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O CAPITAL, UM FILME DE COSTA-GAVRAS [Raul Arruda Filho]

O CAPITAL, UM FILME DE COSTA-GAVRAS


No final do filme O Capital (Le Capital. Dir. Constantin Costa-Gavras, 2013), Marc Tourneuil (interpretado por Gad Elmaleh) é aplaudido entusiasticamente pelos membros da diretoria do Banco Phenix. Reconduzido à presidência, termina o discurso de posse com uma frase de impacto: Meus amigos, sou seu Robin Hood moderno, continuarei roubando dos pobres para dar aos ricos.

É uma elegia à banalidade do mal. Também significa que a carreira bancária que começou alguns anos antes, quando Marc foi contratado como ghost writer de Jack Marmande (Daniel Mesguich), o Chief Executive Officer (CEO) do banco, atingiu o sua apoteose. Quando o patrão, vítima de um câncer de próstata, precisou se aposentar, Marc – por parecer confiável – foi indicado para substituí-lo.

Mas, o plano não se efetiva. Uma das peças não encaixa no quebra-cabeça. Alguém se esqueceu de avisar a quem interessar possa (e aos fins a que se destina) que o poder e o dinheiro são gêmeos univitelinos. Idênticos em tudo. Inclusive na ambição insaciável. Um serve de escada ao outro. E os dois conseguem, por algum poder alquímico indecifrável, transformar os piores defeitos do ser humano (ambição, cinismo, crueldade) em substâncias afrodisíacas.

Marc Tourneuil, um predador natural, pensa em trabalho todo o tempo que lhe é disponível. Como não consegue relaxar um instante, se torna um workaholic caricatural. Somente se distrai com a promessa sexual inscrita no corpo de Nassim (Liya Kebede), uma modelo exótica que conheceu em Miami e depois reviu em Paris, em um evento denominado Le luxe est un droit. Mesmo assim, precisa viajar por metade do mundo para conseguir encostar um dedo (ou algo mais) no corpo da mulher.

O enredo do filme está centralizado em uma situação muito peculiar. Parte do banco Phenix caiu nas mãos de um grupo de investimentos estadunidense. Do outro lado do Atlântico, as regras são outras. O capitalismo selvagem não consegue imaginar os negócios sem a possibilidade de lucrar. Ou melhor, de multiplicar o capital investido. Liderados por Dittmar Rigule (Gabriel Byrne), exigem uma série de medidas gerenciais que não correspondem à cultura e ao estilo europeu: maximização dos lucros, demissões em massa e fusões corporativas duvidosas. O dinheiro nunca dorme, sintetiza um dos personagens, indicando que o aumento exponencial dos dólares se afasta do conceito de milagre religioso. Afinal, o dinheiro é um cão que não pede carinho, lance a bola cada vez mais longe e ele a traz, indefinidamente.

Depois que a devastação se completa sobram desempregados e ganhos imediatos nos títulos da Bolsa de Valores. Embora, Marc precise superar alguns desagradáveis momentos de consciência social (que desaparecem na mesma velocidade com que surgem), ao promover essas manobras econômicas dispensa delicadezas e gentilezas. Fortunas mudam de mãos com velocidade impressionante. E a presidência do banco – que ele tanto lutou para manter – torna-se um item descartável para os especuladores estadunidenses.

Diante do perigo iminente, cabem algumas providências. A principal é contratar um detetive para espionar os inimigos (dentro e fora do banco) e preparar, na medida do possível, algumas manobras de defesa. A cena em que eles se encontram pela primeira vez proporciona um diálogo muito instrutivo:

– O que você sabe fazer?   
                
– Tudo. Desde que seja legal.

– E se for ilegal?

– Tudo. Só muda o preço.

No mundo das grandes transações financeiras, o fundamental consiste em acertar o preço. Por isso, com sangue frio e uma boa margem de segurança, Marc faz um acordo com alguns sócios do banco. E promove uma cilada para os estadunidenses. Confirmando uma regra social clássica, o nome familiar ultrapassa algumas barreiras. Ou seja, contra o inimigo externo os irmãos esquecem as diferenças.
Ninguém escapa de uma guerra sem perder alguma coisa. Superada a crise, talvez Marc não tenha muitos motivos para comemorar. As pessoas que poderiam significar alguma coisa na sua vida, como uma das consultoras do Phenix, Maud Baron (Celine Sallette), foram afastadas pela ganância e pela falta de escrúpulos. A esposa e o filho deixaram de sentir algum tipo de carinho por ele. 

Quem conquista o poder, repetindo mais uma vez a tragicomédia faustiana, precisa apre(e)nder que, mais cedo ou mais tarde, alguém vai apresentar a fatura. A forma de pagamento mais utilizada nesse tipo de circunstância é a solidão. 


Konstantinus Gavras (mais conhecido como Costa-Gavras) nasceu em Lutra Iréas, na Península do Peloponeso (Grécia), em 1933. Defensor do cinema político, dirigiu, entre outros clássicos, Z (1968, Prêmio do Júri, no Festival de Cannes), Estado de Sítio (1972) e Missing (1982, Palma de Ouro, no Festival de Cannes).


Raul J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”. 
Todos os direitos autorais reservados ao autor.

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