Um artigo científico seria capaz de abalar o mundo das Letras, sobretudo, o mundo da Literatura Comparada, ou o mundo do “estudo comparativo da literatura”, expressão, segundo o crítico austríaco René Wellek, a mais adequada, em se tratando de comparativismo, entre textos literários?
Todo trabalho crítico em relação à arte, tem em si uma metodologia em conformidade aos objetivos propostos em referência ao objeto de estudo. Assim, segundo René Wellek, numa comunicação realizada em 1958, durante o 2º congresso da Associação Internacional de Literatura Comparada - “The crisis of comparative literature”, postula que “o mais sério sinal do precário estado de nosso estudo é o fato de que não foi capaz de estabelecer um objeto de estudos distintos e uma metodologia específica”, ao criticar os trabalhos de erudição literária, entregues ao factualismo, cientismo e do relativismo histórico do século XIX, nas mãos de Baldensperger, Van Tieghem, Carré e Guyard, estudiosos franceses, que sobrecarregaram a literatura comparada através de uma metodologia ultrapassada.
Segundo Wellek, “a tentativa de comprimir a literatura comparada em um estudo do comércio externo de literaturas”, foi o trabalho que fizeram Van Tieghem e seus seguidores, ao tentar a distinção da literatura comparada à literatura geral, interessando esta, pelos movimentos e estilos de várias literaturas, e confinando àquela, ao estudo de inter-relações, o que seria para Wellek como algo insustentável e impraticável, pois seria apenas o trabalho de tornar a literatura comparada na pequenez de uma mera subdisciplina, levando-a a se interessar apenas e tão somente pelas exterioridades a respeito da obra, ao estudo de fontes e influências, causas e efeitos, o que levaria “a tentativa de erguer cercas artificiais entre a literatura comparada e a geral”.
Para Wellek, o objeto de estudo da crítica seria a própria literatura, e não apenas, o estudo das inter-relações entre literaturas, propondo para isto, um reexame dos objetivos e métodos, ao admitir como objeto de estudo, apenas a própria literatura no bojo da erudição literária, opondo-se à distinção, preconizada pelas propostas clássicas, entre literatura comparada e literatura geral, ao considerar o comparativismo como uma “represa estagnada”, indagando, “Por que deveríamos distinguir entre um estudo da influência de Byron sobre Heine e o estudo do byronismo na França?”, reduzindo a literatura comparada à análise de fragmentos.
Segundo a pesquisadora Tânia Carvalhal, em seu conceituado livro Literatura Comparada, a crítica de Wellek está embasada nos princípios de três correntes teórico-críticas – o formalismo russo, a fenomenologia e o new criticism, que preconizavam a análise de acordo a imanência do texto literário, se rebelando contra o determinismo causal, cuja preocupação maior seria falar sobre literatura, sem a distinção entre literatura comparada e literatura geral, criticando assim, a separação entre crítica literária e estudos literários comparados.
Ainda no clássico livro Teoria da Literatura, editado em 1949, em parceria com Austin Warren, as preocupações de Wellek apontadas no polêmico artigo, “A crise da literatura”, já se faziam presentes, sobretudo, no capítulo V, intitulado “Literatura geral, literatura comparada e literatura nacional”, mostrando sua insatisfação com relação aos rumos tomados pelos estudos comparados, que ora se limitavam a investigar a migração de temáticas da literatura oral para a escrita, ora se preocupavam no relacionamento entre duas ou mais literaturas, ou ora tinham como preocupação maior os dados extraliterários, oposição que fazia Wellek por acreditar na concepção de literatura comparada como uma atividade crítica, sinônimo de crítica literária, admitindo o texto como o objeto centralizador de qualquer preocupação a estes estudos.
Para Carvalhal, cabe uma crítica às postulações de Wellek, sem é claro, desmerecer a revitalização proposta pelo crítico austríaco, ao estimular o comparativismo literário, sobretudo, aos alertas constantes relacionados aos estudos de fontes, influências e relações, como adverte Carvalhal, que “a literatura comparada, sendo uma atividade crítica, não necessita excluir o histórico, sem cair no historicismo, mas ao lidar amplamente com dados literários e extraliterários ela fornece à crítica literária, á historiografia literária e à teoria literária uma base fundamental”, convivendo no mundo das letras em se confundir, como reflexionava Wellek em seus estudos, arregimentando, este, mais o número de restrições do que soluções aos impasses que caracterizaram a dita crise da literatura comparada, ao recusar os estudos da Imagologia, como pretendiam Carré e Guyard, bem como a recorrência à História, ponto de vista da sociologia literária.
Quanto a estas duas refutações por parte de Wellek, a pesquisadora Tania Carvalhal propõe a leitura de dois bons livros, não previstos pelo crítico austríaco, sendo eles, O brasileiro e o avesso de um personagem tipo, de Guilhermino César, e o livro Carcamanos e comendadores - os italianos de São Paulo, da realidade à ficção (1919-1930), de Mario Carelli.
Robson Veiga - Mestrando em Literatura e Crítica Literária pela PUC de Goiania-GO. Página pessoal na internet: Café Literário.
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