A arca ‘verde’ de Noé
por Celso Moraes
O cinema é, desde sempre, a mágica por excelência no
sentido de transformar em imagens as abstrações dos criadores, em outras
mídias. Quando o tema é baseado em fatos, as coisas ficam – ou deveriam ficar –
mais ‘presas’ a uma fidelidade que nem sempre é respeitada. E se o assunto
brota da Bíblia, os cuidados devem ser redobrados, sob pena de se encontrar uma
rejeição que pode dar um prejuízo monstruoso, no caso das superproduções, a
ponto de fechar estúdios e enterrar carreiras.
Dirigido por Darren Aronofsky (fascinado com o
personagem de Noé desde a infância, vendo-o como ‘alguém sombrio e complicado
que experimenta a verdadeira culpa do sobrevivente’), secundado por John Logan,
Noah (2014) conta com um elenco de primeira linha, e o personagem é um dos mais
carismáticos entre os bíblicos: relacionado ao dilúvio, um dos episódios mais
conhecidos mesmo entre os leigos e os não-religiosos, Noé volta às telonas numa
produção que antes mesmo do lançamento gera uma polêmica, pois certas pessoas
argumentam que algumas cenas não estão de acordo com os relatos bíblicos. A
abordagem ‘verde’ também chama a atenção: há uma preocupação com o planeta,
algo ecológico mesmo: o protagonista prega que as pessoas devem cessar os maus-tratos
com relação à terra.
Sem dúvida, algo muito coerente com os dias de hoje,
mas presente de forma sutil na palavra escrita de Deus, quando Ele manda Adão
‘cuidar do Jardim’ do Éden.
Como quase sempre acontece, os roteiristas criam
personagens para ressaltar ou reforçar alguns aspectos da trama original, como
os ‘inimigos’ de Noé que tentam tomar a arca sob o pretexto de salvar a raça
humana, em vez de animais (e no processo pretendem cooptar para seu lado Ham,
primogênito de Noé, interpretado por Logan Lerman), que era a proposta
predominante na ‘Operação Dilúvio’. Sob a ótica humana, o plano de Noé; para
este, a vontade de Deus.Também há, como personagem ‘extra’, o anjo caído Samyaza/Shemihazah (Mark Margolis). E entre as liberdades do roteiro estão o
exílio imposto a Noé e família no deserto e os seis anjos gigantes conhecidos
como Os Vigias, o que remete mais aos quadrinhos da Marvel do que aos textos
sagrados. Mas isso não ocorre por acaso: como forma de promover o filme e
apagar as dúvidas dos produtores, o diretor resolveu lançar em 2011 uma graphic
novel (“Noé: Pour la cruauté des hommes” ou “Noé: Por Causa da Maldade dosHomens”) como uma espécie de guia geral do roteiro e storyboard do filme.
O elenco é algo à parte, um espetáculo em si: a película
marca a segunda vez que Russell Crowe e Jennifer Connelly interpretaram marido
e mulher juntos. A primeira vez foi em Uma Mente Brilhante (2001). Crowe,
aliás, não foi a primeira escolha do diretor, já que o papel de Noé foi
oferecido a Christian Bale e Michael Fassbender, mas eles recusaram devido a
conflitos de agenda. Da mesma maneira, Ray Winstone vive Tubalcain, mas Liam Neeson, Liev Schreiber e Val Kilmer foram cotados para o papel, perdendo por
uma questão de porte físico. Dakota Fanning era a primeira escolha de Aronofsky
para viver Ila, garota que se relaciona com um dos filhos de Noé, Shem (Douglas Booth), mas novamente a agenda não permitiu, e Emma Watson herdou o papel.
Finalmente, Julianne Moore foi considerada para o papel de Naameh, que ficou
com Connelly. Matusalém, o homem mais velho do mundo, é vivido pela lenda viva
Anthony Hopkins.
Sob os aspectos técnicos, duas coisas se destacam: a
maneira como o dilúvio é mostrado, diferente das antigas produções sobre o
tema, que mostravam apenas chuvas torrenciais. No novo filme, águas jorram da
terra como gêiseres, mais de acordo com a narrativa de Gênesis, que cita a
abertura das ‘fontes do abismo’. O outro destaque é a quantidade de animais
usados nas filmagens: nenhum. O diretor garante que os animais vistos no filme
são “designs de animais reais modificados um pouquinho só”.
Enfim, entre liberdades poéticas e o visual
deslumbrante, é um filme que gera expectativas e parece, no mínimo, uma obra
digna de ser assistida.
"Celso Moraes F nasceu em 1968, e tem vivido boa
parte de sua vida em mundos muito particulares, cujas chaves são as
artes de modo geral e a literatura e o desenho em particular. Já foi
professor por mais de uma década (Literatura, Redação e Filosofia), mas
acabou desiludido com o sistema educacional, no que se refere a direções
e coordenações - entre os alunos, muitos amigos até hoje e contatos em
redes sociais fielmente mantidos.
Tenho um blog, o Absolutti, onde escreve com certa constância. "
Escreve também:
http://www.cafecomamigos.com.br/
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