AS MULHERES POETAS NA
LITERATURA BRASILEIRA (35º Post)
ANGELA MELIM (1952) poeta
gaucha, vive no Rio onde é escritora e trabalha como redatora, tradutora e
intérprete de conferências. Publicou diversos livros, tendo sido premiada pela
Fundação Vitae e UBE – União Brasileira de Escritores. Alguns títulos de sua
obra poética: O vidro o nome (1974) Das tripas coração (1978) Vale o escrito
(1981) Mais dia menos dia (1996, obra reunida) e Possibilidades (2006).
Meu pai nos abandonou.
Minha mãe casou e mudou.
Vovó morreu.
Os irmãos sumiram no mundo
ou submundo.
Sem explicação
Yvonne nunca mais falou
comigo
e, para Ronaldo,
sou fantasma do passado.
Vejo meus filhos já voando.
Nem um pássaro na mão.
FLORES
Colho olhos fixos
de novo
boca seca
aberta
- o não completo me suspende
entre parênteses invisíveis
e impotentes
no ar parado -
de passeio neste campo
imperceptível
minado
que a pasma semântica do
absurdo
colore de avesso e espanto,
flores que explodem ao
contrário.
MANIA DE LIMPEZA
Raspa de limão
cheira seco:
assim
a lua limpa
alto relevo
que a letra afixa
no papel novo.
NÃO SINTO
Não sinto
(muito mais)
falta
nem saudade.
Estou tomando gosto das
coisas.
Figuras e linguagem.
Uma laranja
diminutivo
sopinha quente
um sorriso
uma boa chuveirada.
O verão!
Como é colorido.
Super.
O Rio de Janeiro.
Uma viagem.
Contradições. Sinônimos.
Que boa a mão da idade.
IZABELA LEAL (1969) poeta
carioca, é graduada em psicologia, doutoranda em literatura portuguesa pela
UFRJ e professora. Tem ensaios publicados em revistas de literatura e alguns
poemas publicados na internet, em blogues de poesia, na Zunái, na Inimigo Rumor
e nas Escritoras Suicidas.
MARÇO NO CENTRO
era o começo de março no
centro
seu corpo junto ao meu
corpo, uma
proximidade assustadora.
primeiro um sorvete de creme
derretia
com o calor e as frases que
dizíamos
escorriam sobre os livros
do andar de baixo.
confissões de chocolate.
depois pedimos um café e eu
olhava espantada
uma palavra
que se debatia no líquido
escuro.
pensei em socorrê-la com a
colher, mas logo vieram
outras palavras
e mergulharam no copo
d´água.
(na mesa a margarida
inclinava-se)
era tudo tão claro, apenas
aquela palavra
turvava a nitidez do dia.
olhei novamente e ela
jazia no fundo da xícara,
imóvel.
PAPO NO CAFÉ
e foi assim mais uma vez
enquanto
tomávamos café
uma abelha ameaçava
nossa fatia de bolo
e você falava das teorias da
física quântica
da força atrativa dos
buracos negros
da massa comprimida das
anães brancas
e agora já eram duas abelhas
— a primeira afogada
num resto de mate —
e você falava que a idéia de
deus
é congênita
e falava também da teologia
negativa
da teologia positiva e da
teologia
neutra
— abanei o bolo e a abelha
entrou
na cesta de lixo —
falava dos discos voadores
dos seres interplanetários
dos enigmas egípcios incas
maias e
astecas
queria saber a minha opinião
eu ruminava um pedaço de
bolo
e tudo aquilo me deixava tão
cansada
IPANEMA EM RESSACA
há um clamor marinho
no movimento das ondas
despedaçadas
contra as pedras do arpoador
resíduos de uma cólera
branca
furiosamente em direção
ao céu
tuas palavras
acima das nossas cabeças
negras junto às gaivotas
escoavam pelo vão
das pupilas
e eu desejava um tratado de
retórica
um livro de oratória um
manual de
eloqüência
ou qualquer fórmula mágica
ouvia-se ainda
a veemência do mar e no
entanto
era preciso riscar um
fósforo
no silêncio anterior
no silêncio ancestral
além do batimento de lábios
e pálpebras
já era a hora
quando o ambulante se
aproximava
com pequenas flores de
plástico
balbuciando alguma coisa
num idioma incompreensível
já era a hora
em que as palavras
- emaranhado de sons -
em que as palavras
à deriva
se despedaçavam
contra as pedras do arpoador
NO FUNDO DA PUPILA
o atrito dos olhos
aprisiona imagens no fundo
da
pupila.
cativas figuras de sombras e
sangue
arranham a córnea,
seres minúsculos forçam
passagem pelos
trilhos lacrimais.
um cisco irremovível.
e são comboios de corda por
dentro
da noite veloz. nervos
impulsionam barcos na
extensão da pele.
ao redor do quarto a
gravidade
cega e pulsante.
lâmina de guilhotina.
não há perigo - somente
o terror dos encarcerados -
até que a tempestade
desabe sobre o corpo. bastam
bocas e mãos
para cerrar as pálpebras.
