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Jacques Fux e a matemática da literatura [Márcia Abos]

Jacques Fux e a matemática da literatura


Vencedor do Prêmio São Paulo como escritor estreante, acadêmico surpreende meio literário com romance em primeira pessoa em que se impõe restrições de escrita 


Movido por uma inabalável fé literária, o mineiro Jacques Fux, de 36 anos, despontou como escritor com o romance “Antiterapias” (Scriptum). Logo em sua estreia na ficção, venceu, no fim de 2013, o Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria autor estreante, com menos de 40 anos. Segundo o parecer do júri, “pela intensidade dramática, pelo olhar arguto e pela prosa poética com que arregimenta sua narrativa, a obra é uma grata novidade no cenário atual da nossa produção literária”. Ao lançar luz sobre o jovem autor, acadêmico e crítico literário, o prêmio levou a editora independente que publicou seu primeiro livro de ficção a realizar uma nova tiragem de mil exemplares, somando-se aos 500 da primeira edição.

Leitor voraz, Fux formou-se em Matemática e fez mestrado em Computação. Não levou muito tempo para iniciar uma investigação sobre a relação entre letras e números, assim como dois de seus escritores preferidos, o argentino Jorge Luis Borges e o francês Georges Perec. E foi com um doutorado sobre a matemática na literatura desses autores que ganhou seu primeiro prêmio, o Capes de Teses de 2011, e publicou seu primeiro livro de crítica literária, “Literatura e matemática: Jorge Luis Borges, Georges Perec e o OuLiPo” (Tradição Planalto), no mesmo ano.

— O que me incomoda na literatura e na matemática são os fundamentos — diz o autor, revelando que, inspirado em Perec e no centro de literatura experimental OuLiPo (Ouvroir de Littérature Potentielle), criou uma restrição matemática para utilizar citações em “Antiterapias”, o que é também um tributo a Borges e sua capacidade caleidoscópica de citar, revisitar e até inventar outros autores. — O livro tem citações que vão se incorporando ao texto. Decidi que o personagem não teria nada de inédito em sua vida. Tudo o que lhe acontece já ocorreu na literatura. Foi uma regra que me impus. 

Obra é classificada como autoficção 

Narrado em primeira pessoa, “Antiterapias” é classificado por alguns críticos como autoficção. Fux prefere chamá-lo apenas de ficção, porque a partir da literatura ele fantasia a própria vida, remodelando sua memória e seu passado. Por tratar, com rasgos de ironia, da cultura judaica e de sua influência na formação do narrador-personagem, a obra é comparada a “O complexo de Portnoy”, de Philip Roth. O mineiro não nega a admiração pelo escritor americano. Os dois últimos livros de ficção que leu são de Roth: 
“Patrimônio” e “O professor do desejo”:

— Imagino que o primeiro romance de qualquer pessoa ainda precise tentar romper com as amarras de suas influências, de suas leituras. “Antiterapias” não é 100% autobiográfico. Por mais que você tente fazer uma autobiografia radical, ao escrever, está fantasiando.

O escritor e editor Mário Alex Rosa conta que, ao ler o manuscrito de “Antiterapias”, foi atraído pela sólida formação literária de Fux e pela forma com que ele se apropria de textos de outros escritores, mantendo o domínio da autoficção.

— Ele é um leitor compulsivo e consegue fazer uma terapia desse processo da escrita. O livro tem também muita ironia e sarcasmo, vindos dessa tradição judaica — avalia Rosa, ponderando que, para evoluir como autor, Fux precisa se desprender da autoficção, se aventurar numa narrativa em terceira pessoa e se desvencilhar da tradição judaica.

Dedicando-se a uma tese de pós-doutorado sobre testemunhos escritos do Holocausto, Fux passa parte de seu tempo nos Estados Unidos, onde é pesquisador visitante em Harvard. Também está começando um novo romance

— mais um relato em primeira pessoa. Ao ser listado entre os finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura, Fux procurou a agente literária Luciana Villas-Boas, que agora o representa. Ele tem um livro infantil pronto e negocia com editoras:

— É um livro infantil para todas as idades. Imagino que será lido por pais e filhos juntos. Traz perguntas e respostas abstratas, tais como “por que amamos?”, “por que sofremos?”, “por que temos medo?”. As respostas são dadas por personagens livremente inspirados em Clarice Lispector, Freud, Lacan, Riobaldo ou Diadorim. Para mim, a grande sacada da literatura é falar sobre a própria literatura.

Para Luciana Villas-Boas, o trabalho de Fux é diferente no atual quadro da literatura brasileira, com forte possibilidade de ser levado para fora.

— Valorizei muito sua cabeça matemática. Ele é um estilista excepcional e faz uma literatura que começa a despertar interesse no exterior. Há muitos anos não víamos uma forte vertente literária judaico-brasileira — diz Luciana.

Um dos editores de “Antiterapias”, Wagner Moreira vê na escrita de Fux uma fluidez própria, mas sentiu certo estranhamento na forma de apresentação do romance:

— Fux deixa clara sua estratégia de criação, seja na explanação de seus diálogos com o universo literário-filosófico, seja nos riscos que corre ao diminuir a distância entre as categorias autor, narrador e personagem. O desafio é manter esse nível no próximo trabalho.

Fux define seu projeto literário como a busca por uma voz e um estilo novos, algo que considera utópico:

— Busco algo que mistura a grande literatura, o lúdico e as histórias de todos nós, seres autonarradores. Ousado, né? Mas por que não ser?

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