Basta de Fundamentalismo
No belo O Amante da Rainha, do dinamarquês Nikolay
Arcel (desde o Dogma há uma verdadeira plêiade de ótimos cineastas na
Dinamarca, que vão de Vinterberg, Arcel e Susanne Bier até Lars von Trier, um
dos melhores do mundo) sopram ventos salutares – ou apocalípticos para o meio
social dos dinossauros – que, mais de duzentos anos depois, ainda não varreram
os dejetos seculares do Continente Americano. Ventos socialmente sadios de
Rousseau, Voltaire, Diderot e Montesquieu que ainda encontram a resistência dos
diques erguidos pelas mentes não só obtusas, mas perversas do fundamentalismo
cristão. Ventos iluministas que apelam à Razão como modelo social e espiritual.
No Brasil, como, aliás, nas três Américas, essa
resistência em não aceitar o que a ciência prova e em teimar em permanecer no
amalgama nauseabundo das superstições parece, ao que tudo indica, crescer a
cada dia como uma espécie de Taleban ocidental, e tornar-se epidêmica. Em
outras palavras, estamos retrocedendo ao medievalismo com o que isso implica de
intolerância, repressão, ignorância e obscurantismo que inclui o ridículo
conceito de criacionismo substituindo o de evolucionismo. Para um cidadão de
bom senso parece piada, mas não é.
Levando em consideração que as igrejas evangélicas (e
aí não estou incluindo as protestantes estabelecidas) são fascistas porque são
repressivas e intolerantes e impedem a evolução intelectual do individuo, e
levando em consideração que o Brasil é, supostamente, um país laico, pergunto:
por que dar tantas asas a essas igrejas que, como já disse, não contribuem em
desenvolvimento intelectual e social (são extremamente conservadoras) com os
cidadãos do País? Pode-se admitir os símbolos religiosos pendurados na parede –
apesar de que um crucifixo num banco é uma blasfêmia – mas o que é inadmissível
é que as igrejas, e por extensão toda instituição religiosa, sejam isentas de
imposto por parte do governo. Por que todos nós pagamos impostos e as
instituições religiosas não? Por que as igrejas, que comercializam Deus e a
Bíblia, não pagam (aliás, é uma verdadeira profanação de Cristo ganhar dinheiro
a custa dele!)? Por que esse privilégio para instituições que lucram bilhões?
Por quê?… Isso é democracia? Isso é um absurdo. Uma injustiça. O Brasil é um
Estado laico. Mesmo porque uma pessoa
tem de ser muito tapada ou ignorante para não discernir que religião é uma
coisa e Deus é outra. Aliás, a maioria desses pastores picaretas,
sem-vergonhas, salafrários, nem sequer sabe o que significa Deus. Por sinal,
seria de se exigir que todo pastor tivesse formação superior em teologia – o
que não garante que o pastor formado saiba de fato o que é Deus. É muito fácil
vociferar grotescamente (Jesus! Satanás!) para uma plateia histérica e exigir a
indecência do dízimo aos incautos fieis. Isso é lesar o próximo. Então esses
pastores que arrumem um emprego durante o dia e que preguem à noite, depois do
expediente, se a vocação religiosa é realmente tão intensa. Cristo, na sua
humildade, não pedia nada. A essência do cristianismo é a humildade e não a
riqueza, e menos ainda a exaltação do dinheiro, o que é um sacrilégio.
Em suma, basta de fundamentalismo. Basta de fanatismo.
Basta de imbecilidade. Basta de atrasar a massa mais do que já é. Para que
serve a religião? Para causar guerras? Para afundar o Homem na ignorância e na
superstição? Para impedir que seja um ser livre, logo superior? Fora a vida
humana, nada é mais importante do que a sagrada Liberdade (com maiúscula
mesmo). E que não me venham falar das obras sociais das instituições
religiosas. Cabe ao Estado essa função. Deixo claro, porém, que a minha
rejeição não se limita ao fundamentalismo das igrejas evangélicas. A igreja
católica está esclerosada, sentada em seu trono carcomido pelos séculos –
embora haja esperança que o papa Francisco renove e modernize uma instituição
que parou no tempo. Quanto às outras religiões, que o bom Deus (que deve ser
racionalista, pois é inteligente) me livre do horror da sharia islâmica ou dos
judeus ortodoxos.
Em tempo. É de pasmar a alienação político-social do
Sr. José Benedito Napoleone Silveira, em seu artigo publicado no Correio
Popular de 8 agosto. Artigo que exala um inefável odor reacionário quando o Sr.
Silveira coloca a economia na frente do bem-estar social e, consequentemente,
dos valores humanos. Ao que tudo indica, ele ignora o IDH dos países, que é o
que realmente importa. Aparentemente ele não lê as estatísticas da ONU sobre a
pobreza no admirável mundo neoliberal. Em suma, é muita limitação intelectual
achar que tudo se resume à economia.

R.Roldan-Roldan - Escritor profissional.
Romancista, contista, poeta, dramaturgo, articulista e pensador. Escritor
janeiro de 1950 – janeiro de 2013 (63 anos 1 mês)Brasil 30 livros publicados.
25 impressos e 5 na internet. Bibliografia ("Obras de
R.Roldan-Roldan") e biografia ("Um Animal Literário, Um Animal
Intelectual" e "Balada do Poeta Errante") no blog
www.davidhaize.wordpress.com No mesmo blog: "Os Dez Mandamentos do
Escritor" e "Os Sete Pecados Capitais do Escritor", "Os Dez
Mandamentos do Homem Livre", "O Ato - Foder É Vermelho" (peça) e
"Juiz, Casado, com Filhos Procura Homem Para Sexo Casual" (conto,
clicar em abril de 2012). Entrevistas nas revistas literárias eletrônicas
"Agulha" e "Germina".
Publicado pelo jornal Correio Popular de Campinas/SP em
3 de setembro de 2013
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