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Domingos Pellegrin/Alice Ruiz |
Pellegrini
torna público livro sobre Leminski
Paulo
Camargo
Publicado
na Gazeta do Povo
O escritor não pôde publicar a obra por falta de
autorização da família. Viúva alega que obra denigre a imagem do poeta.
O escritor Domingos Pellegrini enviou ontem, nas
primeiras horas da manhã, a muitos de seus contatos no mundo literário e
jornalístico os originais do livro Passeando por Paulo Leminski, obra que,
segundo ele, não pôde publicar, pela editora Record, por não ter conseguido a
autorização dos herdeiros do poeta curitibano, que morreu em 1989, aos 44 anos.
Ao longo de suas cerca de 160 páginas, o volume relata, em detalhes, momentos
compartilhados pelos dois autores, em seus diversos encontros, e também traz
considerações de Pellegrini tanto a respeito da produção literária de Leminski
quanto da pessoa e do intelectual que ele foi em sua breve existência.
O projeto de Passeando por Paulo Leminski teve como
impulso o convite para a produção de outra obra, feito pela editora Nossa
Cultura, em junho deste ano, quando a antologia Toda Poesia, editada pela
Companhia das Letras, já havia se tornado um fenômeno de vendas.
Pellegrini conta que o dono da empresa, Samuel Ramos
Lago, o convidou para escrever uma biografia do poeta, sob a condição de que os
herdeiros tivessem o poder de aprovação do texto e dividissem com Pellegrini os
direitos autorais. A família estaria desgostosa com outra obra biográfica,
Paulo Leminski – O Bandido Que Sabia Latim, de Toninho Vaz, lançada pela
editora Record, e agora impedida pelos familiares de ser reeditada.
“Na hora, fiquei entusiasmado com a ideia e aceitei,
mas, depois de pensar um tempo, cheguei à conclusão de que a empreitada
resultaria em um livro chapa branca, tudo o que o Leminski não era e combatia.
Então, decidi recusar a proposta.”
Dessa recusa nasceu a ideia de narrar, em primeira
pessoa, um livro bem mais pessoal, que falasse das experiências vivenciadas por
Pellegrini com Leminski – os dois foram amigos. “Memórias de minha vivência com
ele passaram a me assaltar de tal forma que senti o dever de obedecer ao apelo
criativo.” O londrinense, que no livro se identifica como Pé Vermelho, conta
que os dois estiveram juntos diversas vezes. “Em Londrina, em Curitiba, quando
passávamos dias inteiros conversando nas casas dele, e em eventos literários
Brasil afora.”
A editora Record interessou-se em publicar Passeando
por Paulo Leminski, mas sob a condição de ter o consentimento dos herdeiros do
poeta. Segundo o escritor, vários e-mails foram enviados à viúva de Leminski, a
poeta Alice Ruiz, que permaneceram sem resposta até quando Pellegrini comunicou
que iria colocar o livro na internet. Depois disso, veio a recusa definitiva.
“Propunham alterações que resultariam num livro ‘chapa branca’.”
Em mensagem enviada por e-mail a Pellegrini, à qual a
reportagem da Gazeta do Povo teve acesso, Alice Ruiz escreveu, em 5 de outubro,
que, embora o livro de Pellegrini “tenha uma leitura importante do ‘fazer
poético’ do Paulo, jogando uma luz esclarecedora sobre vários aspectos da
obra”, e seja “amoroso em vários pontos”, Passeando por Paulo Leminski
apresentaria inúmeros problemas, do ponto de vista da família.
“A ênfase no álcool, sua leitura de uma ‘precariedade’
de bens em nossa casa (você nunca ouviu falar em contracultura?), as
observações exageradas sobre a ‘falta de banho’, que corresponde a um período
de maiores excessos, mas que foi superada”, escreveu a poeta no e-mail.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Alice afirma que o
livro, assim como a biografia de Toninho Vaz, serve para construir uma imagem
muito negativa de Leminski, muito distante da realidade. Essa visão do poeta
estaria, escreve Alice em sua mensagem sobre Passeando por Paulo Leminski, em
contraponto à de Pellegrini, que aparece [no livro] “como o interlocutor por
excelência e cheio das qualidades que supostamente faltavam a ele”. “Havia
entre eles, além da amizade, uma batalha de egos”, disse Alice, ao telefone.
Para Pellegrini, que ontem enviou uma carta aberta aos
ministros do Supremo Tribunal Federal expondo o caso, Passeando por Paulo
Leminski não é exatamente uma biografia, mas um misto de suas memórias com
Leminski, e “observações de psicologia, sociologia, crítica literária e clínica
médica”.
Rebatendo as ressalvas feitas pela família do poeta, sobre a exagerada
ênfase dada ao alcoolismo de Leminski, Pellegrini diz que analisa o problema
com informações médicas precisas e com dignidade. “Mas a família herdeira quis
obstar isso, como se todos não soubessem que Leminski morreu de cirrose
agravada por hemorragia hepática”, diz.
Para o escritor, seu livro “não destrata Leminski, como
fazem muitos detratores, nem o endeusa, como fazem seus fãs”. “Eu mostro
Leminski em suas várias facetas, lembrando, analisando, considerando, sempre de
forma digna e afetuosa.”
O escritor acrescenta que a alegação à proteção ao
direito de privacidade, garantidos pelo Artigo 20 do Código Civil, por parte de
biografados e seus familiares e herdeiros fere o Artigo 5.º da Constituição
Federal, que trata de liberdade de expressão e do direito à privacidade.
Alice Ruiz diz que sempre foi e continua sendo contra a
censura, mas acredita que, em nome da liberdade de expressão, não se deve
permitir que sejam produzidas biografias e obras oportunistas que distorçam e
ofendam a memória de quem não está mais vivo para se defender.
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