Inesperado viajante
Ele me observava do alto de uma rua. Tinha cabelo
desgrenhado e um cheiro forte de suor, como quem viera a pé de uma viagem muito
longa. Continuava a me observar com vislumbre ou algo mais terrível no olhar.
“Quisera me levar para o lugar de onde viera?” Tive essa impressão ao olhar sua
posição estática povoando a rua que conhecíamos desde a infância. Descíamos o
meio-fio, muitas vezes abraçados como velhos amigos, e fazíamos planos .
Sim, era ele! Mais uma vez entrara no meu sonho como
uma viajante, talvez quisesse me falar algo, mas não se permitiu. Ou será que
fui eu que interrompi mais uma vez o motivo dele me falar? Ele tinha caminhado
bastante, parecia exausto. Não tenho medo do que vejo ou do que poderia
acontecer de uma visita tão inesperada, se é que tenho consciência do que
realmente acontece.
Não pensei em montar um cenário mais agradável, já que
eu tinha total domínio e liberdade para espalhar minha criação, como o processo
artístico que se expande em nossas mãos e toma forma minuciosa em qualquer
parte que anunciamos. Não tive tempo, fiquei tomada em demasia, como um corpo
estranho que nunca se tomou pela coisa humana, como se jamais tivesse existido;
como um tormento sem nome e que se vai quando deseja, pois não obedecia a
qualquer vontade, nada lhe era superior, a não ser seu ego volátil e sua
necessidade de estar ali.
A ideia era mais tátil, como se na verdade pudesse
pegar e sentir, mas era só um risco estranho no ar, como se parasse à sua
maneira, não devorado pelo medo como eu estava; ele vinha como se flutuasse no
vento e em qualquer campo de concentração de fluidos, era surreal como
aparecia, como desejava ser; ele desejava uma forma que não podia, não tinha
consciência do que tinha se tornado, talvez nem pudesse se ver. Ainda tenho uma
curiosidade estranha pelo seu universo paralelo, nem sei explicar como tudo
acontece, mas sei transformar cada peça dentro de mim.
Imagino que ele viera mesmo me mostrar, orgulhoso, sua
liberdade. Não entendo por que ele arma situações e me escolhe em momentos tão
familiares, como se eu já tivesse vivido tudo aquilo, como uma repetição de
atos para se chegar à perfeição. Não sei, penso que não devo saber; algum dia
ele dirá.
Patrícia
Dantas - Amante da arte de escrever e descobrir nas histórias a construção das
palavras.Possuo, desde 2010, uma página atualizada no Recanto das Letras:http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=68582.Participei
da Focus - Antologia Poética VII, pela Cogito Editora:http://www.cogitoeditora.com/patricia-dantas-focus-antologia-poetica-vii/
MeuBlog: Intimidades de uma Escritora http://intimidadesdeumaescritora.blogspot.com.br/Portal
BVEC (Biblioteca Virtual do Escritor Contemporâneo:http://www.portalbvec.net/Patricia_Dantas/
Um brinde ao encanto das
palavras
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