10 cartas de amor de grandes escritores
por Vilto Reis
Artigo publicado Homo Literatus
O sentimento mais discutido, criticado ou apoiado: o
amor. Agora imagine o que escritores como Dostoiévsky, Lord Bryron e Machado de
Assis fizeram ao direcionar cartas de amor às suas amadas. Frases como a de
Machado: “Nós queimaremos o mundo, querida”, incendeiam as linhas destas
missivas, arrancando verdadeiros suspiros dos admiradores deste sentimento, ou
amantes da literatura desses gênios.
"Bom dia, anjo querido, beijo-te muito. Pensei em ti
durante todo o caminho. Acabo de chegar. Sinto-me cansado e instalei-me para te
escrever. Acabam de trazer-me chá, e água para me lavar, mas no intervalo
escrevo-te umas linhas.
(…) Na sala de espera da estação andei de lá para cá a
pensar em ti e dizia comigo: mas porque deixei eu a minha Anuska?
Recordava tudo, até ao mais ínfimo escaninho da tua
alma e do teu coração. Desde que casámos que descobri não ser digno de um anjo
tão doce, tão belo, tão puro como tu – e que crê em mim. Como pude eu
deixar-te? Para onde vou? Porquê? Deus confiou-te a mim para que nenhuma das
riquezas da tua alma se perdesse – pelo contrário, para que tudo se desenvolva
e floresça rica e esplendorosamente. Deus entregou-te a mim para que, por ti,
eu resgate os meus enormes pecados, ao apresentar-te a Ele amadurecida,
conservada, salva de tudo o que é baixo e ofende o espírito. E eu (…) eu o que
faço é perturbar-te com coisas tão estúpidas como a minha viagem a este lugar."
Fiodor Dostoievski, em Carta a Anna Grigórievna
Snítkina (1867).
Almeida Garrett
- Possuir-te é Gozar de um Tesouro Infinito
"Que suprema felicidade foi hoje a minha, querida desta
alma! Como tu estavas, linda, terna, amante, encantadora! Nunca te vi assim,
nunca me pareceste tão bela! Que deliciosa variedade há em ti, minha Rosa
adorada! Possuir-te é gozar de um tesouro infinito, em esgotável. Juro-te que
já não tenho mérito em te ser fiel, em te protestar e guardar esta lealdade
exclusiva que te hei-de consagrar até ao último instante da minha vida: não
tenho mérito algum nisso. Depois de ti, toda a mulher é impossível para mim,
que antes de ti não conheci nenhuma que me pudesse fixar.
E o que eu te estimo e aprecio além disso. A ternura de
alma verdadeira que tenho por ti. Onde estavam no meu coração estes afectos que
nunca senti, que só tu despertaste e que dão à minha alma um bem-estar tão
suave?
Realmente que te devo muito, que me fizeste melhor, outro do que nunca
fui. O que sinto por ti é inexplicável. Bem me dizias tu que em te conhecendo
te havia de adorar deveras. É certo, assim foi, e estou agora seguro deste
amor, porque repousa em bases tão sólidas que já nada creio que o possa
destruir. Deixaste-me hoje num estado de felicidade tal, com tanta serenidade
no coração, que não creio em toda a minha vida que ainda tivesse um dia assim.
A minha imaginação foi exaltada, tão difícil, nunca foi além das doces
realidades que tu me fazes experimentar.
Tinha desesperado de encontrar a mulher que Deus
formara à minha semelhança – achei-a em ti, e já não desejo a vida senão para
gozar contigo e para me arrepender a teus pés do mal que fiz, do tempo que
perdi, do que te roubei da minha existência para o mal empregar nas misérias de
que me tenho querido ocupar. Digo – que me tenho querido, porque não consegui
nunca: o meu espírito rebelava-se, o meu coração ficava indiferente, nunca
foram de ninguém senão teus. Não penses que exagero: por Deus te juro que assim
é, e que me podes crer: eu a ninguém amei, a ninguém hei-de amar senão a ti. "
Almeida Garrett, em Carta a Rosa Barreiras.
Machado de Assis – Nós Queimaremos o Mundo, Querida
"Diz a Madame de Stael que os primeiros amores não são
os mais fortes porque nascem simplesmente da necessidade de amar. Assim é
comigo; mas, além dessa, há uma razão capital, e é que tu não te pareces nada
com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como o teu são
prendas raras; alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão melindrosa, razão
tão recta não são bens que a natureza espalhasse às mãos cheias (…). Tu pertences
ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir, e pensar. Como te
não amaria eu? Além disso tens para mim um dote que realça os mais: sofreste. É
minha ambição dizer à tua grande alma desanimada: «levanta-te, crê e ama: aqui
está uma alma que te compreende e te ama também».
A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto
melindrosa; mas eu aceito-a com alegria, e estou certo que saberei desempenhar
este agradável encargo. Olha, querida; também eu tenho pressentimento acerca da
minha felicidade; mas que é isto senão o justo receio de quem não foi ainda
completamente feliz?
Obrigado pela flor que mandaste; dei-lhe dois beijos
como se fosse a ti mesma, pois que apesar de seca e sem perfume, trouxe-me ela
um pouco de tua alma. Sábado é o dia da minha ida; faltam poucos dias e está
tão longe! Mas que fazer? A resignação é necessária para quem está à porta do
paraíso; não afrontemos o destino que é tão bom connosco.(…) Depois… depois
querida, queimaremos o Mundo, porque só é verdadeiramente senhor do Mundo quem
está acima das suas glórias fofas e das suas ambições estéreis.
Estamos ambos
neste caso; amamo-nos; e eu vivo e morro por ti."
Machado de Assis, em
Carta a Carolina de Novais (1869).
Fernando Pessoa – As Saudades que Sinto de Ti
"Meu Bebé, meu Bebezinho querido:
Sem saber quando te entregarei esta carta, estou
escrevendo em casa, hoje, domingo, depois de acabar de arrumar as coisas para a
mudança de amanhã de manhã. Estou outra vez mal da garganta; está um dia de
chuva; estou longe de ti — e é isto tudo o que tenho para me entreter hoje, com
a perspectiva da maçada da mudança amanhã, com chuva talvez e comigo doente,
para uma casa onde não está absolutamente ninguém. Naturalmente (a não ser que
esteja já inteiramente bom e arranje as coisas de qualquer modo, o que faço é
ir pedir guarida cá na Baixa ao Marianno Sant’Anna, que, além de ma dar de bom
grado, me trata da garganta com competência, como fez no dia 19 deste mês
quando eu tive a outra angina.
Não imaginas as saudades de ti que sinto nestas
ocasiões de doença, de abatimento e de tristeza. O outro dia, quando falei
contigo a propósito de eu estar doente, pareceu-me (e creio que com razão) que
o assunto te aborrecia, que pouco te importavas com isso. Eu compreendo bem
que, estando tu de saúde, pouco te rales com o que os outros sofrem, mesmo quando
esses «outros» são, por exemplo, eu, a quem tu dizes amar. Compreendo que uma
pessoa doente é maçadora, e que é difícil ter carinhos para ela. Mas eu
pedia-te apenas que «fingisses» esses carinhos, que «simulasses» algum
interesse por mim. Isso, ao menos, não me magoaria tanto como a mistura do teu
interesse por mim e da tua indiferença pelo meu bem-estar.
Amanhã e depois, com as duas mudanças e a minha doença,
não sei quando te verei. Conto ver-te à hora indicada amanhã — às 8 da noite ou
de aí em diante. Quero ver, porém, se consigo ver-te ao meio-dia (embora isso
me pareça difícil), pois às 8 horas quem está como eu deve estar deitado.
Adeus, amorzinho, faz o possível por gostares de mim a
valer, por sentires os meus sofrimentos, por desejares o meu bem-estar; faz, ao
menos, por o fingires bem.
Muitos, muitos beijos, do teu, sempre teu, mas muito
abandonado e desolado."
Fernando Pessoa, em
Carta a Ofélia Queiroz (28 Mar 1920).
Florbela Espanca – Vim para os Teus Braços Chicoteada
pela Vida
"Então tu pensas que há muitos casais como nós por esse
mundo? Os nossos mimos, a nossa intimidade, as nossas carícias são só nossas;
no nosso amor não há cansaços, não há fastios, meu pequenito adorado! Como o
meu desequilibrado e inconstante coração d’artista se prendeu a ti! Como um
raminho de hera que criou raízes e que se agarra cada vez mais. Vim para os
teus braços chicoteada pela vida e quando às vezes deito a cabeça no teu peito,
passa nos meus olhos, como uma visão de horror, a minha solidão tamanha no meio
de tanta gente! A minha imensa solidão de dantes que me pôs frio na alma. Eu
era um pequenino inverno que tremia sempre; era como essa roseira que temos na
varanda do Castelo que está quase sempre cheia de botões mas que nunca dá rosas!
Na vida, agora há só tu e eu, mais ninguém. De mim não sei que mais te dizer:
como bem mas durmo mal; falta-me todas as manhãs o primeiro olhar duns lindos
olhos claros que são todo o meu bem."
