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SORVETE DANÇANTE [Leony Muniz]

SORVETE DANÇANTE

Leony Muniz 

O Clube Português aos domingos, das 20h as 24h, abria os seus salões à sociedade recifense para o Sorvete Dançante.

A Jazz Band Acadêmica, sob a batuta de Plácido de Souza,  contava com  músicos da melhor categoria como Isnar Mariano(pianista)  Alcides Leão (sax), entre outros, comandava a festa

Casais, de todas as idades, rodopiavam ao compasso dos gêneros musicais da época: valsas, boleros, tangos, fox, sambas,chorinhos, e até  baião.

Os homens, com seus “paletós-saco”, “último grito da moda” – de linho ou tubarão (tecido flexível usado na época), sapatos de duas cores completavam a elegância masculina.

Cavalheiros enlaçavam as damas e saiam demonstrando suas habilidades de dançarinos, até inventando novos passos, numa coreografia sensual e romântica.

O máximo de demonstração de carinho permitido era olho no olho, e o rosto colado suavemente, longe dos olhos vigilantes dos pais. Beijos?  Nunca! Ou, quase nunca. Havia sempre um momento para drible.

Senhoras e senhoritas, por sua vez, apresentavam-se a cada domingo com um novo vestido, obedecendo a tendência da moda, cuidadosamente selecionado para não ser repetido nas ocasiões seguintes.

Era o momento ansiado para quem gostava de dançar e para quem andava a procura do seu amor, fosse ela, fosse ele.

O “frisson” ao toque dos primeiros acordes era grande. A dúvida de que alguém especial viria “tirar” a jovem para dançar, ou a timidez do cavalheiro temeroso de um “corte” se instalava, até que tudo acontecesse como o esperado, ou não.

Amores platônicos, sonhos frustrados, a energia presente interagia com todos os sentimentos.

Muitos namoros, noivados e casamentos foram iniciados ali. A música do momento tornava-se tema preferido do casal.

Famílias ocupavam as mesas onde lhes eram servidos refrigerantes (gasosa, guaraná e coca-cola), alguns petiscos ou sanduiches e alguma bebida alcoólica apenas para os pais. Estes, apesar de se divertirem dançando, não descuidavam de observar e controlar suas filhas. Era o ponto de encontro para os amigos e amigas.

Meus pais frequentavam levando as minhas irmãs. Todos se divertiam. A segunda-feira era o dia dos comentários que eu ouvia e registrava tudo, até o nome das pessoas, louca que o tempo passasse e eu chegasse aos 15 anos de idade para poder frequentar.

Se por acaso meu pai não podia ir, minhas irmãs também não tinham ordem para ir com ninguém, por mais responsáveis e amigos que fossem.  Desde a véspera choravam e rezavam, fazendo promessa para que meu pai desistisse da ideia. Por inveja, me divertia com a infelicidade delas.

Quando chovia e papai ameaçava não ir, elas me convocavam para fazer simpatias a fim de parar a chuva. Era recomendado que tais práticas devessem ser feitas por filho caçula. E lá ia eu enfiar um garfo na areia, jogar cinzas de costas, acender uma vela virgem, e outras que já não me lembro.

Era recomendado às senhoritas não circularem pelas dependências do clube, exceto quando havia necessidade de ir ao toilete, ocasião que aproveitavam para dar uma espiada ou passar por perto do “flirt”  (paquera), para se fazer lembrada.

Havia tipos interessantes que marcavam a sua presença, e até levavam apelidos: Deus, por exemplo, era um rapaz que se fazia presente, ao mesmo tempo, em todos os eventos da cidade; “cheiroso”, rapaz que cheirava a mofo e as mocinhas se recusavam, sistematicamente, a dançar com ele.; “boneco” riquinho e bonito, mas  era portador de um mau hálito  afugentador;  “manequim”, mulato esguio, de postura ereta, sempre trajando um terno de linho branco irlandês impecavelmente engomado.

Durante a II Guerra, foi freqüentado pelos militares americanos sediados no Recife. A vigilância redobrou. Alguns pais proibiam as filhas de dançarem com tais soldados com fama de libertinos.

O Sorvete Dançante do Clube Português durante anos recebeu e divertiu a sociedade do Recife.

Deixou boas lembranças e saudades.


Leony Muniz, é do Recife-PE, formada em ciências Sociais pela UFPE.
É membro da UBE-PE, da Academia de Letras e Artes do NE do Brasil- ALANE, onde ocupa a cadeira nº45, e faz parte da diretoria como secretária geral e da Academia de Letras do Brasil-PE, cadeira nº 2.
Tem vários livros publicados (ensaio e romances), e participação algumas antologias. Foi homenageada no livro”Mulheres que mudaram a História de Pernambuco, no Projeto “Ficção em PE” (UBE e livraria Saraiva), Doutora em Filosofia Univérsica, título outorgado pela Academia de Letras do Brasil – Br/DF

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