Para
ser um escritor
Mas o escritor é aquele que aprendeu também a ter uma
disciplina, a escrever mesmo quando não tem ideia ou vontade, a fazer perguntas
ao texto o tempo todo. Se deixarmos para começar só quando a história estiver
pronta e dominada, pode ser que nunca mais saíamos do lugar.
A estudiosa da literatura Marthe Robert diz que o
escritor acumula as funções de sábio, sacerdote, médico, psicólogo, sociólogo e
juiz. De todo modo, na minha área, o candidato a escritor costuma falhar na
saída: seus conceitos de criança, infância e literatura (vá lá, com adjetivo!)
infantil deixam a desejar.
Por Celso Sisto
O exercício da escrita, ainda que se torne uma
atividade profissional, será sempre um ofício artesanal. Deixamos a pena,
ficamos dependentes do computador. Mas a escrita continuou exibindo sua
fragilidade, vulnerabilidade e dependência de uma série de domínios
(habilidades?), que também não servem para garantir a qualidade do que vai ser
escrito.
Todo mundo pode escrever, mas para ser um escritor de
literatura é preciso algo mais. Estou convencido de que só se pode ser um bom
escritor sendo primeiro um grande leitor! Como venho da literatura infantil,
devo dizer: escrever para criança exige uma grande bagagem de leitura,
sobretudo da própria literatura infantil, principalmente das obras canônicas,
assim como é preciso estar reconciliado com a sua própria infância, dentre
outras necessidades.
Ouço com frequência, desculpas que vão da (falsa)
facilidade de escrever para crianças à necessidade de ser útil e edificante.
Ninguém se lembra de argumentar sobre a necessidade de originalidade ou de
considerar a literatura um trabalho de linguagem! E a técnica serve exatamente
para isso. Também para assinalar aquilo que não se deve fazer. Uma escrita
extremamente técnica também não funciona. O leitor não é conquistado para a
obra quando ela soa “técnica demais, fria, distante”. Portanto, transformar a
escrita em arte não é tarefa simples!
Gosto de pensar que o escritor tem como matéria prima
“a desgraça e o absurdo da condição humana”. Isso gera interesse, causa
impacto, permite ao leitor continuar lendo uma obra. Mas eu também poderia
dizer isso de outra forma: é necessário fugir do óbvio. E o óbvio é muito mais
persistente e reincidente do que a gente imagina.
Tenho sido levado a acreditar que o que faz de verdade
um escritor é concentração, uso da memória, experimentação da linguagem,
abordagem criativa do tema, ousadia na montagem da trama.
Também sou forçado a admitir que o escritor pode ser
formado ou se aprimorar ao longo do caminho, mas se ele não souber dar “o pulo
do gato”, será apenas mais um escrivão e não um artista da palavra.
Posso traduzir “pulo do gato” por “algo mais” ou qualquer
outro termo. O que precisamos aprender, mais do que tudo é a descobrir
situações que desencadeiem o nosso poder de criação, que instiguem a nossa
criatividade, que nos ajudem a desentranhar a história que está oculta nas
coisas.
Escrever, você até pode escrever o que quiser, mas daí
a querer ser publicado, é outra história. O escritor tem a obrigação de saber o
que dele pode ou não ser compartilhado. Portanto, perseverança é a palavra-chave
de qualquer escritor.
Com isso, penso nos critérios assumidos pelo poeta
Wallace Stevens para atestar a qualidade de uma obra de ficção: ela deve mudar
(o leitor), deve dar prazer e deve ser abstrata (no sentido de se distanciar do
lugar-comum e revelar uma “magia oculta”). Isso é tudo! Pra que mais?!
Fonte:
Celso Sisto
é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá
(RJ), ator, arte-educador, crítico de literatura infantil e juvenil,
especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Teoria da
Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUC-RS) e responsável pela formação de inúmeros grupos de contadores de
histórias espalhados pelo país.
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2 comentários
Querido Celso, infelizmente não participei de nenhuma das suas oficinas de formação de contador de histórias, mas tenho aprendido muito com você, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente. Sou amiga da Beatriz, professora do IEE, Florianópolis, por isso, sempre compartilhamos conhecimentos sobre literatura infantil, e a Beatriz sempre cita você. Sou coordenadora e ministrante de uma oficina literária para formação de escritores contadores de histórias: Oficina Literária Boca de Leão, um dia ainda quero ter você entre nós, repassando os seus conhecimentos. Já tivemos o prazer e a dádiva de ter a Cléo Busatto, agora só falta você. Grande abraço fraterno! Claudete da Mata: claudete_tm@hotmail.com
Ficarei feliz em ser uma das ganhadoras. Sucesso, saúde vida longa!
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