Florbela Espanca, em Correspondência (1921)
Richard Wagner – Espero Curar-me em Tua Intenção
"O que me eleva, o que em mim perdurará, é a felicidade
de ser amado por ti. Veneza, o Grande Canal, a Piazzetta, a Praça de S. Marcos
– um mundo desvanecido. Tudo se torna objectivo como uma obra de arte.
Instalei-me num imenso palácio debruçado para o Grande Canal, de que neste
momento sou o único habitante. Salas enormes, espaçosas, onde vagueio à minha
vontade. Tendo a minha instalação uma importância grande no aspecto técnico e
material do meu trabalho, nela ponho todo o meu cuidado. Escrevi logo para que
me mandem o «Erard». Soará admiravelmente nos salões do meu palácio.
O singular
silêncio do Canal convém-me às mil maravilhas. Só deixo a casa pelas cinco
horas, para ir comer. Depois passeio pelo jardim público; breve paragem na
Praça de S. Marcos, de um tão teatral efeito, por entre uma multidão que me é
completamente estranha e apenas me distrai a imaginação. Pelas nove horas
regresso de gôndola, encontro o candeeiro aceso, e leio um pouco antes de
adormecer…
Esta solidão, único alvo que procuro e que aqui se
torna agradável, anima-me. Sim, espero curar-me em tua intenção. Conservar-me
para ti significa consagrar-me à minha arte. Tornar-me tua consolação, através
dessa arte, eis a tarefa que me é dada; convém à minha natureza, ao meu
destino, à minha vontade e ao meu amor. Deste modo permanecerei teu. E também
tu te curarás através de mim. Aqui hei-de terminar «Tristão e Isolda» a
despeito do furor do Mundo, e com ele regressarei para te ver e te levar a paz
e a felicidade. Eis o que diante de mim tenho como a mais bela e a mais santa
das esperanças. Heróico Tristão, heróica Isolda, ajudai-me, ajudai o meu anjo."
Richard Wagner, em
Carta a Mathilde Wasendok (1858).
Lord Byron – Tremo Quando te Escrevo
"Meu amor adorado: a tua querida cartinha ao chegar-me
hoje às mãos veio dar-me o primeiro momento de alegria desde que partiste. O
que eu sinto corresponde exactamente – ai de mim – aos sentimentos que
expressas, mas é-me muito difícil responder na tua bela língua a essas doces
expressões, que merecem uma resposta mais em actos do que em palavras. Espero,
no entanto, que o teu coração seja capaz de sugerir tudo o que o meu gostaria
de te dizer. Talvez que se te amasse menos não me custasse tanto exprimir o meu
pensamento, pois tenho de vencer a dupla dificuldade de expor um sofrimento
insuportável numa língua estranha. Desculpa os meus erros. Quanto mais bárbaro
for o meu estilo, mais se assemelhará ao meu Destino longe de ti. Tu, o meu
único e derradeiro amor – tu, minha única esperança – tu, que já me habituara a
considerar só minha – partiste e eu fiquei sozinho e desesperado. Eis a nossa
história em poucas palavras. É esta uma provação que suportaremos como outras
suportámos, porque o amor nunca é feliz, mas devemos, tu e eu, sofrer mais
ainda, pois tanto a tua situação como a minha são igualmente extraordinárias.
(…) Quando o Amor não é o Senhor de um coração, quando
não cede tudo perante ele, quando não se lhe sacrifica tudo, então trata-se de
Amizade, – de estima – de tudo o que tu quiseres, mas de Amor é que não.
(…) Antes de te conhecer estava sempre interessado em
muitas mulheres, nunca numa só. Agora, que te amo, não existe nenhuma outra
mulher no Mundo. Falas de lágrimas e da nossa desdita; o meu sofrimento é
interior, não choro.
(…) Meu tesouro adorado – tremo enquanto te escrevo,
como treme o mesmo doce bater de coração. Tenho milhares de coisas para te
dizer e não sei como dizer-tas – um milhão de beijos para te dar, e, ai de mim,
quantos suspiros! Ama-me – não como eu te amo, pois te sentirias muito infeliz;
não me ames como eu mereço, pois não seria o bastante – ama-me como te ordena o
coração. Não duvides de mim. Sou e serei sempre o teu mais terno amante."
Lord Byron, em Carta a Teresa de Guiccioli (1819).
Benjamim Constant – Saberei Conquistá-la Através de
Todos os Sacrifícios
"Perdoe-me se me apaixonei a este ponto de si. Mas não
passarei daqui, nem ninguém me verá! Fechado num quarto da pousada, espero a
sua resposta. Esperarei seis horas por umas linhas suas e depois volto para
Paris. Já nem sei viver, vagueio por aí, ferido de morte. Prefiro cansar-me em
longos passeios a cavalo, a consumir-me na solidão, ou no meio de pessoas que
deixaram de me entender… Ordene-me que parta e não tornará a ser atormentada
por um homem a quem um mês bastou para perder a razão.
