AS
MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (15)
YEDA
SCHMALTZ (1941-2003) poeta e ficcionista pernambucana, ensaísta
e expert em artes plásticas. Já morou em Recife, Rio e viveu muito tempo em
Goiânia, onde faleceu prematuramente. Dedicou-se à docência superior nas áreas
de estética, história e sociologia da arte. Estreou em livro com Caminhos de
Mim (1964). Já publicou mais de dez livros de poemas e recebeu vários prêmios
(APCA,1985; Remington-RJ, 1980). Alguns títulos: Anima Mea(1984),Prometeu
Americano(1996), Vrum(1999) e Chuva de Ouro(2000).
Cavalo
de Pau
Quando amo, sou assim:
dou de tudo para o amado
— a minha agulha de ouro,
meu alfinete de sonho
e a minha estrela de
prata.
Quando amo, crio mitos,
dou para o amado meus
olhos,
meus vestidos mais
bonitos,
minhas blusas de babados,
meus livros mais
esquisitos,
meus poemas desmanchados.
Vou me despindo de tudo:
meus cromos, meu
travesseiro
e meu móbile de chaves.
Tudo de mim voa longe
e tudo se muda em ave.
Nos braços do meu amado,
os mitos se acumulando:
um pandeiro de cigana
com mil fitas coloridas;
de cabelo esvoaçando,
a Vênus que nasceu loura.
(E lá vou eu navegando.)
Nos braços do meu amado,
os mitos se acumulando,
enchendo-se os braços
curtos
e o amado vai se inflando.
— O que de mais me lamento
e o que de mais me espanto:
o amado vai se inflando
não dos mitos, mas de
vento
até que o elo arrebenta
e o pobre do amado
estoura.
(Nenhum amado me agüenta.)
AMOR
DE POETA
Quando começo
eu sou terrível: tema.
Um poeta é aquele
que faz um poema
de nenhum assunto,
o que se alimenta de nada,
o que morre de medo
mas fica gratificado
com tudo.
Contudo,
não permita o início:
corte.
Caia num precipício.
Melhor a morte à rima,
ao forte amor danado
de um poeta,
amor melífluo e obsceno.
E todo o amor do mundo
fica muito pequeno
se houver comparação.
(Que estou fazendo no
mundo
com este nome alemão,
este ar desconfiado
e essa cara de quem
vê cara, não vê coração?)
*
Ser poeta
Ter sol, malícia,
solenidade e insolência.
Calo no dedo médio
são os ossos que me
embrulham
neste ofício intenso que
me esbulha.
Carregar um nome comigo,
esta letra vazia, carregar
esta palavra tão pesada,
que te ilustra
como a última palavra
não escrita
Ter fúria
e o avesso desnudado,
anotando somente o
necessário
e a muito custo mesmo
re/velá-lo.
AGLAIA
SOUZA (1943) poeta carioca, contista, musicista e professora
universitária. Participou de inúmeras coletâneas de poesia e de contos. Estreou
em livro com Gota de Barro (1982). Além desse livro, tem publicados os
seguintes títulos: Artesã(1989), Murmúrio(1993), Rondó ao Mar(1996) Canção
Tagoriana(2000) e Cantaria (2010). Vive em Brasília.
O
espelho
O espanto do idoso frente
ao espelho
justifica o tempo que
parou —
dentro do peito e da mente
insone.
Onde fica o tempo que
passou?
CANTARIA
Estou indo bem mais velha:
Maranhão me envelheceu.
Suas ruas, suas casas,
onde o passado ainda mora,
criaram raízes, lianas,
azulejaram as paredes,
ruíram caibros e tetos,
musgos nasceram nos becos.
Estou levando comigo
Maranhão feito em pedaços.
Suas pedras, suas portas,
seus licores, suas frutas,
camarões, peixes enormes,
a fala mansa, sem pressa,
os livros (tantos
poetas!),
seus rios cheirando a mar.
Estou indo assim saudosa
do tempo do Maranhão.
CANTABILE
O chão canta
um canto de dor
se passa, rasteiro,
passageiro cantor.
A voz leve
enleva e some:
só fica nos ares
um aroma e um nome.
CONQUISTA
Tua maré:
sobe e inunda
o porto
o cais
o veleiro
e te deixa
sabendo a sal.
EULÁLIA
MARIA RADKE (1949) poeta catarinense, compositora,
teatróloga e jornalista. É presença atuante em seu meio cultural.Já morou em
Blumenau e vive em Curitiba.Estréia em livro em 1980, com Espiral, que teve
apresentação de Lindolf Bell. No livro seguinte, O Sermão das Sete
Palavras(1986) ganha o prêmio Luis Delfino de Poesia. Eulália já coleciona
vários prêmios e distinções.Destacamos:premio Ferreira Gullar, concurso
nacional de poesia do Paraná; premio Mário Quintana, Alegrete, RS. Publicou em
2000, Lavra Lírica.