ADRIANA LISBOA (1970) poeta
carioca, romancista, contista e autora de livros infantis. Morou na França,
passou algum tempo no Japão e vive nos Estados Unidos. Entre seus principais
livros estão os romances Azul-corvo e Sinfonia em branco. Publicou poemas em
algumas antologias. Seus livros foram publicados em doze países.
POR UM INSTANTE DE PENUMBRA
Há sol demais por aqui. As
sombras
expatriam-se dentro das
coisas, sem uma
chance. A luz é cáustica,
esta luz de inquérito sob a
qual o preso
não tem outra alternativa.
Você optaria por um mundo em
claro-escuro,
mas tudo se revela (pior: se
demonstra,
como num laboratório, como
no corpo
aberto de uma cobaia) com
enorme zelo e
não admite perfis,
murmúrios, vislumbres.
Essa luz medonha que se
esfrega
na sua cara – o quanto você
não daria
por um instante de penumbra.
Por um segundo de indecisão.
POESIA
Pense nela
como o dedo cavando a fresta
onde
há ainda uma pequena chance,
algo semelhante à colher
numa cela
de presídio investindo
contra
o chão de barro: um túnel,
a vaga ideia de liberdade.
BLUE SUNDAY
Não me lembro se foi on a
blue Sunday,
como cantava Jim Morrison em
nossos ouvidos.
Nem sei quantos atalhos
tomamos, depois –
o herói de Truffaut é hoje
um cara sério,
e nós, que o conhecemos
da época dos nossos quatre
cents coups,
das nossas tardes sem
nenhuma urgência
debruçados sobre o Rio, em
meio aos turistas,
envelhecemos também. Sei que
não disparam
os alarmes por nós: não
somos nem mesmo
vaga ameaça. Mas nesse oco
mal vedado
que ficou, sigo mendicante,
e carrego meias-luas sob os
olhos
enquanto aguardo os tempos
mais brandos
anunciados na canção.
ANDRÉIA CARVALHO
GAVITA(1973) poeta curitibana, estudou
ciências biológicas e produção multimídia. Atualmente trabalha com farmácia
hospitalar e web design. Tem poemas publicados na revista eletrônicas Zunái,
Germina e Eutomia..Publicou os livros de poemas A Cortesã do Infinito
Transparente(2001) e Camafeu Escarlate (2012).
Edita o blog o hábito escarlate, http://habitoescarlate.blogspot.com/
CASA DE ORAÇÃO
nosso cálice
nossa hóstia
nosso altar
não cabe na gota
vermelha
furtada
da última ceia
de salivas derramadas
no vazio
cravejado
dos passos
que não ousamos
pronunciar
andrógino rebelde de nossas
portas perdidas,
afasta de nós esta lástima
de entornar o graal
de jejuar o pão
de ser o rio sedento de
esquecimento
na fome secreta
das chaves
e deixa-nos no templo
na transfusão de nós
solve et coagula
INDEX LIBRORUM PROHIBITORUM
Conhecer-te
Foi feito abrir um livro
antigo
Sabe-se das literaturas
seculares
Que nos serão reveladas
No dia de um trígono celeste
pardo
E era noite,
Quando os olhos são tochas
de candelárias
AMADEO
reina a mão em minha pele
amadeo
e leve
com ígnea prece
a lamúria da injúria-veste
em breu
ao cremado manto
enfloresce lírio negro
amadeo
a palma do sudário santo
em domínio ateu
doutrinado
orvalho já devolve
à mortalha cortejada
o toque amado
de um deus
ABRE-TE CÉSIO
o céu é sempre azul
na dormência aquecida
da sessão das dez
os diamantes estão
soterrados
muito longe da placenta
dos vulcões da parteira
terra
nos cofres da sapiência
eclesiástica
ah partitura de repetidas
eugenias
somos espécimes preciosos
em teus museus
bem acondicionados
na tenda dos milagres
do circo de nero
respirando o bolor dos
livros sagrados
a pele esverdeada das
condecorações
ah suástica
ah ansata
ah rosa obscenamente
atarracada na cruz
nos deixem de vez
na insígnia vazia
do ícone maior
de uma bíblia de safira
ainda não escrita
abre-te césio
teus olhos nirvana sobre nós
não nos deixe estáticos
em frente à TV
como se não pudesse nos ver
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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