Enluarar
Quando todos os meus sóis me deixarem a sós, restarão
apenas eu, essa sombra do que fui e os poucos brilhos do que virei a ser.
Irei desnudar-me de meu brilho solar radiante e alegre
e rumarei para outro ponto do céu, tangente ao mar.
Seguirei meu azimute, seja lá em que quadrante for, na
busca pelo toque da linha do horizonte entre céu e mar, exatamente onde Deus,
piedoso, encostaria seus dedos em minha fronte para acariciar meus pensamentos
e ordená-los. Existe esse lugar? Chegarei a esse limite? Seguirei.
A dúvida como bússola não aponta o norte, ela o desvia.
Gira louca a rosa dos ventos, deixando as suas pás, suas pétalas, suas certezas
espalhadas pelos ventos de oeste, leste, sudoeste, tempestade!
Quando todos os meus sóis me abandonarem, vou enluar.
Nua de meu sol, cobrirei-me da translucência lunar, tendo como companhia apenas
as lembranças boas que conquistei entre os pontos austral e boreal, entre a
minha aurora e o meu crepúsculo.
Meus lábios terão como prece nomes que lembrarei porque
me fizeram feliz, porque foram luzes junto a mim. Viverei de minhas lembranças,
cadentes como estrelas, brilhantes e frias e cada vez mais distantes.
Passearei pelo céu, pelo meu e pelo seu céu, como no
dia em que valsamos sem música, trocando passos em uma madrugada qualquer
embalados por sons ouvidos juntos e calados em silêncios aconchegantes. Não
serão lembranças de alegrias vãs, porque nenhuma alegria é vã. Toda alegria é
completa a seu tempo e à sua hora. Mas a hora acaba.
Quando eu, lua nova, precisar de forças, buscarei por
sua língua que ardia em palavras que me tocavam mais pelo que causava aos
sentidos do que pela brava que não chegou a incendiar.
Quando eu, lua crescente, estiver me enchendo, será com
o vento. O mesmo que me fazia sorrir, sussurrando a melodia de nossos sons
ditos em feriados ou domingos ou dias de feira, porque todos os dias são iguais
e sem fim quando se acredita ter a vida inteira. Encherei-me dos sonhos lúdicos
e lúcidos que bebi a vida inteira, sem que tivesse percebido que a vida inteira
já estava traçada, pronta e acompanhada, mesmo que eu não enxergasse os seus
pés ao meu lado.
Quando eu, lua cheia, transbordar será por tanto amar,
tanto querer e tanto desquerer que me cabe. Serei água clara e fresca em concha
de mão pronta para matar a sede de bocas risonhas, mas que escorre pelos dedos
só pelo prazer de seguir o seu curso junto ao rio. Desprenderei-me de minha
fonte, ganhando cursos longínquos, atravessando céus de quem sabe para onde vai
ou de quem se perdeu ou ainda de quem nem sabe se vai ou se fica, mas que se
encanta pela vida.
Quando eu me enluarar, será para seguir-lhe,
estrela-guia-distante, rumo de minha embarcação que abrigou marujos que
velejaram pelos meus mares e minhas camas. Serei aquela que cheia de vontades,
reflete o brilho do sol, dos sóis, que me couberam em tempos passados, mas que
mesmo com mapas errados sempre buscou o tesouro maior, guardado na arca de seu
coração (ou já era o meu coração e não percebi?).
Quando eu, lua plena, estiver cheia, verei que não sou
cheia de mim, mas de tantas coisas que vi, vivi e senti. Serei cheia de todos
que passaram por meus dias, que se doaram e me transformaram e terei uma só
certeza: abandonar os sóis e enluarar é o crescimento que toda alma deve
passar.
Quando eu, cansada, lua minguante, minguarei muitos sonhos, muitas
certezas e espalharei as minhas incertezas, abandonando todas elas. Mas não
abandonarei a brisa que me refrescou e acompanhou desde os tempos de sóis
ardentes. Não esquecerei o motivo dos rodopios pelas ruas, nem as inspirações
mais poéticas. Porque a delícia de se enluarar é saber que o ciclo recomeça e
que logo serei, de novo, uma lua nova, ávida pelo novo, sem esquecer o que me fez
cheia um dia.
Dy Eiterer.
Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Edylane é Edylane desde 20 de
novembro de 1984. Não ia ter esse nome, mas sua mãe, na última hora,
escreveu desse jeito, com "y", e disse que assim seria. Foi feito. Essa
mocinha que ama História, música e poesia hoje tem um príncipe só seu,
seu filho Heitor. Ela canta o dia todo, gosta de dançar - dança do
ventre - e escreve pra aliviar a alma. Ama a vida e não gosta de nada
morno, porque a vida deve ser intensa. Site:Dy Vagando
Nenhum comentário
Postar um comentário