Ponto de partida (rumo à utopia)
Um conto de um poeta, Vinícius H. Masutti. Ao beatnik
que existe em todos nós!
Ponto de partida (rumo à utopia)
O calor era pesado (como de costume) em Cuiabá. No
ônibus, uma melodia monótona tocava no rádio e se espalhava. Pela janela,
vislumbrava as pessoas agindo como agem todos os dias. Caminhando pra lá e pra
cá, indo, vindo e voltando ao mesmo ponto de onde saíram...era uma visão triste
para ele. A constatação da estagnação dos outros lhe trazia certa tristeza e
desesperança.
O balanço do automóvel fazia com que os passageiros
dançassem, involuntariamente, a música infeliz que soava pelas pequenas caixas
de som. O ruído chiado da música foi desaparecendo aos poucos e via-se homens e
mulheres, aos muitos, enfrentando o castigo de andarem em baixo daquele sol,
indo a lugares que não queriam, para fazer coisas de que não gostavam.
Notou que o ônibus se aproximava do ponto em que
desceria. Levantou preguiçosamente e puxou a cordinha que emitia um ruído
estridente para que o motorista, já estressado por dirigir a manhã toda naquele
calor infernal, parasse aquela máquina.
As portas se abriram, uma antes da outra. Desceu os
três degraus e pôs seus pés no asfalto quente. Estava numa praça movimentada,
era hora do almoço. Avistou no gramado, em baixo de uma árvore, três garis
deitados saboreando suas marmitas de alumínio, com garfos de plástico.
Viu mais pessoas andando para todos os lados, como se
fossem automáticos os caminhos. O sol não dava sinais de que se esconderia
atrás de alguma nuvem, aliás, não sabia se existiam nuvens naquele dia, não
podia olhar para o céu sem que este o cegasse. Preferiu pensar que as nuvens
não ousariam tampar a luz daquele astro tão poderoso.
Sentiu uma leve tontura, mas continuou em direção a um
restaurante que conhecia. Entrou, comeu a comida de sempre, anotou seu nome na
conta, pois só pagava no fim do mês. Então, saiu ao sol novamente e se dirigiu
ao seu trabalho, onde faria o mesmo de ontem e provavelmente o mesmo que faria
amanhã.
No caminho, passando por outra praça, observou alguns
sujeitos sentados no chão, expondo pulseiras, brincos e outras peças
artesanais. Eram hippies. Sentiu de súbito um relaxamento no corpo e lembrou de
sua adolescência, quando ainda idealista pretendia viver clandestinamente, sem
emprego algum, sem normas, contas de banco, regras absurdas e principalmente
sem amarras.
Sentia um gosto de liberdade, quando ouviu uma voz leve
lhe dizendo:
- Tira essa armadura e senta aí com a gente, cara!
Aquela frase teve um efeito absurdo em sua cabeça. Sentiu
o gosto da liberdade quando deu um chute no ar e seu sapato de couro, que havia
custado trezentos reais, saiu dando cambalhotas no ar e repousou no gramado.
Fez o mesmo com o outro pé de sapato e então tirou as meias. Finalmente pisou
na grama. Não sabia o que era aquela sensação desde a infância. Era como se
todos os problemas fúteis que o rodeavam tivessem virado pó, ou
melhor...fumaça. Desta vez outra voz lhe chegou aos ouvidos:
- E essa gravata? Não te dá um nó na garganta?
Sim, sim...era exatamente o que sentia, aliás,
descobrira ali, sentado com dois hipongas, o motivo da existência da gravata.
Servia para que todos sentissem o nó da servidão voluntária.
Nunca mais voltou a sua casa alugada (a não ser para
resgatar seus discos de vinil e a caixa de livros empoeirada que guardava na
garagem), nunca mais pagou os impostos, pois não tinha retorno mesmo. Daquele
dia em diante, passou a passear pelas terras e a desprezar as fronteiras
imaginárias que homens com pouca mentalidade e muita ganância haviam traçado
(com muita hostilidade).
Provou a vacina da invisibilidade, pois andando com
aquela comunidade alternativa, não era visto pelos transeuntes. Mas mais tarde,
soube o motivo.
- Não somos invisíveis; disse um hippie ancião – Eles é
que não enxergam as pessoas.
Aprendeu que a liberdade incomoda quem se acha livre e
que a mediocridade não suporta um ser não-medíocre. Finalmente, pôde exercer a
filosofia que tanto amava estudar, conheceu novas e fascinantes teorias sobre a
vida (agora sim, vivia) e soube o quão insignificante é o ser humano.
Consciente de sua ignorância passou a encontrar a felicidade em qualquer canto
que fosse, já que ela era passageira assim como ele. Mas desta vez ouvia sons
coloridos e danças espontâneas.
Era enfim um homem livre!
Fonte:
http://beatnikscuiaba.blogspot.com.br/2013/10/ponto-de-partida-rumo-utopia.html
Vinícius H. Masutti
- é natural de Pato Branco, Paraná, Brasil. Mas é uma espécie de
nômade, pois já viveu no Mato Grosso do Sul e hoje faz seus versos em
Cuiabá, Mato Grosso. Lá faz um trabalho de garimpo poético,
redescobrindo os poetas daquela terra. Escreve artigos para o jornal
"Diário de Cuiabá", o mais antigo do estado. Estuda Filosofia na
Universidade Federal do Mato Grosso, porque como gosta de afirmar,
"Filosofia é poesia porque poesia é reflexão". Vinícius pratica poesia e
filosofia.
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