Muito gostaria de surpreender o seu primeiro pensamento
ao acordar; não posso descrever-lhe o reconhecimento que me enche o coração,
este coração que reclama apenas a sua amizade, que saberá conquistá-la através
de todos os sacrifícios, que é completamente vosso até ao seu último alento.
Não me conformo com a ideia de ser abandonado. O seu
interesse é-me mil vezes mais preciso do que a própria vida, mas saberei
moderar a expressão dos meus sentimentos e não terei outras aspirações do que
as que me forem permitidas; também saberei esconder-lhe os meus temores;
respeitarei o seu repouso – mas vê-la-ei, e nunca mais haverá felicidade na
minha vida se não puder consagrar-lha inteiramente."
Benjamim Constant, em Carta a Madame Récamier (1814).
Eça de Queirós – Cada Dia que Passa me Aproxima de Si
"Bom! Recebo neste instante a sua carta escrita à luz de
uma só vela – e tenho de retirar tudo, tudo, tudo o que escrevi! Pois
acabou-se! Não retiro. A minha querida dizia no outro dia que devíamos mostrar
um ao outro todos os estados de espírito em que tivéssemos estado. Mostro-lhe,
assim, que estive hoje, ontem, antes de ontem num estado de impaciência por uma
palavra sua, gemendo e queixando-me de «ne voir rien venir». E mostro-lhe assim
o desejo de ter todos os dias, ou quase todos, um doce, adorado, apetecido e
consolador «petit mot». (…) As pessoas que se estimam nunca deviam se apartar;
a culpa tem-na a nossa complicada civilização; o encanto seria que os que se
amam se juntassem em tribos, acampando aqui e além, com as suas afeições e a
sua bilha de água, and «settling down to be happy, anywhere, under a tree».
Cada dia que passa, agora, me aproxima de si. (…) Eu
também não realizo bem a situação. Ela não deixa de ser ligeiramente romântica.
Separamo-nos amigos, reencontramo-nos noivos. Que profunda, grave, séria
diferença! Enquanto a gente se escreve, num tom de alegre felicidade,
gracejando por vezes, falando de sentimentos e dando «notícias do coração» – «a
coisa» parece apenas uma «flirtation» (…) Mas quando se pensa bem! Há então
nessa coisa como uma severidade quase religiosa, uma sacro-santidade que
assusta e perturba. Duas almas que se unem para sempre e que, tendo
individualidades diferentes, não podem jamais tornar a ter interesses
diferentes!"
Eça de Queirós, em Carta a Emília de Rezende (1885).
Victor Hugo – Amo-te Mais do que Nunca
"Acabei, enfim, acabei! E logo me precipito a enviar-te
uma palavrinha! Amo-te, és a minha vida, toda a minha vida. Aqui estou, pois,
liberto! Que alegria! Até logo! Amo-te mais do que nunca. E tu, como te sentes
esta manhã, minha alegria? Passaste bem a noite, ao menos? Irei encontrar o teu
belo rosto radioso como o céu, que ontem chorava e hoje sorri? Preciso que
tenhas saúde, que me ames, que sejas feliz. Preciso de ti, da tua saúde, do teu
amor, da tua felicidade. Sabes, pobre querida, que podes viver descansada
enquanto eu viver. O céu fez as minhas mãos para que reparassem a tua vida meio
desfeita, a minha alma para compreender o teu coração, os meus lábios para
beijar os teus pés.
(…) Olho para o passado com embriaguês, mas não é com
menos deslumbramento que encaro o nosso futuro. Eis-nos, agora, um do outro
para todo o sempre, sem ansiedades, sem inquietações, sem angústias.
Atravessámos e vencemos tudo o que era mau e que poderia ser fatal.Estamos na
plena posse dos nossos dois destinos fundidos num só. O nosso amor não terá a
frescura dos primeiros tempos, mas é um amor posto à prova, um amor que conhece
a sua força, e que mesmo para além do túmulo, espera ser infinito. O amor,
quando nasce, só vê a vida, o amor que dura vê a eternidade."
Victor Hugo, em Carta a Juliette Drouet.
Vilto Reis-Editor e idealizador do site Homo Literatus,
vê na leitura uma das formas de suportar a vida (ainda não descobriu outras,
mas para ter tanta gente viva, deve ter). É um escritor de ficção em formação.
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