Histórias do povo da beira de um rio [Maria Inês Portugal]
Assim somos nós! Poucos veem cada minuto destes cinquenta e tantos anos de pertinácia de editores pobres e simples que nunca cedem às ameaças dos grandes e nem batem palmas ao aplauso dos pequenos.
Somos a história de Rio Preto. O que Rio Preto é e for, nós o somos e seremos.
Somos possivelmente o único jornal no Brasil com existência tão longa e tão regular, com objetivos suicidamente desinteressados e com interesses desentranhadamente amadoristas.
A mesma voz de diretor retoma o assunto seis anos depois. Descreve suas colunas. Classifica-o de roscofe. Quanto censo crítico! Quanta dureza, Pai! Seu jornal estava antenado com a imprensa internacional. Até discutia psicanálise!? Estou falando sério!!! A grande imprensa brasileira vivia sob o tacão dos anos de chumbo. Mas noss”O Município”, era sobretudo consciente, o porta-voz das tristezas e alegrias de um povo. Do tamanho de nosso povo! Dimensão do nosso afeto!
“Duas folhas. Quatro páginas. Quinzenal. Rio, São Paulo, Belo Horizonte. Volta Redonda, Santa Rita. Qual tiragem? Mil e tanto. Jornalzinho roscofe. Dá aniversário. Mortes. Fala de uma ponte no Funil e das contas da Prefeitura. Editais da Comarca. Propaganda da Mercearia Progresso. Publica a lista de ouro. Informações da ACAR. Reuniões da Cooperativa. Memórias do Tavares. Discurso do João Duque. Divórcio do tempo em que Décio era menino. Pingo de notícia. Esporte. Cartas de deputado. Estrada Rio Preto-Juiz de Fora. Devaneios literários. Este é o miolo do jornal.
Nabor e Max todo dia se fundam ali, por detrás da Matriz, nas velhas oficinas de “O Município”. Labuta humilde e intransigente. É a cara feia de um chefe político que se sentiu ofendido com esta ou aquela notícia. É o preço do papel. É o atraso dos assinantes. São as dificuldades do correio, dos colaboradores. É duro dizer que tal artigo não dava prá ser publicado. E aqueles que querem tirar sardinha com a mão do gato? Querem ver uma denúncia publicada, mas cadê que assinam...
É “O Município”. Sexagenário!Cumprindo seu destino pequenino.
Se ele é pequeno, a culpa não é dele... Um jornal é a alma de um povo! E um povo é do tamanho de seus ideais.
Nós riopretanos não podemos transmitir aos estranhos a importância do nosso jornal. Não podemos dizer a eles porque, interrompemos o almoço, o programa de televisão, a conversa e jogamos de lado “O Globo”, o “Jornal do Brasil”, quando chega “O Município”. É questão nossa... questão muito nossa “O Município” é a quentura destas poucas ruas transitadas de Melos, Monteiros e Maias, Duques, Pereiras e Limas. É o povo embebido de seu passado. As lutas. Os ódios. As estórias... Os Portugais, os Guimarães, os Ferreiras. O povo, este misterioso povo... Lembra-se do “Tides” seu Joaquim Simões? O Pe Gomes?
Os sinos da Matriz. As festas de Santa Terezinha. Os dobrados da “Lima Santos”. As manhãs de azul e branco dos dias letivos. O centenário. Os nossos mortos... Isto é “O Município”! Pequenino! Humilde! Do tamanho de nosso povo! Dimensão do nosso afeto! Ele é o testemunho de nossas tristezas e nossas alegrias...
Cunha & Costa, como possessos, cumprem o destino do jornal. Fazem um jornal. Registram a história de um povo.” (O Município, 15/08/1975)
O Município nasceu em 14 de junho de 1914 tendo como fundador o Dr Luiz Antônio da Costa Carvalho. Portanto, na edição de 25 de julho de 1970 comemoravam os 56 anos de sua fundação, reafirmado heroicamente:
“...Os instrumentos de que os homens dispõem devem ser reunidos para o bem e para a sua prática. Cremos que este periódico tem [se] batido para o bem, para a sua prática, pelo bem estar do riopretano pelo progresso do Rio Preto.”
- Amém nós todos, Max & Costa!
EU paro um pouco. A emoção me sufoca. Vivi nesta aldeia. Sinto falta dela! Cresci vendo Seu Max, Seu Costa e o Nabor trabalhando naquela velha tipografia. Montavam o jornal e outros trabalhos gráficos letrinha por letrinha, com tipos móveis, reunidos manualmente como no tempo de Gutemberg. Até convites para enterro eram feitos na gráfica d’O Município. Não havia computador, mas gavetas de fontes. Alguém sabe o que é clichê? O maquinário em ferro. E nenhum trabalho solicitado sofria qualquer atraso na entrega. Já pensou se os convites para os enterros não fossem entregues na hora certa, Nabor?
Eu desafio nossos aldeões viventes de hoje. Vamos resgatar esta memória?
Isso é fazer História. É História de Rio Preto. É a História da imprensa, História do Brasil; são fragmentos da história da Humanidade. Ler “O Município” mesmo que em frangalhos é como jogar “puzzle”- quebra cabeça, com nossas vidas passadas. Falta uma pecinha aqui, sobra uma pedrinha ali. Mas aos poucos a gente recompõe uma bonita paisagem social.
E cada um de nós pode jogar, se quiser: É só remexer nossas gavetinhas, encontrar números do jornal, ali esquecidos. Por que entregar nossas vidas passadas à sanha dos ratos e das enchentes! Vamos juntá-los e recuperá-los. Podemos reproduzi-los com a tecnologia disponível hoje... podemos reeditá-los, disponibilizá-los em forma digital ou mesmo em papel... alguém pode organiza-los...
Quem se habilita?
Vamos juntos recolher os pedacinhos de uma história de Rio Preto? Se você tiver um pedacinho d’O Município participe do jogo. Coloque-o em um envelope, escreva seu nome, diga se é doação ou empréstimo e deixe-o na casa do Sr Rodney.
Quem somos nós, afinal?
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