Literatura
em cena | Florianópolis
Entre
a diáspora e o ensimesmamento
Com um histórico de autores que saíram da Ilha para
fazer fama em outras cidades, Florianópolis tem uma nova geração de escritores
O poeta Cristiano Moreira, autor do livro Rebojo,
desenvolve o projeto “Contém Cultura”, que consiste em um contêiner com
biblioteca, sala de cinema e espaço para palestras.
Existe uma espécie de adágio literário local, uma frase
atribuída ao menor grande escritor de Santa Catarina, o pequeno gigante
Silveirinha, João Paulo Silveira de Souza (1933), de que “publicar na província
é permanecer inédito”. De fato, o “ensimesmamento da literatura catarinense”,
apontado pelo crítico Antônio Hohfeldt, faz com que os bons autores da santa e
bela sejam menos conhecidos, por exemplo, que seus colegas abaixo dos rios Mampituba,
Pelotas e Uruguai e acima do Iguaçu, para ficar só nos vizinhos. Talvez a
configuração do Estado, sem uma capital-metrópole que predomine
populacionalmente sobre as demais cidades, explique um pouco essa condição de
que é preciso sair dos limites da geografia catarina para se obter algum
reconhecimento.
O fato é que não há, hoje, como em outros tempos, uma
cena literária de Florianópolis. Há um grupo de novos autores que moram na
Ilha, muitos deles jovens universitários cursando Letras, Jornalismo, Teatro ou
outro curso qualquer na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na
Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) ou nas inúmeras faculdades
privadas espalhadas no entorno da capital. Existe, no entanto, uma cena
literária catarinense, em Floripa e em cidades como Blumenau, Joinville,
Jaraguá do Sul, Itajaí, Chapecó, Concórdia, Lages e Criciúma. E há, também, a
cena literária catarinense fora de Santa Catarina, de autores catarinenses
desgarrados, com alguma ou nenhuma identificação com o Estado.
Um exemplo é o da escritora e roteirista Adriana
Lunardi, que nasceu em Xaxim, em 1964, mas começou a escrever no Rio Grande do
Sul, morou em São Paulo e Paris e hoje reside no Rio de Janeiro. Seu livro mais
recente, a novela A vendedora de fósforos (2011), uma uma bela, densa e muito
bem construída história familiar, foi finalista do Prêmio São Paulo de
Literatura em 2012. O premiado Cristovão Tezza (Jabuti, com O filho eterno, e
prêmio da ABL, com O fotógrafo, entre outros) nasceu em Lages, em 1952, mas
mudou muito cedo para Curitiba e, para todos os efeitos, é, também, um escritor
paranaense. Deonisio da Silva já morava em São Paulo há algum tempo quando
escreveu Avante, soldados: para trás, romance vencedor do Prêmio Casa de las
Américas de 1992. Mas essa condição diaspórica não é um dado novo na literatura
catarinense.
DESTERRO
A primeira cena literária de Florianópolis se deu
quando a cidade ainda se chamava Nossa Senhora do Desterro, na segunda metade
do século XIX, e teve como protagonista o poeta negro João da Cruz (1861-1898),
filho dos escravos que pertenciam a um marechal da Guerra do Paraguai, que lhe
deu alforria aos quatro anos, emprestou-lhe o sobrenome Sousa e o educou à
francesa no Atheneu Provincial. Ao lado dos amigos Oscar Rosas (1864-1925),
Araújo Figueiredo (1865-1927) e do marinhista Virgílio Várzea (1863-1941), Cruz
e Sousa agitou a província com poemas e peças, jornais abolicionistas até ir
para o Rio de Janeiro onde foi trabalhar como arquivista na Central do Brasil,
publicou, em 1893, os livros Missal (prosa poética) e Broquéis (poesia), as
obras fundadoras do Simbolismo brasileiro, tentou sem sucesso uma vaga no
jornais da nascente República e acabou esquecido pelo negro Machado de Assis
quando da fundação da Academia Brasileira de Letras, para depois morrer na
pobreza e de tuberculose, mesmo destino de sua mulher Gavita e de seus quatro
filhos.
