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5 momentos inesquecíveis da Flip 2014 [DANILO VENTICINQUE]

5 momentos inesquecíveis da Flip 2014


A festa literária não teve grandes estrelas da literatura, mas rendeu cenas que entrarão para a história do evento

Danilo Venticinque, na revista Época

A 12ª edição da Festa Literária Internacional de Parati (Flip) não teve grandes estrelas da literatura, mas foi cheia de excelentes momentos. Houve até quem comparasse o evento à seleção de futebol da Alemanha: mesmo sem um craque indiscutível que centralizasse as atenções, a força do conjunto garantia o espetáculo. Tanto as mesas principais quanto a programação paralela agradaram ao público. É sempre encorajador ver 25 mil pessoas reunidas para celebrar a literatura.

Entre os vários momentos que empolgaram a plateia, separei os cinco que mais chamaram minha atenção. São cenas que, por diferentes motivos, certamente serão lembradas nas próximas edições da Flip e povoarão as conversas entre leitores. 

1. As cusparadas de Millôr e Chico 


O cartunista Jaguar na conferência de abertura da Flip 2014 (Foto: Walter Craveiro)

Autor homenageado da Flip 2014, Millôr Fernandes (1923-2012) foi lembrado em várias das mesas da programação oficial. Mas nenhuma delas foi tão marcante quanto a conferência de abertura. Numa conversa descontraída, os humoristas Hubert e Reinaldo, do Casseta e Planeta, entrevistaram o cartunista Jaguar para que ele contasse histórias sobre Millôr. Entre vários casos folclóricos, um relato insólito se destacou: uma briga de cusparadas entre Millôr e Chico Buarque num bar do Leblon. Além de compor, cantar e escrever, Chico aparentemente é bom de pontaria. Seus dois disparos acertaram o alvo em cheio. Millôr tentou revidar, mas não teve a mesma pontaria. O motivo da briga ainda é um pouco nebuloso. Segundo Jaguar, Millôr era amigo de Tarso de Castro (1941-1991), que era desafeto de Chico, e isso pode ter dado início à confusão.

2. O encontro de prodígios 

Os jovens autores Eleanor Catton e Joël Dicker se encontraram na mesa mediada por José Luiz Passos (Foto: Walter Craveiro)

O mediador, José Luiz Passos, falou mais do que os dois convidados. O curador da Flip, Paulo Werneck, admitiu que a mesa foi fria. O debate não rendeu nenhuma frase memorável. Mesmo assim, valeu a pena presenciar o encontro dos dois jovens autores mais incensados da atualidade. Eleanor Catton, de 28 anos, e Joël Dicker, de 29, são dotados do raríssimo dom de escrever romances que impressionam tanto a crítica quanto o público. Os luminares, de Catton, vendeu 500 mil cópias e foi premiado com o cobiçado Man Booker Prize. A verdade sobre o caso Harry Quebert não chegou a tanto, mas ganhou muitos elogios da crítica francesa e arrebatou mais de 2 milhões de leitores com seu suspense literário. Ambos devem continuar a fazer barulho no mercado editorial por muitos anos. Com o tempo, a monotonia da participação dos dois na Flip será esquecida e só ficará o principal: a imagem do encontro entre dois grandes talentos.

3. O som de uma língua desconhecida 

O líder ianomâmi Davi Kopenawa fez um apelo ao público (Foto: Walter Craveiro)

A situação dos índios foi um dos temas de destaque da Flip 2014. Duas mesas foram dedicadas a ela. A participação do líder ianomâmi Davi Kopenawa, que acusa fazendeiros de invadir reservas indígenas e afirma já ter sido ameaçado de morte, era a mais aguardada. Ele participou de uma mesa dedicada à cultura indígena. Na sua primeira participação, a pedido da mediadora, Eliane Brum, respondeu em ianomâmi a uma pergunta para depois traduzi-la para o português. O público se dividiu. Alguns se emocionaram. Outros não conseguiram disfarçar o misto de tédio e confusão. Mas dificilmente algum dos presentes esquecerá o som daquela língua desconhecida, que dominou os alto-falantes por vários minutos antes que a tradução fosse feita e o debate continuasse.

4. A emoção de Marcelo Rubens Paiva

O escritor Marcelo Rubens Paiva na mesa “Memórias do cárcere: 50 anos do golpe"  (Foto: Walter Craveiro)

No momento mais emocionante da Flip 2014, o escritor Marcelo Rubens Paiva, de 55 anos, chorou diversas vezes enquanto lia um texto sobre o desaparecimento de seu pai, o deputado Rubens Paiva, durante a ditadura. Numa das interrupções, disse que o nascimento de seu filho há cinco meses o fez ver a história de sua família com outros olhos. A plateia aplaudiu de pé.

5. Um palco para uma atriz-autora

Fernanda Torres e o escritor peruano Daniel Alarcón no último dia da Flip 2014 (Foto: Walter Craveiro)

No início deste texto, escrevi que a Flip 2014 não teve grandes estrelas. Mentira. Não dá para dizer isso de qualquer evento que tenha entre seus convidados a atriz e escritora Fernanda Torres. Embora ela ainda não possa ser considerada um grande nome de literatura, seu romance de estreia, Fim, foi bem-recebido pela crítica e vendeu mais de 100 mil cópias. O sucesso rendeu o convite para o último dia da Flip, e o papel de protagonista na mesa mais divertida do evento, ao lado do escritor peruano Daniel Alarcón. Com uma presença de palco mais intensa do que a de qualquer um que já tenha pisado na Tenda dos Autores, Fernanda assumiu o controle do espetáculo logo nos primeiros minutos. Ditou os temas da discussão, encheu Alarcón de perguntas, contou casos e arrancou gargalhadas do público, enquanto o mediador Ángel Gurría-Quintana se resignava ao papel de espectador. Num dos momentos mais divertidos da mesa, Alarcón ficou tão envolvido com a fala de Fernanda que pensou que entendia português - e esqueceu de colocar os fones de ouvido para a tradução simultânea. "Fernanda, eu não sei muito bem o que fazer com estes fones de ouvido, porque eu, honestamente, às vezes penso que estou entendendo tudo", disse Alarcón. "Mas eu olho para você, e você é tão bonita, e eu percebo que eu não entendo absolutamente nada." A plateia riu e aplaudiu. A gafe de Alarcón era compreensível. A poucos metros de distância de Fernanda, num dia particularmente inspirado, qualquer espectador seria igualmente hipnotizado.


Danilo Venticinque -Editor de livros de ÉPOCA
Conta com a revolução dos e-books para economizar espaço na estante e colocar as leituras em dia. Escreve às terças-feiras sobre os poucos lançamentos que consegue ler, entre os muitos que compra por impulso
Twitter: @daniloxxv

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