boneca.
Algum tempo depois, ouviu aquele conhecido som da escada. Sentiu seu corpo estremecer de medo. Correu para o fundo do cubículo com Judite, sentou-se e a manteve bem junto de si. Vários passos foram ouvidos, várias sombras apareceram perto da mesa. - onde ela está? - a menina ouviu a luz mágica perguntar e a viu percorrendo o lugar, dançando sua dança nas paredes. Afundou mais um pouco no canto onde estava, no intuito de se esconder. Enfim, uma grande claridade se fez, deixou a menina com os olhos embaçados, cegando-a momentaneamente.
- Ali, ela está ali. - a luz disse. Na verdade, agora não era mais a luz, eram pessoas. Três pessoas grandes, bem maiores do que ela. Havia dois homens que vestiam roupas iguais e uma mulher muito bonita, parecida com a de seu sonho.
A mulher tinha longos cabelos loiros presos no alto da cabeça, um vestido bonito, um rosto de um branco pálido, mas de traços delicados. Seus olhos eram azuis e grandes, mas avermelhados ao mesmo tempo. Ela chorava e a menina não entendia o porquê. A mulher correu até ela, que encolheu-se mais um pouco. - Como está maltratada a minha filha – a mulher dizia e continuava chorando. - Judite, você está em segurança agora, vou levar você para casa, a sua verdadeira casa – a mulher acariciava o rosto da menina. A menina não entendia nada, mas sentia uma estranha felicidade e acabou cedendo ao abraço que lhe foi oferecido.
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