Outros desterrados importantes que construíram sua
carreira literária no Rio foram o médico da antiga corte imperial Luiz Delfino (1834-1910)
— poeta sem livros que se negou a ajudar um desesperado Cruz e Sousa nos seus
últimos anos de vida e que depois se apaixonou por uma jovem algumas décadas
mais nova e lhe dedicou longos poemas eróticos — e o simbolista tardio Ernani
Rosas (1886-1955), filho de Oscar Rosas, poeta de inspiração malarmáica que
depois de sua morte foi redescoberto e cultuado pelos concretistas de São
Paulo. Também vale registrar dois autores da chamada “renovação cultural” dos
anos 1920: Othon Gama D’Eça (1892-1965) e Tito Carvalho (1896-1965).
GRUPO SUL
O conservadorismo que marca até hoje a política do
Estado talvez explique, em parte, o fato de o Modernismo ter baixado em Santa
Catarina apenas na segunda metade da década de 1940. Chegou por intermédio do
grupo de jovens escritores (hoje, quase todos octogenários) que se reuniam no
Círculo de Arte Moderna, embrião da revista e do Grupo Sul, do qual Salim
Miguel, sua mulher Eglê Malheiros, Aníbal Nunes Pires (1915-1978), Ody Fraga
(1927-1987), Adolfo Boos Júnior, Guido Wilmar Sassi (1922-2003) e o já citado
Silveira de Souza foram os principais expoentes. Pode-se dizer que, com eles,
acontece a principal cena literária de Florianópolis, importante e atuante até
a dispersão após o golpe de 1964, quando Salim e Eglê exilaram-se no Rio e o
bancário Boos no interior da Bahia. Mas antes deles, o lageano Guido havia
cruzado a fronteira e tentado a vida primeiro em São Paulo e, depois, no Rio,
onde morreu, e o ilhéu Ody Fraga também tinha saído para trabalhar como
roteirista de tevê e depois virar o gênio do cinema da Boca do Lixo de São
Paulo. O poeta e artista plástico Hugo Mund Jr., parceiro literário de Silveira
de Sousa no começo dos anos 1960, radicou-se em Brasília.
A geração 1960 e 1970 também foi marcada pela diáspora.
Os poetas Rodrigo de Haro e Lindolf Bell (1938-1998) viviam em São Paulo quando
publicaram pela primeira vez na Antologia dos novíssimos da Massao Ohno
Editora, em 1961. Flávio José Cardozo publicou seu livro de estreia quando
trabalhava na antiga Editora Globo de Porto Alegre; Péricles Prade dividiu sua
literatura fantástica com os conhecimentos jurídicos em São Paulo; o tradutor
do Finnegans wake e escritor Donaldo Schüler cedo foi para Porto Alegre e por
lá ficou; e o poeta Vicente Cechelero (1950—2000) teve recusado pela Editora da
UFSC o livro Só matéria do mundo (Prêmio Olavo Bilac, 1993) e pelo APCA (Melhor
Livro de Poesia, 1991). Amilcar Neves, Alcides Buss e Oldemar Olsen Jr. foram
dos poucos a permanecer em Santa Catarina.
Priscila Lopes, autora da coletânea de contos Uns
traços, todos imponderáveis, é uma das jovens promessas da literatura local.
LOCAIS E ATUAIS
Em meados dos anos 1980, uma nova geração de autores se
encontrou na sala de revisão do hoje extinto jornal O Estado: Fábio Brüggemann,
Jorge Hoffman “Joca” Wolff, Aldy Maingué e Jeferson “Fifo” Lima, começaram
produzindo de forma artesanal e, de certa forma, criaram uma nova cena
literária catarinense ao lado de poetas como o ilhéu Vinícius Alves, o
joinvilense Fernando Karl e o blumenauense Dennis Radünz. A eles se juntaram
Raul Arruda Filho, Mauro Faccioni Filho, Renato Tapado e Raquel Stolf, que
publicavam nos jornais e no suplemento cultural Ô Catarina!, da Fundação
Catarinense de Cultura (FCC).
