Clarissa
por Eloésio Paulo
Primeiro romance de Erico Verissimo, Clarissa (1933) é
um livro de concepção singela. O autor, que viria a obter a difícil
coincidência de qualidade literária e sucesso de público, sabia de suas
limitações de aprendiz e por isso mesmo escreveu um prólogo no qual se
penitencia, entre outros defeitos, do “emprego leviano de palavras grandes como
‘infinito’, ‘imenso’, ‘enorme’ etc.” Mas Verissimo também tinha consciência de
seu grande talento de narrador, já exercitado nos contos de Fantoches (1932) e
turbinado pelas muitas traduções de que se ocupou.
Clarissa é uma menina de 13 para 14 anos, às voltas com
as descobertas, medos e decepções próprias da idade. Chegada de sua Jacarecanga
natal para estudar em Porto Alegre, mora há poucos meses na pensão de Tia Zina.
O que a narrativa vai descortinando, a par do cotidiano da mocinha, é uma
galeria de vizinhos e moradores da pensão, pois o mundo de Clarissa vai pouco
além disso. O maior perigo que ela corre na vida é tornar-se uma “desfrutável”
como a amiga Dudu, que vive trocando de namorado, que passeia nos automóveis
dos moços, que se pinta e se veste de modo extravagante.
O autor se tornaria, a partir de Caminhos cruzados
(1934), o maior expoente de uma tendência que a crítica logo chamou, para
contrapô-lo à ficção regionalista nordestina, “romance psicológico”. De
psicológico Clarissa não tem o bastante para caber na rubrica: é mais um
romance de costumes organizado em torno da experiência interior,
superficialmente captada, de uma adolescente provinciana recém-chegada à
capital gaúcha. Mas a galeria de personagens compensa a ausência de um conflito
intenso, compondo uma daquelas amostras de sociedade em que se esmerou Eça de
Queirós, por sinal evocado diretamente na passagem em que Barata, o
caixeiro-viajante corneado pela esposa, é qualificado de “jiboia enfartada”.
Do mesmo romance de Eça parece ter saído a sugestão do
nome para Amaro, o músico frustrado que sobrevive como bancário e nutre um amor
silencioso e impotente por Clarissa. Quando a menina se vai, deixando para trás
o melancólico mundo da pensão, incluindo o onipresente (por quê?) gato Micefufe
(por quê?), resta a Amaro remoer sua própria frustração no quarto vazio da
menina. Ao leitor, ao menos sobra o prazer de uma leitura leve e sem
sobressaltos. Érico Veríssimo prometia muito mais, e cumpriu a promessa: seu
segundo romance representará um significativo salto de qualidade. Pule Clarissa
e vá direto a Caminhos cruzados, que não terá perdido muito.
Eloésio Paulo nasceu em Areado, Minas Gerais.
Doutorou-se em Letras pela Unicamp em 2004. Publicou Os 10 pecados de Paulo
Coelho (2007) e Teatro às escuras (1997), além dos livros de poemas Primeiras
palavras do mamute degelado (1990), Cogumelos do mais ou menos (2005), Inferno
de bolso etc. (2007), Jornal para
eremitas (2012) e Homo hereticus (2013). Foi resenhista de O Estado de São
Paulo, Jornal da Tarde e O Globo. Para o site da revista Pessoa, Eloésio
resenha romances brasileiros dos séculos XIX e XX.
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