Universo de Hilda Hilst mantém-se 10 anos após sua
morte
Delma Medeiros
delma@rac.com.br
Uma casa no bairro Xangri-Lá, em Campinas, planejada
para ser um espaço de inspiração e criação artística que, 10 anos após a morte
de sua idealizadora, a escritora, dramaturga e poetisa Hilda Hilst (1930-2004),
continua mantendo a proposta original e funcionando como celeiro criativo para
artistas das mais diferentes áreas.
Andar pela Casa do Sol, nome dado pela escritora desde
o início da sua construção, é como mergulhar no universo mágico e produtivo
dessa mulher determinada, independente, inteligente, transgressora, talentosa,
considerada pela crítica um dos maiores nomes da literatura em língua
portuguesa do século 20. A Casa do Sol pode não ter sido a inspiração, mas é
uma ótima tradução da canção 'Casa no Campo', de Zé Rodrix — “onde eu possa
guardar meus amigos, meus discos, meus livros e nada mais...”. No caso, tem muito
mais.
A casa foi projetada para ser um refúgio onde a artista
tivesse paz e tempo para se concentrar em sua obra. “A casa foi construída por
Hilda num espírito conceitual próprio para criação. E continua assim, recebendo
artistas do mundo inteiro e mantendo a proposta dela, de ser uma casa de
criação”, afirma a artista plástica Olga Bilenky, uma das fundadoras do
Instituto Hilda Hilst (IHH), que funciona no local. Olga chegou à Casa do Sol
em 1976, foi casada com o escritor José Luís Mora Fuentes, amigo de Hilda,
companheiro de seu projeto criativo ao longo da vida e herdeiro de seu
patrimônio e acervo, que com sua morte, em 2009, passaram para seu filho Daniel
Fuentes, hoje presidente do IHH.
Na grande sala, pinturas, esculturas, fotos, objetos e
livros de arte, tudo de extremo bom gosto, com os variados estilos e técnicas
conversando como grande amigos. “A Hilda tinha um bom gosto absurdo”, diz Olga,
apontando um dos espaços mais pessoais da escritora, uma mesa repleta de
objetos colocados de forma a criar uma espécie de altar ecumênico. No que seria
a lareira da sala, mais um altar. “Ela era muito mística”, afirma Olga.
Do lado externo, o jardim é outra marca característica
de Hilda que, além de preservar espécies como a figueira centenária pela qual
tinha um carinho especial, se encarregou de plantar muitas outras.
Há poucos dias, um incêndio atingiu o jardim e destruiu
um bambuzal que ela havia plantado junto com Mora Fuentes há cerca de 40 anos.
O fogo chegou a atingir uma figueira centenária, mas foi controlado pelos
bombeiros e por amigos e moradores da casa, que se muniram de baldes para
ajudar. Segundo Fuentes, a árvore sofreu alguns danos, mas mantém-se em pé. O
fogo, que começou na noite da última quarta, só foi controlado no fim da tarde
de quinta-feira (29).
Parte do arquivo pessoal de Hilda foi comprado pelo
Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), mas sua biblioteca, composta por títulos das mais diversas áreas,
está abrigado no Instituto Hilda Hilst. O acervo reúne cerca de 5 mil livros, a
maioria com anotações da escritora, em torno de 2 mil fotos e 150 minutos de
filme em formato super-8 feitos na casa nos anos 1970. “Ela anotava suas
considerações nos livros, que se tornaram documentos e têm um valor muito
especial”, diz Olga. A biblioteca guarda ainda alguns prêmios e a velha máquina
de escrever usada pela escritora.
Pela casa, obras de arte de artistas como Antonio
Roseno, Waldomiro de Deus, Maria Bonomi, Dante Casarini, Jurandy Valença, Tomie
Ohtake, Claudio Matsuno, Felipe Cohen, Mora Fuentes, Olga Bilenky, entre
outros. Um destaque é uma foto da escritora com fones de ouvido, tentando se
comunicar com os mortos por meio de ondas sonoras (uma das atividades a que se
dedicava), feita pelo jornalista, escritor, artista plástico e fotógrafo J.
Toledo, amigo e frequentador da Casa do Sol.
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