Por que tantos leitores
têm medo de compartilhar suas bibliotecas com amigos?
Danilo Venticinque, na revista Época
"Empresto até
dinheiro, mas não me peça meus livros." Perdi a conta de quantas vezes
ouvi amigos repetirem essa frase e muitas de suas variações. Alguns diziam o
mesmo sobre os CDs, quando o CD ainda existia. O mundo mudou. As coleções de
CDs acumulam poeira e, hoje em dia, é difícil achar alguém que queira pegar um
deles emprestado. Para os leitores, a vida mudou pouco. Nunca vi alguém pedir
um Kindle emprestado. Mas enquanto tivermos livros impressos - e os temos aos
montes -, nos veremos frequentemente diante dessa questão: emprestar ou não
emprestar?
A decisão de emprestar um
livro é, em sua natureza, um gesto de amor à leitura. O prazer de ler é tão
grande que precisamos compartilhá-lo. Nada mais frustrante do que terminar uma
história incrível e não ter com quem conversar sobre ela. Emprestar um livro é
buscar companhia num mundo em que os leitores, infelizmente, ainda são minoria.
Quem é contra o empréstimo
de livros costuma ter um argumento forte para justificar sua postura: por mais
que confiemos em quem pediu o livro emprestado, há uma enorme chance de que o
livro não seja devolvido. O mundo fora da estante é perigoso. Mesmo ambientes
aparentemente seguros escondem armadilhas. Já fui vítima de uma delas. Pouco
depois do lançamento de A visita cruel do tempo, de Jennifer Egan, deixei meu
exemplar com um colega de trabalho. Ele gostou tanto do romance quanto eu.
Animados com a nossa conversa, outros colegas se interessaram pela obra. O
livro passou de mão em mãos eu o perdi de vista. Não posso dizer que o revés
foi inesperado. Outros livros tiveram um destino parecido. Continuo a emprestar
livros, mesmo correndo o risco de perdê-los. Gosto de saber que meu exemplar de
A visita cruel do tempo foi parar nas mãos de um leitor misterioso, em vez de
acumular poeira em minha estante.
Como eu, muitos outros
leitores ignoram os avisos dos pessimistas e marcham adiante para compartilhar
suas leituras. É aí que surge outro risco: tornar-se um emprestador compulsivo.
Tenho um amigo com esse problema. Uma vez, lembro-me de ter contado, em minha
estante, três livros dele. Um deles foi emprestado antes mesmo que ele
terminasse de ler, tamanha sua vontade de compartilhar suas leituras. Não o
julgo. Já fui um emprestador compulsivo. Muitos dos livros que desapareceram da
minha estante foram livros que eu insisti em emprestar para leitores não muito
empolgados. Entre a vergonha de devolver o livro sem lê-lo e a cara de pau de
ficar com o livro e jamais tocar no assunto novamente, escolheram a segunda
opção. Eu os perdoo. Jamais esperaria que lessem o livro por obrigação.
Entre o egoísmo e o
desapego exagerado, há uma terceira via: a troca. Foi a maneira que encontrei
para acalmar meu amigo emprestador compulsivo. Numa das vezes em que ele me
perguntou se eu já tinha lido as dezenas de livros que ele me emprestara,
conversamos sobre um autor que ele não conhecia. No dia seguinte, deixei um
livro em cima da mesa dele. A dívida passou a ser mútua, sem riscos de
esquecimento. O máximo que pode acontecer é que a troca se torne definitiva -
e, mesmo assim, nenhum de nós se sentirá lesado.
Adotei a mesma prática
para outros empréstimos de livro. Se alguém me empresta algo, dou um jeito de
sugerir uma nova leitura e retribuir o favor imediatamente. Se alguém me pede
um livro emprestado, procuro saber se a pessoa tem algum livro que me interesse
em sua estante e peço para lê-lo.
Graças à segurança que
essas trocas proporcionam, passei a emprestar ainda mais livros, muitas vezes
em circunstâncias em que a devolução é improvável.
Na semana passada, um amigo
embarcou para o Japão sem data para voltar. Levou na bagagem dele meu exemplar
de A casa das belas adormecidas, de Yasunari Kawabata. Na minha situação,
muitos leitores se desesperariam. Eu estou tranquilo: para compensar a viagem
incerta do Kawabata, peguei emprestado um exemplar de Minha querida Sputnik, de
Haruki Murakami. Se nos reencontrarmos em alguns anos para destrocar os livros,
terei uma boa história para contar – e um argumento irrefutável para convencer
quem é contra o empréstimo de livros. Se meu amigo ficar no Japão com o
Kawabata, o Murakami me fará companhia, e meu livro terá feito uma bela viagem.
Não haverá motivo algum para lamentar a perda.
Emprestar um livro é despedir-se
dele.
Danilo
Venticinque -Editor de livros de ÉPOCA
Conta com a
revolução dos e-books para economizar espaço na estante e colocar as leituras
em dia. Escreve às terças-feiras sobre os poucos lançamentos que consegue ler,
entre os muitos que compra por impulso
Twitter:
@daniloxxv
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário