AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (11)
FLORA FIGUEIREDO
(1947), poeta paulistana, cronista e
tradutora. Já publicou vários livros de poemas. Destacamos: Florescência
(1987), Amor a Céu Aberto (1992), O Trem que Traz a Noite(2000) Chão de
Vento(2005) eLimão Rosa(2009). Foi colaboradora da revista Cláudia e possui
trabalho nas área musical. Seu poema Enrosco, musicado por Ivan Lins, foi
gravado pela cantora Simone.
A pedidos
Querem um verso,
mas não sou capaz.
Vejo a palavra fraturar
as entrelinhas,
tento soldá-las,
mas não são minhas.
Rompeu-se o verbo
e me deixou pra trás.
Enlevo
Eu olho você grande e
distante
e da sua grandeza me
comovo
e da sua distância me
revolto.
Olho de novo.
Procuro reter em minhas
mãos sua figura
mas ela gesticula, oscila
e cresce
e numa inconstância
distraída
no instante exato
por trás da vida
desaparece.
Um desacato.
Do meu desaponto eu me
levanto
pra levar embora outro
desencanto
mas você me divisa e então
me chama.
Me aguarda, reclama e me
convida
e minha vida nessa
ansiedade por fim entrego.
E nesse amor feito de
espuma colorida
nós flutuamos: você
borbulha, eu escorrego,
ensaboados, você explode,
eu me desintegro.
Estou perdidamente
emaranhada
em seus fios de delícias e
doçuras.
Já não encontro o começo
da meada,
não sei nem mesmo
se há uma ponta de saída,
ou se a loucura
vai num ritmo crescente
até subjugar a minha vida.
Não importa.
Quero seus nós de seda
cada vez mais cegos e
apertados
a me costurar nas malhas e
nos pêlos.
Enquanto você me amarra,
permanece atado
na própria trama redonda
do novelo
Retirada
Respeite o silêncio
a omissão,
a ausência.
É meu movimento de
deserção.
Abandonei o posto,
rompi a corda,
desacreditei de tudo.
Cansei de esperar que
finalmente um dia,
minha fotografia
fizesse jus ao seu
criado-mudo.
Lição de casa
Você tampa a panela,
dobra o avental,
deixa a lágrima secar no
arame do varal.
Fecha a agenda,
adia o problema,
atrasa a encomenda,
guarda insucessos no fundo
da gaveta.
A idéia é tirar a tarja
preta
e pôr o dedo onde se tem
medo.
Você vai perceber
que a gente é que faz o
monstro crescer.
Em seguida superar o
obstáculo,
pois pode-se estar
perdendo
um espetáculo acontecendo
do outro lado.
Atravessar o escuro
até conseguir tatear o
muro,
que é o limite da
claridade.
Se tiver capacidade para
conquistá-la,
tente retê-la o mais que
puder.
Há que ter habilidade, sem
esquecer
que a luz é mulher.
Do inferno assim
desmascarado,
é hora de voltar.
Não importa se é caminho
complicado,
se a curva é reta,
ou se a reta entorta.
Você buscou seu brilho,
voltou completa;
jogou a tranca fora, abriu
a porta.
RAQUEL NAVEIRA (1957) ,
poeta sul-mato-grossense, ensaísta, advogada, é mestre em comunicação e letras,
pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e ao Pen-Clube do Brasil. É
autora de mais de 20 livros, dentre eles Abadia (1996) e Casa de Tecla (1999),
ambos finalistas do Jabuti na categoria Poesia.
Fiandeira
Sou uma fiandeira
Tecendo noite e dia
Uma estreita de
pensamentos.
Sou uma fiandeira
Aranha tirando de dentro
A liga que emaranha.
Sou uma fiandeira
Amarrando com as mãos
firmes
Os laços do meu destino.
Sou uma fiandeira
Bordando com palha e ouro
A bandeira da minha fé.
Sou uma fiandeira,
Vivo á beira
De tudo quilo que é
frágil,
Que parece fiapo
Ou que está por um fio.
O pianista
As mãos elásticas,
Cheias de barbatanas de
pele,
Abrem-se como leques,
Como caudas de peixe;
Todo corpo é tangido
Como uma vela
Sobre o navio negro do
piano.
Cabelo
Estou triste,
Cortei o cabelo.
Não sou mais adolescente
De tranças
E olhos lânguidos.
Não sou mais moça,
Balançando a crina,
Como égua musculosa
Na colina.
Não sou mais princesa,
Usando tiaras,
Arrastando a coma
Como se tivesse na cabeça
A cauda de um cometa.
Adeus, cabelame !
Derrame de seiva sobre
meus ombros,
Véu natural
Com que penetrava câmaras
ardentes.
Por que cortei o cabelo ?
Por que não o mantive
longo,
Mesmo branco e seco,
Preso na nuca
Por marfim e pentes ?
