Mia Couto: África deve “contar sua própria história” e
fugir da versão europeísta
“Sem querer, os africanos, nessa missão de se
libertarem, incorporaram muito dos fundamentos da imagem de África criada pela
visão dos europeus”
O escritor moçambicano Mia Couto defendeu no sábado,
durante um debate no Rio de Janeiro, que África deve “contar a sua própria
história” dando voz a toda a sua diversidade interna e afastando-se da visão
europeísta ainda presente.
“Quem contou a história da África e fez parecer com que
ela sequer tivesse história foi a Europa. Os africanos depois lutaram contra
isso, tornaram-se independentes, mas parece-me que há que se fazer outro
percurso, que já não é essa cultura da afirmação”, afirmou o escritor
moçambicano durante debate na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.
Na avaliação do escritor, após os movimentos de
independência, as elites africanas locais que assumiram o poder acabaram por se
apropriar, em parte, da mesma visão europeia sobre a África, sem resgatar toda
a sua pluralidade interna. “Sem querer, os africanos, nessa missão de se
libertarem, incorporaram muito dos fundamentos da imagem de África criada pela
visão dos europeus”, sustentou Mia Couto ao defender que o continente precisa
de perceber, acima de tudo, que sua história não é contada por uma única voz.
“Um desses fundamentos é pensar que existe uma coisa
chamada África, porque a África são tantas coisas, tem a mesma diversidade de
qualquer outro continente”, destacou. De acordo com o escritor, no litoral
moçambicano - de onde foram enviados escravos para o Brasil - há ainda hoje uma
visível intenção de apagar esse passado.
“Quando tento projectar essa memória, ela está apagada.
Há uma intenção clara de se anular isso, porque não se quer reacender os
conflitos, que ainda estão muito marcados. Acho que a história está muito mal
contada do nosso próprio lado”, reforçou. Para Mia Couto, o papel do escritor
nesse processo é, justamente, mostrar que a história de um país, ou de uma pessoa,
não pode ser simplificada.
“Da mesma maneira que é preciso dizer que há muitas
Áfricas, é preciso dizer que cada pessoa tem sua própria história e não posso
esgotar-me nessa identidade que diz ‘sou africano’, cada pessoa tem sua
singularidade, não se repete, é única”, concluiu.
Mia Couto participou num debate sobre as vozes
femininas em África durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, ao lado do
escritor brasileiro Paulo Lins.
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