Editor da Letras Contemporâneas, Fábio Brüggemann
aponta Adolfo Boos Júnior (Quadrilátero, A companheira noturna e o magistral Um
largo, sete memórias, entre outros livros) como o maior escritor catarinense
vivo e diz que, em geral, os autores ainda são muito acomodados em exigir uma
política pública justa e democrática para o setor. “E as iniciativas privadas
não existem, a não ser com a batalha árdua de pequenas editoras que mal
conseguem distribuir seus livros nas livrarias locais, que só pensam em vender
mais do mesmo”, queixa-se.
O poeta Dennis Radünz destaca o trabalho desenvolvido
por quatro autores: Priscila Lopes, Patrícia Galelli, Paulino Júnior e Demétrio
Panarotto (foto). Priscila nasceu em Brasília, mora em Floripa e publicou o
livro de contos Uns traços, todos imponderáveis (2010), além de organizar a
antologia Cantares catarinas — A nova poesia catarinense (2010), pela editora
Todaletra. Natural de Concórdia, Patrícia lançou este ano, pela Editora da
Casa, o livro Carne falsa, e prepara um novo livro, intitulado Cabeça de José
(leia conto), para 2014. Paulino Júnior nasceu em Presidente Prudente (SP),
vive em Floripa desde 2005 e, recentemente, foi contemplado com o Edital
Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, da FCC, para publicar seu livro de
contos Todo maldito santo dia. Professor de literatura, compositor, músico,
documentarista e poeta, Demétrio (banda Repolho e Irmãos Panarotto, com o
brother Roberto) já publicou Mas é isso, um acontecimento (2008), 15’39” (2010)
e tem pronto um livro cujo título provisório é CINE.
Dennis também cita o Festival Nacional do Conto,
realizado em março deste ano, na Ilha, promovido pelo escritor e editor Carlos
Henrique Schroeder, como uma das melhores iniciativas no setor. Sócio da Design
e da Editora da Casa, que têm publicado muitos dos novos autores catarinenses,
Schroeder ajudou a formar boa parte da novíssima geração de autores com as suas
oficinas literárias feitas por intermédio do Sesc e recebeu, em 2010, o Prêmio
Clarice Lispector, da Fundação Biblioteca Nacional, pelo livro de contos As
certezas e as palavras. Ao lado de Emmanuel Mirdad e Aurélio Schommer,
Schroeder faz a curadoria da Flisca — Festa Literária Internacional de Santa
Catarina, cuja primeira edição está programada para acontecer no ano que vem na
Fortaleza de São José da Ponta Grossa, na Praia do Forte, em Floripa. Também em
2014, ele deve lançar seu novo romance, História da chuva.
Outra iniciativa interessante é o projeto Contém
Cultura, desenvolvido pelo poeta e professor Cristiano Moreira, de Navegantes,
município a cem quilômetros da capital, autor do belo livro de poemas
intitulado Rebojo, publicado pela editora Bernúncia. O Contém Cultura é um
equipamento cultural itinerante, um contêiner de 12 metros com biblioteca, sala
de cinema e espaço para palestras e oficinas. “É uma maneira de transformar
esse significante, o contêiner, e transportar outra carga, carga simbólica.
Recebemos, em 2012, o Prêmio ADVB na categoria Desenvolvimento Cultural”, diz
Cristiano, que também cita Patrícia Galelli, Demétrio Panarotto e Priscila
Lopes como novos autores catarinenses de destaque. E acrescenta um outro nome:
Daniel Rosa dos Santos, natural de Itajaí, autor de Quando cai um rio do céu,
breves relatos em torno da enchente de 2008, com muita ironia e corte certeiro
do pequeno conto. “Ficção da boa”, ratifica Cristiano
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