Leopoldo María Panero (1948-2014): Lírica espanhola
perdeu o seu grande poeta “maldito”
Internado há decadas em instituições psiquiátricas,
Leopoldo María Panero é reconhecido como um dos mais importantes e inovadores
poetas espanhóis da geração revelada nos anos 60.
Leopoldo María Panero, uma das vozes mais inovadoras da
poesia espanhola contemporânea, morreu na madrugada desta quinta-feira, aos 65
anos, na unidade psiquiátrica do Hospital Rey Juan Carlos I, em Las Palmas de
Gran Canaria, onde vivia, em diferentes regimes de internamento, desde a década
de 90. “Morreu o nosso Peter Pan, o nosso Artaud, o nosso louco, o nosso
intocável, o nosso monstro”, escreve Luis Alemany no jornal El Mundo.
Alcoólico, heroinómano, bissexual assumido,
diagnosticado como esquizofrénico, autor de uma peosia fortemente
transgressora, era inevitável que se lhe colasse o rótulo de escritor maldito,
o que não o impediu de ter tido, e desde muito cedo, amplo reconhecimento
crítico. Nascido em 1948, é o mais jovem dos nove poetas que o crítico José
María Castellet inclui na antologia Nueve Novíssimos Poetas Españoles (1970),
uma obra que teria uma influência decisiva na afirmação de uma geração de
poetas que rompia com a versão espanhola do realismo socialista.
Filho de um poeta franquista da chamada geração de 36,
Leopoldo Panero (1909-1962) e da escritora e actriz Felicidad Blanc, Leopoldo
María tinha um irmão mais velho, também poeta, Juan Luis Panero, que morreu em
2013, e um outro mais novo, José Moisés, dito "Michi", escritor
ocasional e empresário de hotelaria, que morrera já em 2004.
A história do clã literário dos Panero, ao qual haveria
ainda que juntar o poeta Juan Panero, tio de Leopoldo María, que morreu aos 30
anos, foi retratado num conhecido documentário de Jaime Chavarri, El Desencanto
(1976), e também em Después de tantos años (1994), de Ricardo Franco.
Com estudos universitários de Filosofia e Filologia
Francesa, respectivamente em Madrid e Barcelona, Leopoldo María Panero militou,
ainda estudante, na oposição comunista ao franquismo, e chegou a ser preso. Foi
também por esses anos que começou a beber compulsivamente e a consumir drogas –
mais tarde, em 1992, escreverá um livro intitulado Heroína y Otros Poemas –, e
o seu primeiro internamento psiquiátrico é pouco posterior.
Vivendo há décadas em instituições psiquiátricas – uma
delas é evocada no título do livro Poemas del Manicomio de Mondragón (1987) –,
nem por isso Panero deixou de publicar regularmente, sobretudo poesia, mas
também narrativa, ensaio e ainda a autobiografia Prueba de Vida. Autobiografía
de la Muerte (2002).
Leitor compulsivo, dominava várias línguas, e a sua
poesia está repleta de citações, de Dante a Ezra Pound e de Baudelaire a
Mallarmé. E um dos seus autores de cabeceira era Fernando Pessoa, a quem dedica
uma passagem de um dos seus livros mais apreciados, Last River Together: “Me
digo que soy Pessoa, como Pessoa era/ Álvaro de Campos”. E num texto que publicou em 1989 no dário espanhol
ABC, intitulado Biografia y nada, escreve: “O único cume é esse – só alcançado
por Fernando Pessoa – que consiste em jogar a jogar”.
A autodestruição, a “dissolução do eu” ou a “identificação
da vida com a morte” só se tornam dominantes na poesia de Panero após os seus
primeiros internamentos, observa o grande especialista da sua obra, Túa Blesa,
responsável pela recente edição da sua Poesía Completa: 2000-2010 (2013). Mas é
difícil avaliar o que esta poesia deve à alegada loucura do autor.
Sendo óbvia a sua fortíssima dimensão autobiográfica, o
próprio Panero adverte, numa entrevista de 2001 ao diário El Pais: “Não usem a
minha torpe biografia para me julgar”. E para o poeta Pere Gimferrer, a “destruição e desagregação da consciência
adulta” foi o preço que Leopoldo María Panero pagou pelo “triunfo da
adolescência”.
Joaquim Manuel Magalhães traduziu poemas de Leopoldo
María Panero em Poesia Espanhola de Agora (Relógio D’Água, 1997), e Jorge
Melícias traduziu para a Alma Azul, em 2003, o livro Poemas do Manicómio de
Mondragón.
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