Fernando Pessoa, um poeta
de quantas faces?
por José Figueiredo
Há 126 anos, nascia
Fernando Pessoa, o poeta português que é, na verdade, uma multidão toda.
É normal na história
literária autores usarem outros nomes em determinado momento da carreira ou
durante toda ela, seja lá qual for o motivo (se por um lado o verdadeiro nome
de Pablo Neruda era Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto e o de Voltaire
fosse François-Marie Arouet, por outro, por exemplo, Agatha Christie já foi
Mary Westmacott, e o próprio Machado de Assis já se autodenominou, quando tinha
seus interesses, como Boas Noites e Dr. Semana), mas criar personalidades para
esses outros eus, dando-lhes data de nascimento (e em alguns caso de morte),
local de nascimento (com direito a mapa astral e tudo), características
específicas da personalidade tão adversas as suas próprias, apenas Fernando
Pessoa.
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Álvaro de Campos |
E a coisa era realmente
séria se formos analisar a obra do poeta. Ricardo Reis, o neoclássico, e Álvaro
de Campos, o futurista, citam várias vezes durante suas obras respectivas a
grande influência de outro poeta português: Alberto Caeiro, o heterônomo
naturalista. Tudo isso pode nos dar a ideia de que os heterônimos não passassem
de uma grande burla de Pessoa, concebida no auge da sua maturidade literária, o
que não é verdade. Aos seis anos, ainda em Lisboa, ele criou a primeira dessas
figuras, Chevalier de Pas (ou Cavaleiro do Nada), com quem ele trocava cartas –
e nem nos perturbemos nessa multidão, pois descrever todos seria impossível a
quase todos, menos ao próprio Fernando Pessoa.
Mas o que mais chama a
atenção nessa multiplicação do eu é o fato disso ser colocado pelo próprio
poeta, enquanto ortônimo (vulgo ele mesmo), como projeto estético da sua
poesia, tendo o seu ponto mais marcante no poema Autopsicografia:
O Poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
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Ricardo Reis
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Aqui o poeta não apenas
ensina o que se deve fazer (Fingir que é dor a dor que deveras sente) como
também diz que nós, meros leitores, apenas sentimos uma, a criada pelo poeta,
ao tempo que ele, o autor, sente duas, a real e a criada.
E não esqueçamos de Bernardo
Soares, o meio-termo, ou semi-heterônimo, entre o poeta e as suas múltiplas
facetas, cuja obra é composta pelo Livro do Desassossego (que para alguns
estudiosos também é, em parte, composto por outro heterônimo, Vicente Guedes),
uma espécie de livro de divagações em prosa onde Pessoa colocou coisas desde os
mais profundos pensamentos da sua interioridade até descrições em prosa poética
de Lisboa.
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Alberto Caeiro |
(Pensemos que nem tocamos
nos heterônimos ingleses do autor, compostos no seu tempo de vida na África do
Sul e que criaram uma obra considerável, a qual o próprio Fernando Pessoa
reformulou e publicou, em vida, tendo algum sucesso internacional.)
Seja como for, Pessoa é
autor de uma rica obra – como ortônimo publicou pouco, é verdade, tendo
assinado a maioria dos textos como Álvaro de Campos no fim da vida – e de
grande força poética. Quer como pastor de ovelhas, engenheiro naval ou médico,
ele legou à Língua Portuguesa uma das mais ricas obras jamais escritas,
trabalhando com quase todas as formas de fazer poesia possíveis, criando,
inclusivo, novas maneiras para velhas formas (vejamos o exemplo de Mensagem).
O que nos resta é nos
divertirmos nessa multidão chamada Fernando Pessoa.
Escritor que desiste de
todos os seus romances na vigésima página. Estuda Letras na UFRGS e jurou a si
mesmo terminar um romance decente antes dos trinta. Adora cinema e literatura –
e bobagens afins.
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