ATEMPORAL JARDIM
Nenhum tempo existia
nos altares de tua terra
interior
Nenhuma distância
entre teus gestos de
partilha
e o amor incondicional.
Em tua bagagem
conheci a paz de quem
recolhe frutos
para ofertá-los
Em teus olhos
um sino sonante regendo
luz
nos caminhos dos que te
procuravam.
Em tua voz
o canto da liberdade
-ainda que de silêncios.
Em tua garganta
um choro fechado por um
amor mudo.
Em teus lábios
o riso largo pinçado de
pequenas ternuras
e grifos de humor.
Ontem,
Dionísio bateu em minha
porta.
Grafou em minha quietude
a notícia de tua morte.
Espalhando flores de fogo
apontou o infinito
lá onde gravitam os
místicos
onde dormem os sátiros
Ofertou-me flores risonhas
outras quase maduras.
Disse que te encontraremos
em Epidauro
sob o reposteiro d'uma
grande arena
- é lá onde brilhas
eterno e sonoro.
(Homenagem a Carlos Roberto Jardim, que
durante anos fez público para teatro em toda Santa Catarina, dirigindo a Cia
Vira Latas de Teatro.Pessoa especialíssima em entretenimento cultural da cidade
de Blumenau)
POEMA
4
A maestria dos erros
sombrios
vertidos, quebrantados,
modular
cadencia na ordem dos
fins.
A memória logra
pentímetros
contrafaz num olhar de
cataclismo,
atrozes e cínicas
evidências.
Ruminamos, subjugados, a
memória
regemos em notas, abismos
ritos desmesuráveis,
entorpecidos.
As solidões são nossas
vítimas,
amargamos tornados nulos
silenciando particípios e
gerúndios.
A
DANAÇÃO DO RISO
Nas folhas do Boi Mamão
arrepiava até os tendões.
No céu vermelho das
fogueiras
reverenciava São João,
aquecendo o corpo sem
solidão
(ainda).
Mas foi sob as fagulhas
breves
e a frágil arquitetura
da lenha queimada,
onde conheci o cálice da
morte
no perfume ativo do jasmim
guardando o corpo de meu
avô.
Avolumada,
como as trovoadas
poderosas
que tantas vezes vieram em
direção
aos meus olhos temerosos,
adquiri uma das faces mais
divinas
que a separação pode
assumir:
a
ira.
Esta,
ensinou-me que a flor que
enfeita
a festa
também murcha triste na
solidão dos túmulos.
Amalgamava então
as criaturas sagradas
e a morte me parecia
alta e solene
como as visões de um
pesadelo.
Guardei meu avô
sob o cristal das cinzas
num culto à memória,
abreviando mais tarde
a saudade sobre o retrato
da parede.
O mistério da ausência
— como a sonoridade sutil
e grave das palavras —
desenhou parcial
esquecimento.
Mas a morte lavrada
no grande cemitério da
existência
criou dentro do peito
um olho d'água de curso
subterrâneo.
Desde então,
aprendi a dissimular a dor
amoldando-a às formas de
versos,
quando o reverso torna-se
incompreensível.
MARIA
BEATRIZ FARIAS DE SOUZA (1948) poeta carioca, psicóloga e
ensaísta,faz parte do grupo AdVersos e já publicou vários livros. Utiliza em
seus trabalhos o pseudônimo Kuri. Teve estréia auspiciosa com Lugar
Nenhum(1968), com prefácio de Vinicius de Moraes, talvez o único que o poeta
tenha topado fazer. Outros títulos: Poemancipação(1970), O Negócio da
Pia(1972), e Gueto(1981). Tem vários livros inéditos.
Gueto
Venha beber conosco, os
placidamente aflitos,
pernoitar em nossas
pequenas casas sem teto,
partilhar dessa dimensão
em que o sonho
e a realidade não se
distinguem, não se excluem.
Venha embriagar-se
conosco, os anjos tortos,
desatrelar-se,
aventurar-se pelo prazer da descoberta
e brindar a loucura com a
mesma reverência
com que os outros brindam
a coerência
das linhas retas, das
quadras, dos quadrantes.
Venha misturar-se a nós,
crianças medonhas,
radicar-se nesse gueto
entrincheirado
além do território das
engrenagens metálicas,
provar a lucidez mágica da
poesia
que, de súbito, é uma dor
e uma alegria.
Marítimo
N.º 5
Não atento ao que os
homens
falam de Deus.
Prefiro supor
o que ele mesmo diria
se eu fosse capaz de
ouvi-lo.
Ironia
Às vezes eu me sinto
como se não tivesse
mais nada pra dizer…
aí me contradigo
e os rios rolam seixos
até a beira do mar.
REMANSO
Se eu fosse a mesma,
não houvesse perdido meu
rosto
no espelho das águas do
remanso
e sonhar ainda fosse
possível,
meus olhos não fugiriam
dos seus
feito passarinhs
assustados,
meus gestos não se
calariam
(ao contrário, ousariam),
meu poema seria belo e
límpido
como as águas do remanso
onde perdi meus rosto.
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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