Canto de sereia
Vem, meu Ulisses,
Detém teu barco,
Sou sereia sedutora,
Sirena suave
Que atrai para o abismo.
Vem, meu navegante,
Para a minha caverna,
Minha gruta secreta
Onde te devoro
E te encanto.
Vem, meu bravo,
Venceste Tróia
Com tua astúcia,
Descansa
Entre penhascos negros
E precipícios de espumas.
Vem,
Sou sereia,
Cauda de peixe,
Toda vulva,
Estranho molusco
Que te descarna em minha
ilha,
E te sepulta
Nos baixios do mar.
Espelho
Quando olho no espelho
Brilho
E molho os lábios.
Quando olho no espelho
Colho a lembrança de um
onda
E seu marulho.
Quando olho no espelho,
Sou pomba capaz de vôo
e arrulhos.
Cansada,
Olho no espelho
e me ajoelho.
NYDIA BONETTI (1958) poeta
paulista, vive em Piracaia, interior de São Paulo, onde reside. Ainda está
inédita em livro, mas publica seus
trabalhos em diversos sites culturais e literários de prestígio como Zunai, Cronópios
e Germina Literatura. Tem um blog Longitudes onde divulga seus
poemas(nydiabonetti.blogspot.com/). É engenheira civil e confessa escrever
poemas “para amenizar a dureza do concreto e do aço com o lirismo e a doçura
das palavras”
a vida é o que passa
ou o que fica?
— a vida é o meio
não é a massa
é o recheio
— a vida é o emboço
não é a casca
é o caroço
Chão descoberto
chão descoberto
onde me faço e me descubro
até que me cubras
e eu me desfaça - em chão
Fluídos
líquidos
são os versos
pois que feitos
de lágrimas
suor e sangue
– do pouco
que inda corre nas veias –
e outros fluídos tantos
pois que não resta em nós
nada de sólido e concreto
Solares
outra vez
me ronda a poesia
agora é assim
quase uma sombra
colada em mim
não
ela é o sol
eu,
a sombra
O não sonhado
queria ter sido - não foi
já foi já era - foi
de certa forma somos
também o que não fomos
pois sempre estamos
se estamos somos
o que pudemos ter sido
até além do imaginado
- o não sonhado é
o que chamamos vida
Com verso fiado
faço versos porque não
tenho
com quem conversar
falo com o verso
e o verso me responde
quando ele fala eu ouço
e o traduzo
no fundo, é tudo
conversa fiada
com verso sem verso
a vida é barra
e ponto
(ou dois pontos):
está pronto o poema
que não fiz
LÍGIA DABUL (1959) poeta e
antropóloga carioca, é professora na Universidade Federal Fluminense e faz
pesquisas em antropologia da arte. É autora dos livros de poemas Som, Nave e da
plaquete Algo do Gênero. Tem poemas publicados em antologias, revistas e jornais
literários, impressos e virtuais, do Brasil e de outros países.
Passo de embarcadiço
um pouco de calma é
preciso
a nave ir devagar
um palmo
de mar
muitíssimo
se no navio
flutuam
premissa
destino
tudo canto de sereia
melhor ir devagar
Valva
nasciam os pêlos
da perna e as partes
seletas daí nicotina
e a lanugem grudarem
nos beijos
cravaram o solo
na tarde cataram
uns frutos queriam
apenas sementes
calafetar junturas
- os dois inteiros
Mel
O cheiro doce e a abelha
ali grudada.
Na tarde não havia nada
firme
que pudesse conter alguns
cuidados:
tentamos umas flores. Mas
mantínhamos
a porta aberta e o vento
encaminhando
tudo. Por isso o cheiro
doce imenso;
daí ser necessário que
crianças
ficassem afastadas por um
tempo.
Tanto era o cheiro terno
que a primeira
garota obediente desistiu.
Estava presa ao fruto de
uma abelha
e as asas da vontade
apareciam.
Os meninos queriam de
verdade.
Tivemos que fechar a porta
rápido.
Chove
Chove tudo.
Chove tanto.
Chove como homem
depois do incômodo
do mormaço. Goza
como vento denso
finalmente molha o suor.
A chuva que se estende em
tempo ameno,
desconcentrado,
quero com a boca ainda
toda aberta
Festa
Preocupam-se com a voz.
Perdoam sempre
a dispersão de ouvintes, a
presença
de corpos procurando outro
contato
e a tensão que já foi a
original.
Eu me lembro de antigos
aditivos,
prenúncios de desfechos,
formas fixas,
imagens bem mais vivas que
a do instante:
os teus olhos abertos
sobrevoando
sem que faça sentido essa
fogueira
acesa, a boca acesa, eu
mesma acesa.
Teus olhos não tiveram
nunca idéia
de tudo o que se queima e
se oferece.
Rubens Jardim, 67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil. Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas: ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008). Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80 anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional. Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
Nenhum comentário
Postar um comentário